As pessoas frequentemente consideram a evolução um processo que ocorre na natureza, nos bastidores da sociedade humana. Mas a evolução não está dissociada dos seres humanos. Na verdade, as práticas culturais humanas podem influenciar a evolução da vida selvagem. Essa influência é bastante pronunciada nas cidades, onde as pessoas alteram drasticamente as paisagens para atender às suas próprias necessidades.
As ações humanas podem afetar a evolução da vida selvagem de diversas maneiras. Se as pessoas fragmentarem o habitat, populações de vida selvagem separadas podem evoluir para se tornarem cada vez mais diferentes umas das outras. Se as pessoas alterarem certas condições locais, isso pode pressionar os organismos de novas maneiras, o que significa que genes diferentes são favorecidos pela seleção natural e transmitidos aos descendentes – outra forma de evolução que pode ser impulsionada pelas ações humanas.
Em uma análise recente, os biólogos evolucionistas Marta Szulkin, Colin Garrowaye eu, em colaboração com cientistas espalhados pelos cinco continentes, exploramos como processos culturais – incluindo religião, política e guerra – moldam a evolução urbana. Analisamos dezenas de estudos empíricos sobre a vida selvagem urbana em todo o mundo. Nosso trabalho destaca quais práticas culturais humanas moldaram e continuam a moldar a trajetória evolutiva de animais e plantas silvestres.
Práticas religiosas
Se você já viajou para o exterior, deve ter notado que o cardápio de qualquer restaurante McDonald’s é moldado pela cultura local. Nos Emirados Árabes Unidos, o McDonald’s serve um cardápio totalmente halal, que seguem as regras das leis islâmicas. Itens vegetarianos são comuns e não há carne bovina no McDonald’s indiano. E nos Estados Unidos, o McFish do McDonald’s é especialmente popular durante a Quaresma, quando os católicos praticantes não consomem carne às sextas-feiras.
Da mesma forma, os ecossistemas das cidades são moldados por práticas culturais locais. Como toda a vida selvagem está conectada ao meio ambiente, as práticas culturais que alteram a paisagem moldam a evolução dos organismos urbanos.
Por exemplo, em Oviedo, Espanha, as pessoas construíram muros ao redor de edifícios religiosos entre os séculos XII e XVI. Essa divisão da cidade levou ao surgimento de diferentes populações de salamandras-de-fogo dentro e fora dos muros. Como as salamandras não conseguem escalar esses muros, as que estavam em lados opostos ficaram isoladas umas das outras e incapazes de transmitir genes. Em um processo que os cientistas chamam de deriva genética, com o tempo, as salamandras dos dois lados tornaram-se geneticamente distintas — evidência de que as duas populações evoluíram independentemente.
Imagine jogar fora um punhado de M&Ms. Por acaso, algumas cores podem estar super-representadas e outras podem estar ausentes. Da mesma forma, genes super-representados em um lado do muro podem estar em número baixo ou ausentes no outro lado. Isso é deriva genética.
A introdução de animais selvagens não nativos é outra maneira de as pessoas alterarem os ecossistemas urbanos e os processos evolutivos. Por exemplo, a oração de libertação de animais é uma prática que começou no século V ou VI em algumas seitas do budismo. Praticantes que se esforçam para não causar dano a nenhuma criatura viva libertam animais em cativeiro, o que beneficia o animal e visa melhorar o carma da pessoa que o libertou.
No entanto, esses animais são frequentemente capturados na natureza ou provenientes do comércio de animais de estimação, introduzindo assim animais selvagens não nativos no ecossistema urbano. Esses animais podem competir com espécies locais e contribuir para a extinção local da fauna nativa. Capturar animais nas proximidades também tem desvantagens. Pode diminuir as populações locais, já que muitos morrem viajando para a cerimônia de soltura. A diversidade genética dessas populações locais, por sua vez, diminui, reduzindo sua capacidade de sobrevivência.
Influência da política
Campanhas com motivação política moldaram a vida selvagem de diversas maneiras.
