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Grandes desafios: projeto de novos antibióticos é selecionado para consórcio global patrocinado pela Fundação Gates

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Grandes desafios: projeto de novos antibióticos é selecionado para consórcio global patrocinado pela Fundação Gates

A resistência aos antimicrobianos (AMR) representa um problema de saúde pública mundial. Foi estimado que aproximadamente 4,95 milhões de mortes em todo o mundo são associadas a infecções causadas por bactérias resistentes. E 1,27 milhão foram diretamente atribuídas a essas infecções.

Projeções indicam que, até 2050, o número de mortes diretamente atribuídas à AMR poderá ultrapassar 1,9 milhão. E as mortes associadas poderão alcançar 8,2 milhões, com impacto particularmente acentuado entre idosos.

As cepas de K. pneumoniae resistentes às cefalosporinas de terceira e quarta gerações ou carbapenêmicos têm sido reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como patógenos de prioridade crítica para a priorização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos antibióticos, vacinas, diagnósticos e tratamentos. Essas bactérias têm se tornado resistentes a todos os antimicrobianos disponíveis para uso clínico.

Uma colaboração interdisciplinar liderada por nós, pesquisadores do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC/MCTI) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com instituições do Brasil, México, Argentina, Uruguai, Chile, Portugal e Canadá, foi recentemente selecionada na prestigiada iniciativa internacional Global Grand Challenges – Gr-ADI (Gram-Negative Antibiotic Discovery Innovator).

Patrocinado pelas Fundações Gates, Wellcome e Novo Nordisk, o programa apoia esforços inovadores voltados ao desenvolvimento de novos antibióticos capazes de combater infecções causadas por bactérias gram-negativas resistentes, consideradas uma das maiores ameaças à saúde pública global.

A proposta brasileira intitulada “Translational Approach with AI for Klebsiella Drug Discovery” foi pré-selecionada entre mais de 800 submissões. Após diversas análises técnicas realizadas por especialistas da Fundação Gates, foi oficialmente aprovada neste mês de outubro de 2025.

A iniciativa passa a integrar o consórcio global como um dos projetos finalistas e receberá financiamento significativo por 36 meses. O foco é a descoberta e validação de novos antibióticos, especialmente contra Klebsiella pneumoniae.

Essa bactéria é responsável por infecções graves, como pneumonias, infecções de corrente sanguínea e urinárias e abscessos hepáticos. E o tratamento tem se tornado cada vez mais difícil diante do aumento alarmante da resistência aos antibióticos disponíveis, incluindo os novos inibidores de betalactamases.

Inteligência artificial e supercomputação

O projeto terá início em dezembro de 2025 e está estruturado em quatro fases principais. Inicialmente, a priorização de alvos terapêuticos. Em seguida, faremos a validação funcional e genética. Posteriormente, partiremos para a descoberta de compostos ativos. Por fim, faremos a validação experimental de substâncias ativas contra os alvos selecionados.

O projeto tem como objetivo identificar e validar novos alvos terapêuticos e obter ao menos uma molécula com ação comprovada sobre um ou dois desses alvos, com potencial terapêutico contra K. pneumoniae.

Para isso, integra abordagens computacionais de última geração — como inteligência artificial (IA), modelagem molecular, bioinformática e triagem virtual. Além disso, prevê validação experimental por meio de ensaios biológicos.

Essas análises exigem grande capacidade de processamento, viabilizada pelo uso do Supercomputador Santos Dumont (SDumont), instalado no Laboratório Nacional de Computação Científica, o mais potente da América Latina dedicado à pesquisa científica.

Um dos pilares tecnológicos do projeto será a aplicação de modelos de inteligência artificial generativa, desenvolvidos no próprio LNCC. Esses modelos utilizam uma abordagem multiobjetivo, capaz de propor novas moléculas potencialmente ativas contra alvos moleculares. E a ideia é validá-las de forma experimental ao longo do projeto.

Essas metodologias fazem parte do ecossistema de programas DockThor-VS, DockTDesign e DockTDeep. Todos desenvolvidos pelo Grupo de Modelagem Molecular de Sistemas Biológicos do LNCC.

