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László Krasznahorkai ganha o Nobel de Literatura de 2025: contos de alienação do romancista húngaro refletem nossos tempos

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László Krasznahorkai ganha o Nobel de Literatura de 2025: contos de alienação do romancista húngaro refletem nossos tempos

Ao conceder o Prêmio Nobel de Literatura de 2025 a László Krasznahorkai, a Academia Sueca elogiou a “obra convincente e visionária do autor que, em meio ao terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”. Mas, em si, sua decisão também é um compromisso com o valor da escrita séria e intelectual em uma época caracterizada pela imediatismo, pelas distrações da cultura digital e pela indústria do entretenimento.

Krasznahorkai alcançou a fama literária pela primeira vez na Hungria, seu país natal, com seu primeiro romance Satantango (1985), uma história sobre uma aldeia miserável e encharcada pela chuva visitada por um homem misterioso. Ele poderia ser um profeta, Satanás ou apenas um vigarista. (N.T.: “Satantango” é também o único livro do autor traduzido e publicado no Brasil, pela editora Companhia das Letras em 2022)

Este livro estabeleceu as coordenadas para a série subsequente de romances ambiciosos que consolidaram o status de Krasznahorkai como um dos grandes escritores contemporâneos globais.

Em The Melancholy of Resistance (A Melancolia da Resistência) (2019) Krasznahorkai apresenta uma figura misteriosa e carismática, o Príncipe, que traz um carnaval rebelde para uma pequena comunidade e a destrói. Baron Wenckheim’s Homecoming (O Regresso do Barão Wenckheim) (2016) conta a história de um aristocrata excêntrico que regressa à Hungria após o exílio na Argentina.

Ele é recebido pelos habitantes da cidade como um grande benfeitor que irá enriquecer a cidade. Mal sabem eles que ele voltou sobrecarregado com uma dívida de jogo incapacitante.

A obra de 2014 Herscht 07769 gira em torno de um padeiro em uma cidade abandonada no leste da Alemanha que é atraído para o mundo de uma empresa de limpeza, que é uma fachada para uma gangue neonazista.

A obra de Krasznahorkai começou a ser mais amplamente lida na década de 2000, após as traduções para o inglês de The Melancholy of Resistance e War and War (Guerra e Guerra) (1999). A fama global veio quando ele recebeu o Prêmio Internacional Booker em 2015 e o Prêmio Nacional do Livro de Literatura Traduzida em 2019 (por Baron Wenckheim’s Homecoming).

Os epítetos que tendem a ser aplicados à sua ficção incluem “desesperançoso”, “obsessivo”, “inquietante” e “intenso”. Ele ficou famoso por ter sido rotulado, em uma sinopse de seu livro The Melancholy of Resistance, pela crítica cultural Susan Sontag, como o “mestre húngaro contemporâneo do apocalipse”.

Mais precisamente, porém, eu diria que há três características distintas na escrita de Krasznahorkai. Há sua habilidade de retratar a desintegração social, muitas vezes acelerada pela influência de indivíduos ou empresas misteriosas sobre uma comunidade.

Depois, há a forma como ele mantém um clima de pavor em sua ficção — um clima que se presta ao medo de viver sob o autoritarismo, sem nunca ser diretamente alegórico. Isso é capturado de forma poderosa na seção de seu livro de 2013 The World Goes On (O Mundo Segue em Frente) intitulada “How Lovely”.

Esta história imagina uma série de palestras em que oradores de todo o mundo se revezam para dar palestras, mas um deles dá três palestras: a primeira por escolha própria, a segunda com relutância, após um convite para voltar, e a terceira porque foi preso na sala de palestras.

A terceira característica distintiva é a inovação e a complexidade de sua escrita. Herscht 07769 contém apenas um único ponto final em 400 páginas. The World Goes On organiza suas 17 histórias em uma sequência de Fibonacci — a sequência matemática em que cada elemento é a soma dos dois elementos que o precedem.

Satantango (transformado em um filme de sete horas por seu colaborador Béla Tarr) tem um capítulo que se concentra em dois personagens que não são identificados por nove páginas. A experiência de ler Krasznahorkai pode ser tão desorientadora e alienante quanto as situações que seus personagens enfrentam.

Mas essa qualidade literária intransigente e a maneira como ela ainda captura o tom de nossos tempos é o que eu amo na obra de Krasznahorkai. A biobibliografia do autor feita pelo comitê do Nobel refere-se, como muitos críticos têm feito, ao fato de ele pertencer à grande “tradição da Europa Central que se estende de Kafka a Thomas Bernhard”.

A escrita de Krasznahorkai é fundamentalmente modernista, confrontando-nos com um mundo sem sentido, mas ainda assim afirmando sua fé na beleza e na arte. A própria escrita é prova dessa fé, pois mostra que é possível pensar profundamente sobre o que importa e articular isso.

Apropriadamente para um escritor famoso por suas frases, a referência do comitê do Nobel à capacidade de Krasznahorkai de reafirmar o poder da arte “em meio ao terror apocalíptico” é uma frase intrigante e engenhosa.

A ficção de Krasznahorkai não retrata realmente o terror, mas se especializa na apreensão do colapso futuro. Isso sugere que o “terror apocalíptico” não está dentro de sua ficção, mas é o contexto mais amplo para ela — e para a própria literatura contemporânea. Krasznahorkai demonstra que a arte pode combater isso.

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