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Jardins, chácaras e santos: o significado por trás de nomes das favelas de São Paulo

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Jardins, chácaras e santos: o significado por trás de nomes das favelas de São Paulo


“Segundo minha mãe, [aqui] era só mato e barranco, não tinha nenhum comércio quando ela chegou e aos poucos os próprios moradores foram construindo suas casas e comércios”, conta ela.

Assim como o Joana D’arc, o bairro faz parte do distrito do Tremembé , na zona norte da cidade. Dizem que o nome foi dado por conta de uma fonte de água mineral que havia na região — Tremembé, em tupi, significa “terreno alagadiço” ou “pântano”.

Ocupações quase centenárias

Conseguir moradia é um desafio para moradores de baixa renda em São Paulo há muito tempo. Cortiços na região central, no começo do século 20, e a Favela do Canindé, nos anos 1940, com rotina registrada pela escritora Maria Carolina Maria de Jesus  em ”Quarto de Despejo” (1960), são exemplos. 

Urbanista e integrante do CEP (Centro de Estudos Periféricos), Anderson Nakano diz que as favelas são consequência de uma batalha entre empreendedores e os chamados grileiros (que tomam posse de terras de forma ilegal).

“A terra aqui em São Paulo é muito mais disputada por loteamentos irregulares”, afirma ele.

Segundo ele, historicamente dois movimentos marcaram essa ocupação das periferias paulistanas. Um era com envolvimento de proprietários, que incentivavam a ocupação irregular para depois pedir  reintegração de posse e receber indenização do governo.

Também houve quem ocupasse a terra de terceiros e/ou áreas públicas, e falsificasse documentos para atestar a posse da área e vender para outras famílias – o processo conhecido como grilagem.

“As favelas não tinham vagas para crescer. Muitos desses terrenos, mesmo vazios, eram seguros para a especulação. A partir da década de 1980, aumentou muito a pressão por construir moradia [em toda a cidade]”, afirma.

Um dos fatores que aumentaram essa pressão foi o crescimento da população com a vinda de migrantes do Nordeste do país, muitos em busca de trabalho na própria construção civil.

Dados obtidos pelo Mural via Lei de Acesso à Informação indicam que 57% das favelas nasceram nos anos 1970 e 1980.

“Essa cidade é perversa nesse sentido estruturante de expulsar os pobres das áreas centrais para as periferias”, afirma.

“A periferia não é produto da natureza, não é produto do acaso, ela é projeto sócio-político dessa elite predatória que a gente tem nessa cidade.”

Endereço de trabalhadores

O Jardim São Remo está localizado ao lado do campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP), no distrito do Rio Pequeno, e representa uma característica de várias favelas da capital, formada por conta da chegada de pessoas que trabalham em grandes obras. 

“Aqui foi uma favela formada por trabalhadores da USP, tudo aqui foi ocupação”, conta Mano Lyee, rapper, escritor e ativista social. Segundo a Prefeitura de São Paulo, a comunidade surgiu na década de 1960 e possui mais de 13 mil habitantes, segundo dados da ONG “Agente – Valorizando Gente”

 

Mano Lyee, na favela do Jardim São Remo, aponta falta de serviços na comunidade. Foto: Léu Britto/Agência Mural

Mesmo ao lado de uma das maiores universidades da América Latina, as políticas públicas direcionadas ao bairro nunca foram eficazes para resolver os problemas da população.

Segundo Lyee, o Jardim São Remo só foi receber uma Unidade Básica de Saúde em 2015, mesmo reivindicada há décadas. “Os moradores tinham que sair daqui para fazer consultas e exames, e dificilmente seriam atendidos no hospital da USP sem agendamento”, diz ele.

Santos e santas

São Paulo carrega o nome de um dos apóstolos mais influentes da Bíblia. Além disso, a cidade foi fundada oficialmente por jesuítas portugueses, apesar dos povos indígenas que já habitavam a região. Enquanto os religiosos desejavam catequizar os povos originários, a cidade também recebeu parte da diáspora africana ao longo dos séculos de colonização.

Esse caldeirão de diferentes realidades, classes sociais, religiosidades e costumes estão presentes nos nomes que batizam várias regiões de periferia da cidade. A religião não passou longe também do batismo das favelas.

O nome religioso mais presente nas periferias é o de Santa Terezinha, com sete comunidades, empatada com Nossa Senhora Aparecida, tida como padroeira do Brasil. Quanto aos santos masculinos, São José é o mais presente.

Entre os distritos do Capão Redondo e do Jardim Ângela, zona sul da capital, está a Chácara Santa Maria, uma chamada desses nomes mais comuns, possuindo tanto a característica rural (chácara), quanto religiosa (santa) e de nome de pessoa (Maria).

O bairro fica no extremo sul da capital paulista, no limite entre São Paulo e Itapecerica da Serra, com pouco mais de 5,4 mil moradores.

“Quando cheguei com meus pais era uma área muito verde, sem asfalto. Não nego que hoje melhorou muito, temos água encanada e não mais poço. Temos asfalto, ônibus, comércio, posto de saúde”, afirma Carlos Henrique Silva do Nascimento, 50 anos, que mora há 37 no local.

Ele conta ainda que a região precisa de melhorias, especialmente em questões ambientais, perto da nascente de um córrego que passa pelo distrito. “Temos várias casas nas encostas e é comum acontecerem acidentes nas épocas das chuvas”, explica.

Faltam flores no Parque das Flores

Há dois Parques das Flores na cidade, um na zona oeste e outro na zona leste. José Henrique Soares de Jesus, 57 anos, mora no segundo.

“Quando a ocupação do bairro começou aqui era uma área cheia de natureza, era uma fazenda, e tinha muitas árvores floridas”, contou ele, que também preside a ONG da Área Social do Parque das Flores.

Ele lembra que a maior preocupação dos primeiros moradores era com golpistas e atravessadores que vendiam terrenos na região a altos custos para famílias desesperadas por um teto. A pauta da moradia ainda é uma das principais ali.

“Hoje agradeço a Deus, porque está tudo sendo regularizado através da nossa luta”, diz Jesus.

Crianças jogam futebol em campo de terra no Jardim São Remo. Foto: Léu Britto/Agência Mural

Apesar dos avanços, moradores em geral ainda alertam para necessidade de obras para manutenção de córregos que em épocas de grandes chuvas afetam toda a região, trazendo risco aos moradores.

Henrique também lamenta o processo de desmatamento das flores e árvores originais.

“Hoje, na realidade, não temos mais flores. Tudo que tinha se acabou”.

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