A produção mundial de plástico segue em uma trajetória alarmante. Estimativas indicam que, sem medidas drásticas, o volume fabricado até 2060 tende a triplicar, agravando a crise ambiental e sanitária em escala planetária.
Essa ameaça motivou a criação, em 2022, de um processo multilateral na Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, com a meta de aprovar um tratado vinculante que limitasse a poluição.
Três anos depois, entre 5 e 14 de agosto de 2025, em Genebra, a sexta rodada de negociações terminou em fracasso, evidenciando o peso de interesses econômicos e estratégicos sobre a diplomacia ambiental.
Arábia Saudita e Estados Unidos insistem em limitar o acordo para gerenciamento de resíduos
Desde o início das conversas, mais de cem países, incluindo vários da União Europeia e da América Latina, defenderam restrições severas à produção de polímeros virgens, substância essencial para fabricar plásticos. O bloco contrário, liderado por Arábia Saudita e Estados Unidos, insiste em limitar o acordo ao gerenciamento de resíduos, sem tocar na etapa inicial da cadeia industrial.
Essa divisão bloqueia qualquer avanço real. Questões como os efeitos sobre a saúde, ligados aos 16 mil aditivos presentes nesses materiais — dos quais 4.200 são comprovadamente tóxicos, como PFAS e ftalatos — também geram tensões. Para os países petrogasíferos, incluir tais temas equivaleria a restringir setores altamente lucrativos, algo que rejeitam abertamente.
A conferência em Genebra ficou marcada pela forte presença de lobistas. Segundo levantamento do Centro para o Direito Internacional do Meio Ambiente, havia 234 representantes de empresas petroquímicas inscritos, número superior ao total das delegações dos 27 países da União Europeia somados à própria instituição comunitária.
Grupos como ExxonMobil e Dow enviaram equipes numerosas, enquanto algumas nações, entre elas Egito e Irã, integraram diretamente esses consultores às suas delegações oficiais.
O resultado foi um desequilíbrio evidente entre a ciência independente, representada por uma coalizão de sessenta pesquisadores, e os interesses corporativos que dominavam os corredores da negociação.
A cada minuto, um caminhão de lixo plástico chega aos oceanos
Os impactos ambientais da poluição plástica são inquestionáveis. Mais de seis bilhões de toneladas de resíduos estão dispersos no planeta, com menos de 10% reciclados. A cada minuto, o equivalente a um caminhão carregado com lixo plástico chega aos oceanos. Micro e nanopartículas estão presentes em alimentos, na atmosfera e até no corpo humano.
A revista médica britânica The Lancet lançou recentemente um programa de monitoramento dedicado a acompanhar os efeitos dessa crise sobre a saúde global. Estudos indicam custos superiores a 1,5 trilhão de dólares por ano, além de doenças que afetam desde crianças até idosos.
No cenário brasileiro, esse impasse internacional ganha contornos ainda mais complexos. O país ocupa uma posição singular: é uma potência ambiental, com ecossistemas vitais como Amazônia, Pantanal e Cerrado, ao mesmo tempo em que integra a lista dos maiores produtores de petróleo e derivados da América Latina.
O setor petroquímico nacional está diretamente ligado à geração de empregos e ao superávit da balança comercial. Essa dualidade coloca o Brasil diante de um dilema estratégico: liderar uma agenda global ambiciosa para limitar a produção de plásticos ou alinhar-se ao grupo que prioriza ganhos econômicos imediatos.
Disputas entre os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia
O Brasil tem sido pressionado em fóruns como o G20 e a ONU a se posicionar de forma clara. Em Genebra, a delegação brasileira oscilou entre apoiar medidas de controle mais rígidas e defender a competitividade da indústria local, refletindo disputas internas entre os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia.
Governadores de estados costeiros e da Amazônia alertam para os riscos da poluição crescente. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 1,28% dos resíduos plásticos gerados no país passam por reciclagem efetiva, evidenciando a fragilidade do sistema nacional de gestão de resíduos. Essa realidade pressiona municípios e ameaça setores como turismo e pesca, especialmente no Nordeste e na região amazônica.
A dimensão geopolítica também influencia a diplomacia brasileira. A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos fortaleceu o bloco que rejeita limitar a produção, aumentando a dificuldade de alianças ambientais no hemisfério.
Em contrapartida, a União Europeia tem buscado estreitar laços com Brasília, oferecendo parcerias em tecnologia verde e financiamento para políticas de economia circular. Essa disputa coloca o Brasil em posição estratégica: sua decisão pode redefinir o equilíbrio entre os grupos que competem nas negociações.
Internamente, movimentos sociais, universidades e ONGs têm intensificado campanhas para que o governo assuma liderança ambiental, argumentando que a poluição plástica compromete a saúde pública e a soberania alimentar. Comunidades ribeirinhas já relatam aumento de microplásticos em peixes e água potável. Estudos relacionam esse tipo de contaminação ao crescimento de casos de distúrbios endócrinos e problemas reprodutivos.
Essa pressão popular coincide com a necessidade de proteger a imagem internacional do país, que foi construída historicamente em torno do discurso de sustentabilidade.
Apesar do impasse global, um sinal de esperança surgiu em junho de 2025, na Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, realizada em Nice. Ali, 190 países, incluindo o Brasil, aprovaram o Tratado de Alta Mar (Tratado de Biodiversidade mais além da Jurisdição Nacional), que entrará em vigor em janeiro de 2026.
O instrumento permitirá, inicialmente, proteger 30% dos mares até 2030, criando zonas marinhas livres de poluição e pesca predatória. Depois de esta data, as ampliações dos espaços protegidos dependerão de novas negociações.
Embora não trate diretamente da produção industrial, esse acordo representa um passo concreto para salvaguardar ecossistemas vitais, inclusive a costa brasileira.
Nos próximos meses, o Brasil precisará definir sua estratégia.Escolher entre consolidar uma liderança ambiental ou priorizar os interesses imediatos da indústria petroquímica terá impacto profundo na saúde da população, na biodiversidade e na posição do país no cenário internacional.
Enquanto a diplomacia global permanece paralisada, praias, rios e florestas continuam acumulando plástico, lembrando que a inação tem um custo cada vez mais visível.