O portal DockThor-VS (https://www.dockthor.lncc.br), integrado ao supercomputador SDumont, é hoje uma das principais plataformas globais de triagem virtual em larga escala.

Somente nos últimos dois anos, mais de 40 mil simulações foram submetidas por pesquisadores de diversos países. Isto evidencia seu impacto e relevância internacional na descoberta de fármacos assistida por supercomputação.

Grandes diferenciais

Entre os principais diferenciais desta proposta está a sólida colaboração entre o Laboratório de Bioinformática (Labinfo) do LNCC e o Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos (ARIES) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – uma das maiores referências em resistência antimicrobiana no Brasil e no cenário internacional.

Juntas, as equipes conduziram o sequenciamento e a análise de um dos primeiros genomas completos de um isolado de K. pneumoniae produtor da carbapenemase KPC que, além de resistente aos antibióticos carbapenêmicos, também era resistente às polimixinas – a última opção terapêutica disponível naquela época. Essa colaboração, somada a estudos clínicos e epidemiológicos de resistência, fortalece a base translacional do nosso projeto.

A proposta se apoia na integração de múltiplas abordagens inovadoras e combina metodologias computacionais e experimentais de última geração. No eixo in silico, serão aplicadas ferramentas avançadas de inteligência artificial, bioinformática e modelagem molecular. Além disso, a pesquisa será reforçada pelo protocolo desenvolvido pelo grupo argentino Target Pathogen, em colaboração com especialistas da Fiocruz (BA), México, Uruguai e Chile.

Do ponto de vista experimental, o projeto contará com tecnologias de ponta como CRISPR interference (CRISPRi) – uma técnica de silenciamento genético que permite inibir genes específicos para estudar sua função. Além do Ribo-seq, um método que analisa quais proteínas estão sendo produzidas pelas bactérias em condições de estresse.

Ensaios funcionais de expressão e inibição enzimática, de avaliações de concentração inibitória mínima, toxicidade e cristalografia de alguns alvos moleculares com compostos antimicrobianos promissores também serão realizados.

As etapas de síntese, otimização e testes microbiológicos serão conduzidas por grupos com experiência consolidada da UFRJ, da Unifesp e da Universidade de Manitoba do Canadá. Essa integração entre diferentes frentes tecnológicas permitirá validar biologicamente os alvos identificados e comprovar, in vitro e in vivo, a eficácia das substâncias promissoras encontradas sobre os alvos validados.

Antibióticos de nova geração

A combinação entre priorização de novos alvos moleculares associada ao planejamento de novas moléculas por meio de IA generativa apoiada pela validação experimental é a chave para o desenvolvimento de antibióticos de nova geração.

Ser selecionado em uma concorrência internacional altamente competitiva, na qual a inovação científica foi um dos critérios centrais, reforça a relevância e a excelência da ciência brasileira e latino-americana em uma área de pesquisa considerada extremamente desafiadora e com potencial de beneficiar milhões de pessoas em todo o mundo.

É importante destacar que os avanços metodológicos e as pesquisas associadas a este projeto contam com o apoio de iniciativas financiadas pela Fundação Carlos Chagas Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


Este projeto tem a colaboração de uma equipe multidisciplinar brasileira e internacional e, além de nós, conta com a colaboração de Fabio Custódio, André Borges Farias e Maria Carolina del Valle Sisco Zerpa, do LNCC; Lídia Moreira Lima, da UFRJ; Fernanda Fernandes dos Santos e Marcelo Ferreira Marcondes Machado, da Unifesp; Pablo Ivan Pereira Ramos da Fiocruz Bahia; Priscilla Capriles, da Universidade Federal de Juiz de Fora; Adrian Turjanski e Dario Fernandez do Porto, da Facultad de Ciencias Exáctas y Naturales (FCEyN), da Universidade de Buenos Aires (Argentina); Pablo Smircich e José Sotelo, da Universidad de la República (Udelar) e Instituto Clemente Estable (Uruguai); Ernesto Pérez Rueda, da Universidad Nacional Autónoma de México (México); J. Eduardo Martinez-Hernandez, da Universidad de las Américas (Chile); Silvia Cardona da University of Manitoba, do Canadá; Pedro J. B. Pereira, da i3S – Universidade do Porto (Portugal).

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