O espaço sideral é infinito, mas isso não impediu que os seres humanos tentassem impor suas leis a ele. Há mais opções para pessoas viajarem para o espaço do que nunca e, nas próximas décadas, é provável que os EUA e a China enviem seres humanos à Lua novamente.
Ambos os países pretendem estabelecer estações de pesquisa de longo prazo na superfície lunar, um pouco como as que existem atualmente na Antártica. Mas será que podem surgir disputas entre esses dois países – e possivelmente outros, como a Rússia ou a Índia – sobre onde colocar estas bases na superfície lunar? E o mesmo poderia acontecer com relação à reivindicação dos recursos da Lua, como o gelo localizado nas crateras dos polos lunares?
Todos países vão querer extrair esse gelo porque ele pode ser transformado em combustível de foguete para viagens posteriores, e para o suporte à vida em suas bases lunares. De fato, a perspectiva de “guerras pela água no espaço” está mais próxima, em termos de tempo, do que a perspectiva de abastecer com água potável todos no mundo em desenvolvimento.
Mas os argumentos legais sobre os direitos à água espacial e a outros recursos são complexos. Também existem leis para garantir que os países não poluam corpos como a Lua enquanto os estiverem explorando.
Os princípios básicos da lei espacial internacional estão estabelecidos em dez tratados e acordos de “soft law” entre vários países. Por exemplo, o Tratado do Espaço Exterior (1967) diz que o espaço deve ser “livre para exploração e uso por todos os Estados” e “não está sujeito à apropriação nacional por reivindicação de soberania”.
Isso sugere que os países podem estar em terreno instável se tentarem estabelecer bases nacionais na Lua para extrair gelo de água, pois todos os outros países têm o mesmo direito de explorar e usar esse “território”. A estipulação por este tratado de que as nações são livres para “explorar e usar o espaço exterior e os corpos celestes” significa que qualquer pessoa pode extrair recursos lunares e usá-los no espaço.
No entanto, há uma possível contradição com outra parte do tratado, que permite que os países mantenham a jurisdição sobre os objetos que colocam no espaço – o que pode implicar que as bases na Lua permaneceriam sob a jurisdição do país que as colocou lá. Nesse caso, os exploradores de outras nações poderiam ser impedidos de explorar onde isso interferisse na jurisdição dessas bases.
O Acordo da Lua, criado em 1979 e com 17 países participantes, incluindo França, Austrália e Índia, vai um pouco além em relação aos recursos, afirmando que “nem a superfície nem a subsuperfície da Lua, nem qualquer parte dela ou recursos naturais existentes, se tornarão propriedade de qualquer estado”. Entretanto, as principais nações exploradoras do espaço, como os EUA, a Rússia e a China, nunca assinaram esse acordo.
Os EUA elaboraram seu próprio tratado, conhecido como Acordos de Artemis (originalmente assinado em 2020, e que o Brasil aderiu em 2021), que tenta estabelecer regras básicas sobre o uso de recursos lunares, como o gelo. Embora as nações emergentes que exploram o espaço, incluindo a Índia, sejam signatárias, potências espaciais importantes, como a China e a Rússia, não são.
Há também uma diferença entre extrair recursos espaciais, como o gelo lunar, que são necessários para uma maior exploração, e retirar recursos do espaço e trazê-los de volta à Terra apenas porque são financeiramente valiosos. Essa última questão afeta o crescente campo da mineração de asteroides.
Várias empresas, principalmente nos EUA e em Luxemburgo, delinearam planos para viajar até asteroides (as rochas que sobraram da formação do Sistema Solar) e extrair minerais e metais valiosos, que seriam então mandados de volta à Terra. Entretanto, é discutível se a “repatriação” de recursos é permitida pelo Tratado do Espaço Exterior.
Responsabilidade sem fim?
De acordo com o Tratado do Espaço Exterior e a Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais (1972) da ONU, as nações são responsáveis por qualquer destruição causada por seu hardware espacial, e são obrigadas a evitar a contaminação prejudicial do espaço e dos corpos celestes. Isso se aplicará aos países que pretendem extrair recursos da Lua e de outros corpos próximos, como Marte.
Mas o que acontece quando as espaçonaves deixam o Sistema Solar e se dirigem para os confins da nossa vizinhança cósmica? Os Estados ainda podem ser responsabilizados por poluição ou danos tão distantes da Terra?
As sondas Voyager 1 e 2, lançadas pela Nasa em 1977, já deixaram o Sistema Solar, e outras estão em trajetórias que as levarão para fora dele. Nos tratados dos quais fazem parte, como o Tratado do Espaço Exterior e a Convenção de Responsabilidade, os EUA parecem ter concordado em continuar as operações espaciais legais infinitamente no infinito do espaço.
Isso implica que, desde o estágio de projeto, os cientistas devem configurar suas espaçonaves e instrumentos de forma que, mesmo quando não estiverem sob o controle de humanos na Terra, não poluam o espaço sideral.
Por exemplo, algumas espaçonaves usam materiais radioativos como fontes de energia. A disseminação descuidada de materiais radioativos seria uma violação da lei espacial internacional, especialmente quando a presença desses materiais perigosos não é informada aos órgãos da ONU que supervisionam essas questões.
De acordo com o Acordo da Lua, há uma obrigação de notificar a ONU antes de qualquer alocação de materiais radioativos na Lua e de sua finalidade. Mas, no caso de perda de contato com uma espaçonave, os países devem ser obrigados a cumprir suas obrigações de responsabilidade no infinito do espaço?
As operações espaciais estão se expandindo rapidamente para regiões mais profundas do espaço sideral. As sondas Pioneers 10 e 11, lançadas na década de 1970 pela Nasa, estão em trajetórias que as levarão para fora do Sistema Solar – possivelmente nas próximas décadas. A espaçonave New Horizons da Nasa passou por Plutão em 2014 e atualmente está viajando por uma região distante chamada Cinturão de Kuiper.
Uma resposta a essas questões jurídicas é que as leis humanas devem logicamente terminar onde quer que termine nossa capacidade de conceituar e realizar operações espaciais. Há, por exemplo, alguns bons motivos para limitar o direito espacial ao nosso Sistema Solar – porque pode ser impraticável para os Estados exercerem controle sobre as naves quando elas viajarem para mais longe, quer elas possam ou não causar danos ou poluição a corpos celestes mais distantes.