Construir materiais cristalinos com espaços gigantescos em escala atômica capazes de capturar, armazenar e transformar moléculas não parece apenas o roteiro de um filme futurista. É também um sonho científico tornado realidade pelos vencedores do Prêmio Nobel de Química deste ano.
Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar M. Yaghi desenvolveram as redes metalorgânicas (MOFs, na sigla em inglês para metal-organic frameworks), um tipo de composto que revolucionou a química de materiais e abre novos caminhos para enfrentar desafios globais como as mudanças climáticas, a escassez de água ou a transição para energias limpas.
O poder das “gaiolas” moleculares
As MOFs são redes tridimensionais formadas por nós metálicos conectados por moléculas orgânicas. Essa combinação cria uma estrutura cristalina altamente porosa: até 90% de seu volume pode ser vazio, e um único grama pode apresentar uma superfície interna de até 6.000 m². Em outras palavras, uma colher de chá de pó de MOF pode ter uma superfície equivalente à de um campo de futebol.
Sua verdadeira revolução é que elas podem ser projetadas sob medida. Ao alterar o tipo de metal e as moléculas orgânicas, os pesquisadores podem ajustar com precisão o tamanho dos poros, a forma dos canais e a química de suas paredes internas para fazê-los interagir com moléculas específicas. Essa modularidade é possível graças à chamada química reticular, uma disciplina que constrói materiais seguindo padrões topológicos previsíveis, quase como projetar edifícios com peças de Lego moleculares.
Por que são tão importantes
Suas aplicações são muitas, com impacto em áreas muito importantes da vida cotidiana. Por exemplo, servem para:
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Captura e armazenamento de gases poluentes. Algumas MOFs capturam dióxido de carbono, mesmo em baixas concentrações, algo essencial para reduzir as emissões industriais e, no futuro, capturar CO₂ diretamente do ar.
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Transição energética limpa. Sua capacidade de armazenar hidrogênio e metano de forma densa e segura as torna aliadas essenciais para desenvolver combustíveis limpos e avançar em direção a uma economia descarbonizada.
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Obtenção de água em locais áridos. Existem MOFs que absorvem vapor de água, mesmo quando a umidade é mínima, o que permite projetar dispositivos portáteis que “fabricam” água potável a partir do ar do deserto.
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Catálise de precisão e química sustentável. Ao atuarem como microfábricas moleculares, as MOF podem catalisar reações dentro de espaços confinados. Com isso, imitam a precisão das enzimas e reduzem o consumo de energia e a geração de resíduos.
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Medicina avançada e sensores. Sua enorme superfície e a facilidade de modificá-las com moléculas ativas as tornam úteis em imagens biomédicas, liberação controlada de medicamentos ou sensores químicos de alta sensibilidade.
De curiosidade acadêmica a tecnologia transformadora
Há apenas duas décadas, as MOFs eram um experimento de laboratório com nomes complexos e aplicações hipotéticas. Hoje, são uma plataforma tecnológica em rápido desenvolvimento, estudada tanto por grupos acadêmicos quanto por grandes empresas químicas e de energia.
Suas possibilidades se multiplicaram graças a técnicas de síntese mais eficientes — que incluem métodos ecológicos como a mecanoquímica ou a sonoquímica, em que as reações químicas são ativadas por métodos mecânicos ou por ondas sonoras, respectivamente — e a ferramentas de simulação computacional que permitem prever estruturas antes de fabricá-las.
Um Nobel que olha para o futuro
O prêmio de 2025 não recompensa apenas uma descoberta elegante, mas coloca em foco uma nova forma de pensar a química dos materiais: passar da tentativa e erro para a engenharia molecular racional.
Em um mundo que precisa urgentemente de tecnologias para capturar CO₂, gerenciar a água, armazenar energia limpa e reduzir resíduos industriais, as MOFs são uma peça-chave para um futuro sustentável.
Além disso, este Nobel lança uma mensagem inspiradora: a química, muitas vezes vista como sinônimo de poluição, também pode ser uma ferramenta poderosa para proteger o planeta. As estruturas metalorgânicas são a prova de que imaginar e construir estruturas invisíveis, átomo por átomo, pode ter um impacto muito real em nossa vida cotidiana e na saúde do meio ambiente.
This article was originally published in Spanish
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