A obra Brasil: Nunca Mais, lançada originalmente em 1985, chega aos 40 anos com o lançamento da 43ª edição, em evento no Memorial da Resistência, museu que tem exposição sobre a obra..
Publicada pela Editora Vozes e organizado por Dom Paulo Evaristo Arns, Hélio Bicudo e Jaime Wright, a foi feita clandestinamente em 6 anos de pesquisa, entre 1979 e 1985, período final da ditadura militar no Brasil, com cerca de uma dezena de pessoas esmiuçando mais de 700 processos do Supremo Tribunal Militar.
Nos processos, vítimas e testemunhas relataram torturas e outras violações de direitos humanos, tornando a obra um símbolo da resistência, da preservação da memória e do compromisso com a verdade.
Os relatórios e o livro que resultaram da pesquisa escancararam a repressão do regime militar. Além do registro, a obra trouxe, e ainda traz, a importância de não se esquecer do papel que o estado deve exercer, e de como todos perdem quando esse papel é ignorado ou alterado.
“Como escreveu Dom Paulo Evaristo Arns no prefácio, Brasil: Nunca Mais é um livro para sempre. Sua relevância é atemporal, mas entendemos que era necessário um novo projeto gráfico, alinhado com o padrão das publicações atuais da editora. Ao mesmo tempo, no contexto social e político que vivemos, percebemos que muitos jovens desconhecem o que foi o período da ditadura militar no Brasil. Assim, a republicação desta obra torna-se um ato de resistência e de compromisso com a memória, a democracia e a participação social”, contou à Agência Brasil Teobaldo Heidemann, Coordenador Nacional de Vendas da Editora Vozes.
Coube a Arns e a outros membros da arquidiocese de São Paulo uma colaboração logística intensa. Atuaram com cientistas sociais, advogados e jornalistas para sistematizar os documentos. O trabalho teve de ser feito sob sigilo, inclusive com cópias da documentação levadas ao exterior para evitar a perseguição de agentes do governo.
Foram mais de 700 mil páginas de processos, copiadas após acesso legal, mas nem por isto livre de riscos. As primeiras edições, publicadas logo após a abertura do regime, ficaram 92 semanas entre as obras mais vendidas do país.
O projeto Testemunhos, nome original da iniciativa, fez parte dos esforços por responsabilização e justiça dos regimes de exceção latino-americanos. Um dos participantes, o jornalista e ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, conta que a mudança do nome veio após o lançamento de Nunca más, o relatório argentino da Comissão Nacional de Desaparecidos portenha, construído sob a liderança do escritor Ernesto Sábato, para Vannuchi, outra obra histórica que representa a denúncia.
Paulo Vannuchi conta a origem do nome do projeto. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil – Paulo Pinto/Agência Brasil
“40 anos depois, ele permanece tremendamente atual porque também o tema ainda não foi suficientemente equacionado. O tema foi parcialmente equacionado por inúmeras ações e a mais importante de todas historicamente foi o trabalho durante dois anos e meio da Comissão Nacional da Verdade”, comenta Vannuchi.
O ex-ministro defende que para evitar a repetição de períodos de exceção cabe a abordagem contínua e sistemática dos direitos humanos na educação, desde o ensino básico.
“Mas é preciso iniciar já, essa discussão nas escolas militares, para que não tenhamos mais generais golpistas, e sim Forças Armadas comprometidas com a constituição de 1988, para que em dez anos tenhamos oficiais que não estejam mais envenenados com essa teoria vinda da Guerra Fria”.
O evento, na tarde deste sábado, é o primeiro lançamento público da obra, e também marca o lançamento de um podcast sobre a memória do projeto, liderado pelo jornalista Camilo Vannuchi.
Vertigem visionária
Exibida desde setembro de 2024, a exposição Uma Vertigem Visionária – Brasil: Nunca Mais, com curadoria do pesquisador e professor Diego Matos, se dedica a contar e valorizar a memória do período da ditadura militar no país.
Exposição Uma Vertigem Visionária, no Memorial da Resistência – Paulo Pinto/Agência Brasil
“A narrativa que foi construída, ela parte na verdade do discurso oral, da fala oral, digamos assim, dos personagens que fizeram esse projeto. Esse projeto não só tem uma importância histórica, mas ele é um exemplo para o presente e para gerações futuras. E você dá voz a esses personagens, você consegue recontar a ideia de aventura do que foi o Brasil Nunca Mais. Eu entendo isso como a aventura, uma ação de resistência feita por jovens, particularmente todos eles jovens, atuando contra um estado de exceção, um governo antidemocrático e terrorista, que era o governo militar. E com isso, denunciando a ideia de violência. E também de não respeito aos direitos humanos e o uso da tortura como a ferramenta mais perversa nesse sentido. Então é isso, retomar esses personagens, acessar os documentos originais e recontar essa história. Porque as pessoas conhecem o livro, o livro é o objeto, é a imagem, é o elemento de referência, mas por trás dele tem muito mais coisa a ser descoberta e saída, digamos, de uma condição de esconderijo, excusa ou considerada atividade subversiva, como foi considerado pelos militares”, explicou Diego Matos, curador da exposição.
Para o ele, foi particularmente trabalhoso traduzir o relatório, rico em conteúdo mas pouco visual. As fotografias documentais que estão na exposição, de acordo com Matos, criam uma paisagem visual, enquanto ativam também outras possibilidades cognitivas do público, de entendimento de um período, de um momento que não se viveu.
“A arte, ela transcende o lugar factual, a arte, ela transcende o lugar literal das coisas, ela gera e constrói outros entendimentos a partir de um contexto pelo qual ela foi profundamente afetada”, complementa.
A edição comemorativa, com novo projeto gráfico e capa dura, será vendida pela Vozes pelo mesmo preço da edição anterior: R$ 135,00. Estará disponível em livrarias físicas e virtuais, inclusive como e-book. Além do relançamento, os documentos e processos estão disponíveis no site Brasil Nunca Mais Digital, mantido pelo Ministério Público Federal, junto com acervo de dados, com acesso livre.