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Justiça climática: como reduzir o impacto sobre os que sofrem com as mudanças ambientais e responsabilizar quem contribui para causá-las

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Justiça climática: como reduzir o impacto sobre os que sofrem com as mudanças ambientais e responsabilizar quem contribui para causá-las

A Justiça alemã rejeitou, nesta quarta-feira, dia 28 de maio de 2025, o pleito do fazendeiro peruano Saúl Luciano Lliuya, que processou a gigante europeia de energia RWE por danos causados pela empresa ao clima local de sua comunidade, encravada na Cordilheira dos Andes. O pedido de indenização de 17 mil euros, feito numa ação inédita e histórica que se arrastou por dez anos, não seguirá mais adiante: o tribunal deu ganho de causa à RWE – há décadas conhecida como a maior emissora de gases do efeito estufa na Europa e dona de um faturamento anual de 50 bilhões de euros -, sem direito a apelação. Mas, mesmo derrotado, o caso do fazendeiro peruano já é emblemático e retrata como questões relacionadas à justiça climática e à responsabilização de países e empresas por danos causados a populações desfavorecidas tornam-se cada vez mais relevantes no mundo. O artigo abaixo trata justamente deste tema:


A comunidade global enfrenta com as mudanças climáticas um de seus maiores desafios. Descarbonizar as economias rumo à neutralidade de carbono até a metade deste século – em outras palavras, fazer com que as remoções se igualem às emissões de gases de efeito estufa – é talvez o mais famoso objetivo assumido pelos países no Acordo de Paris, firmado em 2015.

No entanto, esse objetivo global, relativamente novo, vem se somar a velhos desafios, nunca satisfeitos, como a redução da pobreza e da desigualdade entre povos e nações. Aliás, as mudanças climáticas se amalgamam a esses outros desafios tornando-os mais complexos. Além de atingir a neutralidade climática, é necessário promover uma rápida adaptação aos efeitos que o aquecimento global já trouxe e que aumentarão, além de responder a desastres cada vez mais frequentes.

Quem causou e continua agravando as mudanças climáticas? Quem mais sofre com elas? Essas são questões que vêm à tona ao se debater quais as respostas que devem ser dadas ao problema e como elas poderiam ser justas.


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O conceito de justiça climática

O termo justiça climática refere-se ao desigual e desproporcional impacto do aquecimento global sobre grupos populacionais mais vulneráveis, como os pobres e marginalizados, bem como aos efeitos das respostas dadas ao problema – que muitas vezes podem também agravar injustiças.

Isso porque grupos e pessoas vulneráveis tendem a residir em áreas mais sujeitas a desastres, têm menos recursos para adquirir alimentos mais caros, ou mesmo para se proteger de forma eficiente de ondas de calor, epidemias etc.

Já as respostas às mudanças climáticas, como a redução de atividades econômicas poluentes ou medidas para recuperação florestal, se não forem bem planejadas, podem também agravar injustiças. Como por exemplo o fechamento de postos de trabalho e restrições aos usos da terra por populações que dela sobrevivem.

Se considerados critérios de raça e de minorias marginalizadas, percebe-se também que pessoas negras, imigrantes e refugiados tendem a ser mais fortemente atingidos. Daí falar-se cada vez mais em racismo climático.

Então, pensar na justiça climática permite vários recortes, em diferentes relações: entre países, entre grupos sociais, entre gerações – na medida em que os jovens e crianças de hoje e do futuro terão uma vida de pior qualidade devido às escolhas das gerações anteriores -, e também entre as espécies. Neste último caso, porque as ações promovidas pela espécie humana geram efeitos significativos nas condições de sobrevivência das demais.

O direito, por meio das normas e de decisões de cortes judiciais, busca dar resposta a demandas por justiça climática nessas diferentes relações. A justiça constitui um fundamento importante para a disciplina jurídica que se estabelece, e que deve orientar o sentido da aplicação das normas.

