Ad image

IA passa no “teste de Turing da estética” e já muda nossa relação com a arte

8 Min Read
IA passa no “teste de Turing da estética” e já muda nossa relação com a arte

Pegue a edição da revista Vogue de agosto de 2025 e você encontrará um anúncio da marca Guess com uma modelo deslumbrante. No entanto, escondida em letras pequenas, há uma admissão surpreendente: ela não é real. A modelo foi totalmente gerada por Inteligência Artificial (IA).

As imagens de publicidade de moda são retocadas há décadas. Mas não se trata de retocar uma pessoa real; é uma “pessoa” criada do zero, uma composição digital de pontos de dados, projetada para parecer uma mulher bonita.

A reação ao anúncio da Guess foi rápida. A modelo veterana Felicity Hayward chamou a ação de “preguiçosa e barata”, alertando que isso prejudica anos de trabalho para promover a diversidade. Afinal, por que contratar modelos de diferentes tamanhos, idades e etnias quando uma máquina pode gerar um ideal de beleza restrito e testado no mercado sob demanda?

Eu estudo a colaboração entre humanos e IA, e meu trabalho se concentra em como a IA influencia a tomada de decisões, a confiança e a capacidade humana de agência. Tudo isso entrou em jogo durante a controvérsia da Vogue.

Essa nova realidade não é motivo para pessimismo. Mas agora que está se tornando muito mais difícil — se não impossível — distinguir se algo foi criado por um humano ou por uma máquina, vale a pena questionar o que se ganha e o que se perde com essa tecnologia. Mais importante ainda, o que isso diz sobre o que realmente valorizamos na arte?

Espectador e ouvinte forense

Em 1950, o cientista da computação Alan Turing se perguntou se uma máquina poderia exibir um comportamento inteligente indistinguível do de um ser humano.

Ele propôs seu famoso “jogo da imitação”. Nele, um humano julga se está conversando com uma pessoa ou um computador. Se o humano não consegue distinguir a diferença, o computador passa no teste.

Em 1950, o cientista britânico Alan Turing questionou como e quando humanos poderiam distinguir uma conversa com uma pessoa ou um computador. Pictures From History/Universal Images Group via Getty Images

Durante décadas, isso permaneceu como uma referência teórica. Mas com a recente explosão de chatbots poderosos, as máquinas foram indiscutivelmente aprovadas no teste de Turing original para conversação. Esse feito levanta uma nova questão: se a IA pode dominar a conversa, ela pode dominar a arte?

E as evidências sugerem que a IA já passou no que poderia ser chamado de “Teste de Turing da estética”.

A IA pode gerar música, imagens e filmes de forma tão convincente que as pessoas têm dificuldade em distingui-los das criações humanas.

Na música, plataformas como Suno e Udio podem produzir canções originais, completas com vocais e letras, em qualquer gênero imaginável em segundos. Algumas são tão boas que se tornaram virais. Enquanto isso, imagens fotorrealistas são igualmente enganosas. Em 2023, milhões acreditaram que a foto fabricada do Papa Francisco em uma jaqueta puffer era real, um exemplo impressionante do poder da IA de criar ficção convincente.

Nossos cérebros estão sendo enganados

Então, por que estamos caindo nessa?

Primeiro, a IA se tornou especialista em falsificar padrões humanos. Esses modelos são treinados em gigantescas bibliotecas de arte feita pelo homem. Eles analisaram mais pinturas, músicas e fotografias do que qualquer pessoa jamais poderia. Esses modelos podem não ter alma, mas aprenderam a fórmula matemática do que consideramos bonito ou cativante.

Em segundo lugar, a IA superou o “vale misterioso”. Esse é o termo usado para descrever a sensação estranha que temos quando algo parece quase humano, mas não é totalmente — como um robô humanoide ou uma boneca com olhos vazios.

Essa sensação sutil de que algo está errado tem sido nosso detector interno de falsificações. Mas a IA mais recente é tão sofisticada que conseguiu sair desse vale. Ela não comete mais os pequenos erros que despertam nossa desconfiança.

Por fim, a IA não apenas copia a realidade, mas cria uma versão aperfeiçoada dela. O filósofo francês Jean Baudrillard chamou isso de simulacro — uma cópia sem original.

O modelo de IA da Vogue é o exemplo perfeito. Ela não é a imagem de uma mulher real. Ela é um ideal hiper-real com o qual nenhuma pessoa viva pode competir. Os espectadores não a consideram falsa porque ela é, em certo sentido, mais “perfeita” do que real.

O futuro da arte em um mundo sintético

Quando a arte é tão fácil de gerar — e sua origem tão difícil de verificar —, algo precioso corre o risco de se perder.

O pensador alemão Walter Benjamin escreveu uma vez sobre a “aura” de uma obra de arte original — o senso de história e toque humano que a torna especial. Uma pintura tem aura porque você pode ver as pinceladas; uma fotografia antiga tem aura porque capturou um momento real no tempo.

A arte gerada por IA não tem essa aura. É infinitamente reproduzível, não tem história e carece de uma narrativa humana. É por isso que, mesmo quando é tecnicamente perfeita, pode parecer vazia.

Quando você começa a suspeitar da origem de uma obra, o ato de ouvir uma música ou ver uma fotografia não é mais simplesmente sentir o ritmo ou imaginar o que pode ter existido fora do quadro. Também é necessário fazer uma lista mental, procurando o fantasma estatístico na máquina. E esse momento de dúvida analítica tira os espectadores e ouvintes do mundo emocional da obra.

Para mim, o Teste de Turing da estética não se trata apenas de saber se uma máquina pode nos enganar; é um desafio que nos leva a decidir o que realmente queremos da arte.

Se uma máquina cria uma música que leva uma pessoa às lágrimas, importa que a máquina não tenha sentido nada? Onde reside verdadeiramente o significado da arte — na mente do criador ou no coração do observador?

Construímos um espelho que reflete nossa própria criatividade de volta para nós, e agora devemos decidir: preferimos a perfeição sem humanidade ou a imperfeição com significado? Escolhemos o reflexo impecável e descartável ou o espelho confuso e divertido da mente humana?

Share This Article
Sair da versão mobile