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Inteligência Artificial Geral: por que ainda temos que ir ao supermercado?

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Inteligência Artificial Geral: por que ainda temos que ir ao supermercado?

Ainda inexistente, a Inteligência Artificial Geral (IAG) é uma forma hipotética de Inteligência Artificial (IA) que igualaria ou superaria as capacidades cognitivas humanas em praticamente qualquer tarefa.

Ela não é apenas uma ferramenta inteligente para uma função específica, mas seria uma mente digital tão versátil, criativa e adaptável quanto a mente humana, capaz de aprender qualquer coisa e aplicar seu conhecimento em qualquer área. Diferente das IAs em uso atualmente – como ChatGPT, DeepSeek e Gemini – que se destacam em tarefas específicas e pré-definidas, uma IAG possuiria também senso comum e a capacidade de aprender de forma autônoma.

A IAG equivaleria ao tipo de inteligência que nós humanos possuímos, e que as grandes empresas de tecnologia sonham alcançar, que é aquela inteligência usada para ir ao supermercado, pegar ônibus, praticar esporte ou ouvir extasiado o álbum “Voadeira”, de Mônica Salmaso – tarefas aparentemente simples, mas que mobilizam uma complexa rede de capacidades cognitivas. Então o que nós, seres humanos, temos de diferente de uma IA? Talvez uma mente versátil capaz de aprender, entender e realizar potencialmente qualquer tarefa intelectual e eventualmente se emocionar com isso.

Outro aspecto dessa comparação é que as habilidades de uma IA não se comunicam eficientemente como ocorre no cérebro humano. Dito de outro modo, uma IA especialista em jogar xadrez não sabe como fisicamente ligar um carro, um assistente de voz não consegue aprender a fazer uma cirurgia sozinho e o chatGPT é impotente diante da pilha de pratos sujos na pia.

Essas IAs são como uma enorme coleção de ferramentas afiadas, mas cada uma para uma função específica. Sim, existe IA que cumpre diferentes tarefas, mas usam modelos específicos para cada uma delas. É como se houvesse várias IAs dentro de uma única IA; porém, esses modelos não interagem funcionalmente entre si de modo a constituir um sistema.

A diferença entre uma IA e uma IAG é como ter um supercomputador que só joga xadrez e ter um assistente pessoal robótico que pode aprender a cozinhar, cuidar do jardim, dar conselhos médicos e inventar uma piada. A primeira já é realidade. A segunda é um possível futuro que a ciência ainda ambiciona.

Já a mente humana não vem programada para uma única tarefa, pois tem a capacidade inerente de aprender usando a ferramenta do conhecimento transversal: se você ensinar alguém a ler livros de medicina e, em seguida, a consertar motores, essa pessoa certamente será capaz de conectar esses conhecimentos, e talvez use princípios mecânicos da fisiologia cardíaca para entender melhor o funcionamento de um automóvel.

O raciocínio da IA

Essas comparações entre a mente humana e uma IA resultam não raro em fazer paralelos relacionados com os processos envolvidos no raciocínio biológico e digital. Para uma IAG existir, ela necessitaria de raciocínio equivalente ou superior ao nosso, porém os modelos de IA conhecidos não permitem fácil acesso ao encadeamento lógico que resulta no produto final, seja ele uma imagem, um texto ou um áudio. Quais elaborações de fato esses modelos realizam para chegar a determinada conclusão de que a melhor resposta é aquela apresentada?

A Anthropic, empresa que criou e desenvolve a IA Claude, publicou o artigo científico On the Biology of a Large Language Model em que os autores sugerem que esses sistemas de IA funcionam de uma maneira completamente diferente do que se supunha.

Seus processos internos não se assemelham às etapas do raciocínio humano e, quando os modelos explicam seu próprio raciocínio, essas explicações são inteiramente enviesadas e não correspondem ao que se pode observar em suas operações internas.

Como discutido pelo filósofo e engenheiro de software Dakara, do site Mind Prison, a ideia de progresso tecnológico rumo a uma IAG é na verdade o aprimoramento de grandes modelos estatísticos com um verniz de inteligência humana. Os tipos de aplicação que se tornarão viáveis serão profundamente impactados por esta distinção crucial – mesmo que, à primeira vista, a linha que separa a inteligência dos grandes modelos estatísticos possa parecer tênue.

O viés da IA

A visão de que a IA é e sempre será enviesada – e que isso pode não ser um problema – é central na pesquisa da Alix Rübsaam, filósofa holandesa da Singularity University.

Ela argumenta que o viés, longe de ser um erro, é um subproduto inevitável das decisões humanas na construção dos modelos e um elemento necessário para que a máquina possa fazer escolhas. A pesquisadora, porém, faz uma distinção crucial: aceitar a natureza tendenciosa da IA não significa ignorar os preconceitos prejudiciais que ainda permeiam muitos sistemas.

Segundo a filósofa, havia uma crença no mundo da tecnologia – e fora dele – de que teríamos uma IAG à qual você poderia pedir para fazer qualquer coisa. Nisso, o viés se torna um grande problema, porque o mundo não é o mesmo para todas as pessoas que vivem nele e uma IAG teria que ser enviesada de acordo com a funcionalidade desejada pelo usuário.

O viés em sistemas de IA é inevitável e funcional, sendo necessário para tarefas de discriminação como classificação de imagens, em que o ideal não deve ser eliminar todos os vieses – pois isso tornaria a IA inoperante – mas sim distinguir entre vieses funcionais (que cumprem propósitos técnicos válidos) e vieses prejudiciais (que causam exclusão social e injustiças), concentrando esforços no combate a estes últimos.

Como destacado pela filósofa, se um algoritmo funciona excepcionalmente bem em algo, é porque foi especialmente calibrado para resolver aquele problema. Utilizamos esse algoritmo precisamente porque ele foi construído para lidar com essa tarefa específica, o que significa ter aquela competência técnica de diferenciar e identificar elementos particulares em uma situação dada.

Somados, esses aspectos da IA nos sugerem que a perspectiva de uma Inteligência Artificial Geral é um projeto incerto, que alimenta discussões envolvendo desde o público usuário até os cânones do mundo digital. Independente de chegarmos a um consenso, passaremos ainda algum tempo tendo que ir nós mesmos ao supermercado.

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