As origens da justiça climática

O texto legal que primeiro estabeleceu um regramento internacional sobre o tema foi a Convenção quadro sobre Mudança do Clima, em 1992, que tem como um de seus princípios basilares aquele das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades”. Ele orienta que os países que mais contribuíram para o problema – os industrializados – devem assumir a liderança do processo de redução de emissões. O Acordo de Paris, em 2015, relativizou esse tratamento diferenciado devido ao cenário de aumento das emissões de gases de efeito estufa pelos países emergentes.

Outra questão que diz respeito à relação entre países é o financiamento à adaptação e às perdas e danos nos territórios dos países em desenvolvimento. Desde que o regime internacional sobre mudanças climáticas foi criado, em 1992, foram estabelecidos vários fundos financeiros internacionais. Espera-se dos países desenvolvidos um aporte significativo, devido ao fato de terem sido os causadores das mudanças climáticas que impactam seus próprios territórios, mas também os de países vulneráveis.


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As regras e difíceis negociações entre países reivindicam que definir quem deve arcar com maiores ônus de reduzir emissões e financiar a adaptação seja objeto de um tratamento justo. Por outro lado, é importante olhar para além da divisão entre Estados nacionais e ver quais grupos e agentes são os emissores e os impactados.

‘Carbon majors’: A responsabilidade das empresas

É importante também trazer aqui a figura dos “carbon majors”, que são as maiores empresas no setor de combustíveis fósseis. Estudo do Climate Accountability Institute mostra que 100 empresas emitiram 52% do total de emissões. E só as 10 maiores empresas no setor, 25%.

Esses estudos se somam a um avanço da ciência que consegue identificar a relação entre o aquecimento global e aumento de impactos específicos (enchentes, ondas de calor, secas, ciclones) e permitem enxergar uma relação mais clara entre a ação dessas grandes emissoras e os impactos. É o que vem sendo chamado de ciência da atribuição.

A partir daí, torna-se possível a responsabilização desses agentes por danos relacionados às mudanças climáticas. No direito, para que alguém seja responsabilizado por um dano, é preciso que haja um “nexo de causalidade” entre sua conduta e o dano em questão. Os estudos da ciência da atribuição permitem apontar esse nexo. No entanto, esse processo exige a construção e a consolidação de argumentos presentes em decisões judiciais, o que leva tempo.

Alguns casos emblemáticos são ilustrativos desse movimento crescente de responsabilização das empresas. O caso Millieudefensie contra Shell é um deles. A justiça holandesa determinou que o grupo Shell tem o dever jurídico de reduzir as emissões de suas operações e as de uso final de seus combustíveis.

Outro caso interessante é o do fazendeiro peruano Saúl Luciano Lliuya, que processou a gigante alemã de energia RWE para que se ela reembolse 0,47% dos custos que ele e as autoridades da cidade de Huaraz, nos Andres peruanos, tiveram que bancar para proteger a comunidade contra inundações no lago Palcacocha, que banha a cidade.

Ativista carrega cartazes na porta do tribunal em que o caso do fazendeiro andino está em julgamento. Gigante da energia pode ser responsabilizaad por derretimnento de geleira.

Lliuya alega que as inundações seriam decorrentes do derretimento de geleiras causado pelas mudanças climáticas. A porcentagem seria proporcional à contribuição da empresa ao problema e aponta a tendência de uma responsabilização proporcional dos grandes causadores. (N.d.R.: O caso foi rejeitado pela justiça alemã nesta quarta-feira, dia 28 de maio de 2025).

Embora o caso ainda esteja em julgamento, sem um desfecho conclusivo, é significativo que tenha sido aceito pela justiça alemã e esta última tenha determinado a produção de provas sobre a relação entre as emissões e os impactos apontados no caso.

Assim, embora a justiça climática seja uma aspiração difícil de ser plenamente concretizada, o campo do Direito tem o papel de desenvolver normas e obter decisões que possam minorar o impacto das mudanças climáticas sobre quem sofre diretamente com elas. E, quando possível, chamando à responsabilidade os que contribuíram para causá-las.

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