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Governo de Kast, no Chile, será indicativo dos rumos para as democracias latino-americanas

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Governo de Kast, no Chile, será indicativo dos rumos para as democracias latino-americanas

A eleição de José Antonio Kast para a presidência do Chile marca uma inflexão profunda na trajetória política de um país que, desde a transição democrática de 1990, construiu sua reputação internacional com base na moderação institucional, na previsibilidade econômica e na convivência entre projetos ideológicos distintos dentro das regras do jogo democrático.

A vitória de um candidato associado à extrema direita rompe esse padrão histórico e projeta efeitos que ultrapassam o espaço doméstico chileno, irradiando impactos relevantes sobre a América Latina e sobre o debate global em torno da democracia liberal.

Durante décadas, o Chile funcionou como um ponto de referência regional. Mesmo após as grandes mobilizações sociais de 2019 e o fracasso de duas tentativas consecutivas de reforma constitucional, o sistema político manteve uma lógica de contenção recíproca entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

A chegada de Kast ao Palácio de La Moneda altera esse equilíbrio ao introduzir uma agenda marcada por retórica confrontacional, centralidade absoluta da segurança pública e desconfiança explícita em relação a consensos construídos no campo dos direitos civis e sociais.

Campanha eleitoral associou imigração e criminalidade

No plano interno, o novo governo assume em um contexto de fragmentação parlamentar e de elevada polarização social. O discurso eleitoral ancorou-se na associação direta entre imigração, criminalidade e deterioração da ordem pública, especialmente no norte do país e em áreas de conflito histórico com comunidades mapuche.

A promessa de militarização do território, de endurecimento penal e de ampliação do sistema prisional sinaliza uma mudança qualitativa na relação entre Estado e sociedade, com impactos diretos sobre garantias individuais e mecanismos de controle democrático. Essa inflexão ocorre em um país cuja memória institucional ainda guarda marcas profundas do autoritarismo do século XX.

No plano regional, a eleição de Kast reforça uma tendência observada nos últimos anos: o avanço de lideranças de direita radical em resposta a frustrações econômicas, insegurança cotidiana e descrédito das elites políticas tradicionais.

“Lei e ordem” como eixo da ação governamental

O Chile soma-se a um conjunto heterogêneo de países que adotam narrativas de “lei e ordem” como eixo estruturante da ação governamental. Esse movimento tende a influenciar debates eleitorais em países vizinhos, em especial aqueles que enfrentam pressões migratórias intensas, crescimento do crime organizado transnacional e desgaste das coalizões progressistas.

A política migratória ocupa lugar central nesse novo cenário. O Chile tornou-se destino relevante de fluxos migratórios regionais, sobretudo de venezuelanos, e a retórica de fechamento e repressão já produz efeitos indiretos sobre Peru e Bolívia, que registram deslocamentos de populações em antecipação a medidas mais duras. Esse redesenho forçado das rotas migratórias amplia tensões diplomáticas e humanitárias, ao mesmo tempo em que desafia os frágeis mecanismos regionais de coordenação.

No campo internacional, a vitória de Kast reaproxima o Chile de governos conservadores, em especial dos Estados Unidos sob liderança republicana. Temas como segurança hemisférica, combate ao narcotráfico e cooperação policial tendem a ganhar prioridade, enquanto a atuação chilena em fóruns dedicados à integração social, à agenda climática e ao desenvolvimento sustentável perde protagonismo. Essa reorientação afeta o equilíbrio político da América Latina em espaços multilaterais e enfraquece iniciativas de concertação regional que dependiam da tradicional postura chilena de mediação.

Austeridade fiscal, desregulação e redução do Estado

Do ponto de vista econômico, a agenda de austeridade fiscal, desregulamentação e redução do papel do Estado dialoga com experiências recentes na região, mas encontra limites estruturais em uma sociedade marcada por desigualdades persistentes e por expectativas sociais frustradas. A tensão entre disciplina macroeconômica e coesão social constitui um dos principais testes do novo governo, especialmente em um ambiente de crescimento moderado e pressões inflacionárias recentes.

A eleição de José Antonio Kast simboliza mais do que uma alternância de poder. Ela expressa a entrada do Chile em um ciclo político incerto, no qual a estabilidade construída ao longo de décadas enfrenta desafios simultâneos internos e externos. O desenlace desse processo será observado com atenção em toda a região, como indicativo dos rumos que as democracias latino-americanas assumem em um contexto global marcado por polarização, insegurança e disputas normativas cada vez mais intensas.

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