Em 9 de junho, o Madleen, um veleiro civil com bandeira britânica que transportava ajuda humanitária para Gaza foi interceptado pelas forças israelenses em águas internacionais, a cerca de 200 quilômetros da costa.
A Freedom Flotilla Coalition organizou a viagem, que partiu da Sicília em 1º de junho. Entre os 12 passageiros do navio estavam a ativista climática Greta Thunberg, a deputada do Parlamento Europeu Rima Hassan, dois jornalistas franceses, o ativista climático brasileiro Thiago Ávila e vários outros ativistas de todo o mundo.
As forças armadas israelenses abordaram o navio e o desviaram para o porto israelense de Ashdod. A ajuda humanitária que transportava — fórmula infantil, alimentos, suprimentos médicos, kits de dessalinização de água — foi confiscada. Todos os passageiros foram detidos e desde a noite de segunda-feira, dia 9, alguns estão sendo deportados para seus países de origem, enquanto outros seguem presos e enfrentarão processos de expulsão.
Essa interceptação provocou condenação internacional. É importante ressaltar que também levanta questões sobre se as ações de Israel estão em conformidade com o direito internacional.
Condições legais para bloqueios navais
Os bloqueios marítimos não são automaticamente ilegais. De acordo com o Manual de San Remo sobre o Direito Internacional Aplicável aos Conflitos Armados no Mar (1994), um bloqueio pode ser usado em tempo de guerra, mas somente se cinco condições legais forem atendidas:
- deve ser formalmente declarado e notificado publicamente
- deve ser efetivamente aplicado na prática
- deve ser aplicado de forma imparcial a todos os navios
- não deve bloquear o acesso a portos ou costas neutras
- não deve impedir a entrega de ajuda humanitária a civis
Se pelo menos uma dessas condições não for cumprida, o bloqueio pode ser considerado ilegal de acordo com o direito internacional humanitário consuetudinário.
A quinta condição é especialmente importante aqui. De acordo com um estudo abrangente do direito internacional humanitário realizado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, as partes em conflito devem permitir a entrega rápida e sem impedimentos de ajuda humanitária aos civis necessitados.
Um bloqueio que impeça isso pode violar o direito internacional.
Israel e o Egito impuseram um bloqueio de vários graus a Gaza desde 2007, quando o Hamas chegou ao poder. O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, afirma que o objetivo do bloqueio é “impedir a transferência de armas para o Hamas”. Os críticos dizem que isso equivale a uma punição coletiva.
O Madleen estava operando em conformidade com três ordens vinculativas da Corte Internacional de Justiça (de janeiro de 2024, março de 2024 e maio de 2024) exigindo acesso humanitário sem impedimentos a Gaza.
Liberdade de navegação
O direito internacional também protege fortemente a liberdade de navegação, particularmente em águas internacionais além dos limites territoriais de qualquer Estado.
Existem apenas algumas exceções em que um país pode legalmente deter um navio estrangeiro em águas internacionais – se estiver envolvido em pirataria, tráfico de escravos, transmissão não autorizada ou se o próprio navio for apátrida. Um país também pode interceptar um navio se estiver a aplicar um bloqueio legal ou a agir em legítima defesa ao abrigo do Artigo 51.º da Carta das Nações Unidas.
Assim, se as ações de Israel não cumprirem integralmente os requisitos legais internacionais para a aplicação de um bloqueio em tempo de guerra, não teria o direito de interceptar o Madleen em águas internacionais.
Proteções para trabalhadores humanitários
De forma mais ampla, o direito internacional humanitário, incluindo a Quarta Convenção de Genebra, protege os civis durante conflitos. Essa proteção se estende às pessoas que prestam ajuda humanitária, desde que não participem diretamente das hostilidades.
Para ser considerada como participando diretamente das hostilidades, uma pessoa deve:
- ter a intenção de causar danos militares
- ter uma ligação causal direta com esses danos e
- estar agindo em conexão com um dos lados do conflito.
Levar ajuda aos civis, mesmo que politicamente controverso, não atinge esse limite legal. Como resultado, os passageiros do Madleen continuam sendo civis protegidos e não devem ser tratados como combatentes ou detidos arbitrariamente.
O direito internacional também estabelece como os civis detidos em situações de conflito devem ser tratados. De acordo com a Quarta Convenção de Genebra, os detidos devem ter acesso a cuidados médicos, advogados e representantes consulares. Eles também não devem ser punidos sem um processo legal justo.
Relatos de que passageiros do Madleen foram detidos e enfrentam deportação levantam preocupações sobre se esses padrões estão sendo respeitados.
Em resposta à interceptação do navio, a [Fundação Hind Rajab], um grupo de defesa sem fins lucrativos, apresentou uma queixa à Unidade de Crimes de Guerra da Polícia Metropolitana do Reino Unido. A denúncia alega uma série de violações do direito internacional humanitário, incluindo detenção forçada, obstrução da ajuda humanitária e tratamento degradante.
Flotilha anterior interceptada
Esta não é a primeira vez que Israel intercepta um navio de ajuda humanitária e enfrenta acusações de violação do direito do mar e do direito humanitário.
Em 2010, as forças armadas israelenses invadiram uma frota de seis navios organizada por ativistas internacionais com o objetivo de entregar ajuda humanitária a Gaza e desafiar o bloqueio.
A violência eclodiu no maior navio, o Mavi Marmara, resultando na morte de nove cidadãos turcos e ferimentos em dezenas de outros. O incidente foi condenado internacionalmente. Israel concordou em amenizar seu bloqueio após o incidente.
Uma missão de investigação criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU concluiu que Israel violou várias leis internacionais e que seu bloqueio estava “causando danos desproporcionais à população civil”.
Esta não é apenas uma questão política ou moral – é uma questão jurídica. O direito internacional estabelece regras claras sobre quando e como um país pode impor bloqueios, interceptar navios e tratar civis.
Com base nessas regras, permanecem sérias questões jurídicas sobre a forma como Israel lidou com o Madleen e seus passageiros.