Se você nunca ouviu falar do Hericium erinaceus, talvez o reconheça pelo nome mais chamativo: Juba de Leão (tradução direta do inglês “Lion’s mane”). O apelido vem da aparência peculiar do fungo, que parece um chumaço de pelos pendurados. Mas o que recentemente tem chamado a atenção de cientistas sobre ele é o seu suposto potencial para melhorar a saúde do cérebro, especialmente em áreas como cognição, memória e estresse.
Um estudo publicado na revista científica Nutrients em 2023 traz evidências clínicas robustas sobre seus efeitos em jovens adultos saudáveis. Ou seja: sim, há motivos para se olhar para esse cogumelo com mais respeito – e curiosidade.
O Juba de Leão já tem longa história na medicina tradicional asiática, especialmente na China e no Japão. É de lá também que vêm as pesquisas mais conhecidas sobre o tema.
Nas últimas décadas, pesquisadores identificaram compostos bioativos poderosos em sua composição, como as hericenonas e erinacinas — capazes de atravessar a barreira hematoencefálica e estimular a produção de neutrofinas como o NGF (Fator de Crescimento Nervoso) e o BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro), proteínas essenciais para o crescimento e a manutenção de neurônios.
Estudos com animais e culturas celulares já mostraram que esses compostos têm potenciais efeitos neuroprotetores, anti-inflamatórios e de melhora de humor e cognição em idosos com queixas cognitivas. Mas ainda faltavam dados clínicos para entender seus efeitos em pessoas saudáveis.
Foi justamente essa lacuna que o novo estudo publicado na Nutrients buscou preencher.
Achados relevantes
A pesquisa, conduzida por cientistas da Inglaterra, avaliou os efeitos do cogumelo em 43 voluntários saudáveis com idades entre 18 e 45 anos. Os participantes foram divididos aleatoriamente para receber cápsulas com 600 mg de cogumelo 3 vezes ao dia ou placebo. O estudo foi duplo-cego, ou seja, nem os participantes nem os pesquisadores sabiam quem estava tomando o cogumelo ou o placebo, que é o padrão ouro em pesquisas clínicas.
Os testes foram feitos em dois momentos: logo após a primeira dose (efeito agudo) e depois de 28 dias de uso contínuo (efeito crônico). O objetivo era avaliar possíveis mudanças na cognição, no humor e no estresse percebido ao tomar e após 1 mês de tratamento.
Os resultados trouxeram achados relevantes. Apenas uma hora após a primeira dose, os participantes já apresentaram melhora significativa na velocidade de processamento cognitivo (medida pelo famoso teste Stroop) comparado ao grupo placebo.
Já após 28 dias de uso contínuo, o grupo tratado com o cogumelo apresentou uma redução considerável nos níveis de estresse percebidos. Essa diferença foi significativa em relação ao grupo placebo, e também quando comparada ao próprio grupo antes da intervenção.
Melhora cognitiva e redução de estresse
Esses resultados indicam que o Juba de Leão pode ter dois efeitos distintos: um impacto rápido na velocidade de resposta cognitiva e, com uso contínuo, também um efeito modulador do estresse. Esses dados se alinham com um outro estudo recente mostrando um potencial preventivo contra demência moderada, mesmo utilizando uma dose ainda menor de 350 mg por cápsula (3 vezes ao dia) e com acompanhamento dos pacientes pelo período de 1 ano.
Os efeitos do cogumelo são complexos e ainda pouco conhecidos, mas muito promissores. Combinando os achados destes dois artigos, fica também bastante claro que o cogumelo Juba de Leão é seguro para uso diário mesmo na faixa de 1 a 2 gramas de consumo diário, sem efeitos adversos relevantes.
Sobre o mecanismo de ação do Juba de Leão, os pesquisadores acreditam que os efeitos observados estejam relacionados à ação neurotrófica dos compostos do cogumelo, que aumentam a expressão de NGF e BDNF — dois fatores essenciais para plasticidade sináptica, aprendizagem e regulação emocional. Além disso, há evidências pré-clínicas de que esses compostos modulam neurotransmissores como dopamina, serotonina e noradrenalina, o que pode explicar o efeito no estresse.
Outros estudos indicam também um potencial efeito anti-inflamatório, com redução de marcadores como IL-6 e TNF-alfa, frequentemente associados a distúrbios de humor.
É importante lembrar que os voluntários do estudo da Nutrients eram jovens saudáveis, ou seja, pessoas que provavelmente já estavam no auge da performance cognitiva. Isso significa que qualquer melhora observada tende a ser sutil.
Em populações mais vulneráveis, como idosos ou pessoas com quadros depressivos, os efeitos do Juba de Leão podem ser ainda mais marcantes, como já sugerido em estudos anteriores. Mesmo assim, este foi o primeiro estudo a demonstrar um benefício agudo em tempo de resposta cognitiva em indivíduos sem comprometimento neurológico, o que apoia a ideia de se usar o fungo como um nootrópico, isto é, um “aumentador” de performance cognitiva.
Na prática, os dados sugerem que ele pode, sim, funcionar como um adjuvante seguro e promissor para melhorar foco e bem-estar, como sugerido por algumas empresas do ramo que o comercializam como suplemento. Por enquanto, o que temos é um cogumelo com um histórico milenar e uma biologia fascinante, agora respaldado por dados clínicos iniciais em humanos.
Não é todo dia que a ciência moderna valida uma tradição antiga com tanto potencial terapêutico. O futuro desta abordagem parece ser promissor… Talvez o Juba de Leão esteja apenas recomeçando a rugir.