Em agosto, os Presidentes e Chefes de Delegação dos Estados Parte do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), reunidos na cidade de Bogotá, Colômbia, fizeram um comunicado conjunto sobre a aprovação do lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (“Tropical Forest Forever Facility”, TFFF) durante a COP 30, a ser realizada em novembro próximo, em Belém, no Pará.
O TFFF, coordenado pelos governos do Brasil e Colômbia, é uma iniciativa concreta dos países do Sul Global para mobilizar recursos financeiros voltados à conservação, restauração e gestão sustentável das florestas tropicais.
O Fundo “incentiva os potenciais países investidores, organismos multilaterais, bancos de desenvolvimento, fundos climáticos, agências de cooperação internacional, filantropia e setor privado a anunciarem contribuições ambiciosas e concretas para a capitalização do TFFF, a fim de garantir sua pronta operacionalização”, conforme afirma o comunicado.
A proposta reacendeu um debate central: como financiar a preservação da floresta tropical?
O modelo parte de um princípio simples: para que as florestas permaneçam em pé, é preciso garantir recursos financeiros constantes. Nesse caso, a capitalização do TFFF depende de doadores nacionais e internacionais — governos, bancos multilaterais e filantropias — que reconheçam o valor estratégico da Amazônia para o equilíbrio climático do planeta.
Trata-se de uma aposta importante, mas que, como destaca o próprio comunicado conjunto, não elimina outras iniciativas capazes de seguir na mesma direção.
REDD+
Na luta pela redução das emissões de gases de efeito estufa, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) estabeleceu o mecanismo REDD+ (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação florestal, conservação, manejo sustentável e aumento de estoques de carbono florestal).
Trata-se de um incentivo internacional que recompensa financeiramente países em desenvolvimento pelos resultados comprovados de redução de emissões de gases de efeito estufa ligados ao uso da terra.
Apesar de ser um avanço no financiamento climático, o REDD+ tem uma limitação central: só considera áreas em risco de desmatamento ou degradação, seguindo a lógica da “adicionalidade”. Assim, florestas já conservadas ficam de fora, mesmo sendo vitais para o clima, a biodiversidade e os ciclos hídricos. Essa restrição reduz o alcance do mecanismo e inviabiliza a geração plena de ativos ambientais, excluindo tanto pequenos projetos comunitários quanto grandes áreas preservadas que poderiam receber apoio para sua manutenção.
Nova proposta
Atualmente, apesar da escala das mudanças climáticas e os severos desastres ambientais, o desmatamento ocorre porque derrubar a floresta vale mais que mantê-la. Porém, se o hectare de floresta valer mais do que o hectare de soja ou de gado, a lógica se inverte.
Sendo assim, surge uma alternativa: transformar a floresta em pé em um ativo econômico mais valioso do que sua derrubada. A proposta é criar um Crédito de Conservação, vinculado ao carbono estocado na floresta (árvores, serapilheira, solo, etc) e aos serviços ambientais que a floresta presta — regulação climática, biodiversidade, recursos hídricos.
Essa ideia não está apenas no campo da teoria. A UNESP (Universidade Estadual Paulista) já desenvolveu uma metodologia específica para quantificação desses serviços ambientais, que serve de base para projetos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).
Essa metodologia científica garante que os créditos sejam mensuráveis, auditáveis e capazes de gerar ativos ambientais com validade no mercado, remunerando investidores e trazendo benefícios para as comunidades que mantêm a floresta preservada.
Na proposta da UNESP, deve-se considerar a área total com floresta intacta: seria quantificado o carbono no sistema (plantas, solo, serapilheira, que é a camada de matéria orgânica sobre o solo de uma floresta, etc) e os serviços ecossistêmicos fornecidos pela floresta em pé (biodiversidade de fauna e flora, quantidade e qualidade da água, regulação climática, etc).
E tudo isso seria transformado num “crédito de carbono especial” (melhor caracterizado como “Crédito de Conservação”, este atrelado ao carbono florestal estocado), de tal forma que esse carbono seja mais valioso que o normal (já que engloba não só a quantificação de carbono no sistema, mas também os serviços ecossistêmicos fornecidos por ele), e sua comercialização se daria da forma em que é feita normalmente, não ficando dependente de doações voluntárias dos parceiros como no caso do TFFF.
Essa “Metodologia UNESP” quantifica o carbono no sistema florestal, conforme as outras metologias também o fazem (Verra, Gold Standart, etc), mas considerando um componente a mais: o solo. Em vez dos usuais 30 cm utilizados pelas certificadoras, pode-se considerar a profundidade de até 1 m. Outro ponto importante é o método de análise de carbono em laboratório realizado pelo equipamento CHN Analisador Elementar, mais preciso que o método atualmente sugerido pelo IPCC.
A quantificação de carbono em ecossitemas florestais sugerida pelo IPCC, e utilizada pelas certificadoras mundiais, é realizada, por exemplo, na serapilheira considerando que ela contém, em média, 50% de carbono na matéria seca vegetal (a quantificação é feita tomando o peso seco e multiplicando por 0,5), enquanto que com a Metodologia UNESP, que propõe a análise de carbono com o uso do equipamento CHN Analisador Elementar, se obtém valores bem diferentes e mais precisos.
Com relação às análises de solo em laboratório, o método sugerido pelo IPCC, método de Walkley-Black, é bem menos preciso que o realizado por esse equipamento utilizado em nosso método e mais prejudicial à saúde e ao ambiente, uma vez que utiliza dicromato de potássio, um produto cancerígeno.
Essa metodologia torna mais justa a quantificação para os solos das regiões tropicais (mais profundos) em relação àqueles das regiões temperadas (mais rasos), uma vez que, no mínimo, se dobra a quantidade de carbono no solo. Além disso, a metodologia proporciona uma maior precisão nas análises de carbono em laboratório, tanto na serapilheira como no solo, tornando o processo mais justo, preciso e confiável.
Nesse contexto, mecanismos como os PSA e a criação de Créditos de Conservação baseados na metodologia da UNESP aparecem como ferramentas capazes de preencher a lacuna que o TFFF e o REDD+, sozinhos, talvez não consigam cobrir.