Foi nas ondas do rádio que os debates sobre sustentabilidade e justiça climática dominaram a programação do Festival Nosso Futuro, em Salvador. 

Em um estúdio bem diferente de onde costuma apresentar, em Paris, a jornalista francesa Valérie Nivelon fez uma gravação de rádio diretamente do local dedicado ao fórum, na capital baiana, com a presença do público presente e de convidados.
O programa semanal La Marche du Monde (A Marcha do Mundo, em livre tradução) repercute assuntos contemporâneos, a partir de declarações de personalidades.
Nesta edição, que vai ao ar na França neste sábado (8), a jornalista francesa levantou os desafios que ainda existem na relação entre Brasil, França e países do continente africano.
Ao iniciar a gravação, a voz do filósofo e historiador camaronês Achille Mbembé foi ouvida nas caixas de som do auditório, durante a gravação nesta semana. O pensador chegou a ser convidado para participar pessoalmente do evento, mas não pôde comparecer por questões pessoais.
Conhecido como autor da expressão necropolítica, que trata da relação entre o poder político e a decisão de quem pode viver e quem deve morrer, Mbembé destacou em sua fala gravada a urgência da relação com o que é vivo, como a natureza e, especialmente, com as florestas.
O filósofo defendeu ainda o meio ambiente como espaço para discussões sobre justiça climática e a garantia de proteção para as comunidades mais vulneráveis, como as rurais e quilombolas.
Participaram do debate Karim Bouamrane, prefeito de Saint-Ouen, Ileana Santos, fundadora de Je m’engage pour l’Afrique e Zola Chichmintseva-Kondamamdou, curadora, e Dríade Aguiar, jornalista.
Encontro Brasil – África
![]()
Para a co-fundadora da Mídia Ninja, Dríade Aguiar, única brasileira presente entre os convidados do programa de rádio francês, o debate sobre racismo ambiental no Brasil é fundamental para a defesa dos povos quilombolas.
Segundo ela, estas comunidades ainda têm a participação invisibilizada dentro da agenda ambiental.
“A presença deles não é convocada como deveria. E, no entanto, os territórios quilombolas e as religiões de matriz africana sustentam uma forma de vida que entende que a natureza é sagrada, vital. Na prática, são grandes defensores do meio ambiente e pilares da justiça climática”, diz Dríade.
Para a comunicadora, que seguirá neste fim de semana para a COP30, em Belém, ainda estamos no momento de aprofundar a relação entre Brasil e África, para que haja, de fato, defesa plena de espaços mais justos e sustentáveis.
“As propostas sobre construção destes territórios deveriam caminhar mais nesse sentido: não apenas do Brasil falar sobre África, mas reconhecer de verdade esse encontro, esse espelho, essa continuidade entre nós”, diz.
E embora reconheça avanços do Brasil nas últimas décadas, em relação ao racismo e consciência racial – como a dedicação de uma lei para o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, a jornalista brasileira diz que ainda é urgente que se aprofunde o debate de valorização da cultura herdada dos africanos, especialmente pela novas gerações.
“Tenho ouvido coisas muito interessantes vindas da juventude — tanto de pequenas cidades da França quanto de países africanos. Acho que a juventude entendeu que ela não é mais ‘o futuro’. Ela é o presente. Está agindo agora — seja na crise climática, na pauta da moradia, no direito de pertencer e de ir e vir”, concluiu.
Juventude Conectada
E depois das discussões no rádio, foi na internet que a pauta ambiental ganhou corpo.
No festival marcado pela presença de jovens de, pelo menos, três continentes, um grupo de jovens estudantes brasileiros e franceses se destacou com o crachá de “Repórter”.
Eles fazem parte de uma mobilização que envolve ações governamentais do Brasil e da França para incluir a juventude na divulgação de informações, a partir dos seus próprios territórios.
É o caso da estudante Brenda Batista, de 16 anos, que faz parte da Agência de Notícias Estudantil Voz Ativa, que além de conteúdos educacionais veicula informações sobre serviços à comunidade.
![]()
Salvador (BA), 07/11/2025 – Estudante Brenda Batista participa do Festival Nosso Futuro. – Adrielen Alves/EBC
“É uma oportunidade incrível para aprender várias coisas e levar informações para outras pessoas também”, reflete a estudante.
Brenda, que é da Escola Estadual Clarice Santiago dos Santos, em Salvador, faz parte do grupo com cerca de 20 estudantes de municípios baianos e da cidade francesa de Saint-Oue que tiveram as primeiras experiências de combate à desinformação no Festival Nosso Futuro e agora vão para a prática durante a Conferência do Clima na Amazônia (COP30).
Batizado de MidiaCop, o projeto financiado pela Embaixada da França no Brasil capacita professores e estudantes, é está sendo implementado no país pelo CLEMI – Le Centre Pour L’éducation Aux Médias et à L’information – (Centro para Educação de Mídias e Informações, em livre tradução) – em parceria com o governo brasileiro.
Para Lucas Chevalier, representante do CLEMI, que mediou um debate nesta sexta-feira (7), produzir conteúdo midiático a partir dos territórios dos jovens e dos estudantes é uma potente forma de combater a desinformação.
Declaração que está alinhada à da coordenadora-geral de Comunicação Midiática, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Mariana Filizola.
Ela destacou, durante o evento, que a ideia da parceria entre os dois países é fazer esse intercâmbio entre experiências bem sucedidas de fortalecimento das democracias. “É muito potente quando pessoas com o mesmo objetivo se unem por um propósito”, diz.
Ao ser perguntada sobre a carreira que gostaria de seguir, a estudante baiana foi enfática: “Jornalista, claro!”.
Festival Nosso Futuro
O Festival Nosso Futuro, em Salvador, faz parte das celebrações dos 200 anos de relações diplomáticas entre Brasil e França
![]()
Salvador (BA), 07/11/2025 – Midiacop no Festival Nosso Futuro. Foto: Embaixada da França
Até este sábado (8), capital baiana estará ocupada por eventos culturais, gastronômicos, exposições e oficinas com ativistas, artistas e empreendedores engajados na construção de territórios mais justos e sustentáveis. A maioria, jovens franceses, brasileiros e africanos preocupados com o futuro do planeta, diante das mudanças climáticas.
* A repórter viajou a convite do Instituto Francês