A partir de 1958, por exemplo, o Partido Comunista Chinês liderou um movimento para eliminar quatro espécies consideradas pragas: ratos, moscas, mosquitos e pardais. Embora as três primeiras sejam comumente consideradas pragas em todo o mundo, os pardais entraram na lista por serem “animais públicos do capitalismo” devido à sua predileção por grãos. A campanha de extermínio acabou dizimando a população de pardais e danificando todo o ecossistema. Com os pardais parando de caçar e comer insetos, pragas agrícolas, como gafanhotos, prosperaram, levando à destruição das plantações e à fome.
Nos Estados Unidos, a política racial pode estar moldando os processos evolutivos da vida selvagem. Por exemplo, as rodovias americanas atravessam cidades de acordo com agendas políticas e frequentemente desmantelaram bairros pobres de pessoas negras para dar lugar a vias com várias faixas. Essas rodovias podem mudar a forma como os animais conseguem se dispersar e se misturar. Por exemplo, elas impedem que linces e coiotes circulem por Los Angeles, levando a padrões de diferenciação populacional semelhantes aos observados em salamandras-de-fogo na Espanha.
Vida selvagem durante e após a guerra
Agendas religiosas e políticas humanas frequentemente levam a conflitos armados. Sabe-se que as guerras alteram drasticamente o meio ambiente, como visto nos conflitos atuais em Gaza e na Ucrânia.
Embora documentar as mudanças evolutivas na vida selvagem urbana seja secundário à segurança das pessoas em tempos de guerra, alguns estudos sobre a vida selvagem foram realizados em zonas de guerra ativas. Por exemplo, a atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia afetou a migração de águias-malhadas-grandes. Elas faziam grandes desvios ao redor da zona de guerra ativa, chegando mais tarde do que o habitual aos seus locais de reprodução. A rota mais longa aumentava a energia que as águias consumiam durante a migração e provavelmente influenciava sua aptidão física durante a reprodução.
Guerras limitam o acesso a recursos para pessoas que vivem em zonas de guerra ativas. A falta de energia para aquecer casas na Ucrânia durante o inverno levou moradores urbanos a extrair madeira de florestas próximas. Essa extração terá consequências de longo prazo na dinâmica florestal, provavelmente alterando o potencial evolutivo futuro.
Um exemplo semelhante é a fome que ocorreu durante as guerras civis na República Democrática do Congo (1996-1997, 1998-2003) e levou a um aumento no consumo de carne de animais selvagens. Essa caça é conhecida por reduzir o tamanho das populações de primatas, tornando-os mais suscetíveis à extinção local.
Mesmo depois da guerra, as paisagens sofrem consequências.
Por exemplo, a zona desmilitarizada entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul é uma barreira de 250 quilômetros, estabelecida em 1953, que separa os dois países. Fortemente fortificada com arame farpado e minas terrestres, a zona desmilitarizada tornou-se um santuário natural de fato, abrigando milhares de espécies, incluindo dezenas de espécies ameaçadas de extinção.
O colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria levaram à criação do Cinturão Verde Europeu, que percorre o mesmo caminho da Cortina de Ferro. Essa rede ecológica protegida tem mais de 12.500 quilômetros de extensão, permitindo que a vida selvagem se mova livremente por 24 países da Europa. Assim como a Zona Desmilitarizada Coreana, o Cinturão Verde Europeu permite que a vida selvagem se mova, se reproduza e troque genes, independentemente das fronteiras políticas. A política removeu a influência humana desses espaços, permitindo que se tornem um refúgio seguro para a vida selvagem.
Embora pesquisadores tenham documentado diversos exemplos de evolução da vida selvagem em resposta à história e às práticas culturais humanas, há muito mais a ser descoberto. As culturas diferem ao redor do mundo, o que significa que cada cidade possui seu próprio conjunto de variáveis que moldam os processos evolutivos da vida selvagem. Entender como essas práticas culturais humanas moldam os padrões evolutivos permitirá que as pessoas projetem cidades que apoiem tanto os humanos quanto a vida selvagem que habita esses lugares.