Pais e mães em todo o mundo começaram o difícil trabalho de negociar as listas de presentes de Natal de seus filhos. Mas comprar os presentes certos para as crianças pode se tornar um campo minado, com uma lista cada vez maior de opções e fatores a serem levados em consideração. Em meio a isso, a questão do marketing de gênero ganha destaque.
O marketing de gênero se refere à divisão dos produtos do mercado em categorias restritivas de gênero. Isso acontece quando publicitários empregam os “quatro Ps do marketing” (products, price, place, promotion no original em inglês, “produtos, preço, local, promoção” em português), mas com ênfase nas diferenças de gênero.
Embora o marketing de gênero alcance a todos nós, ele é especialmente pronunciado nos mercados infantis – e pode ajudar a consolidar desigualdades de gênero desde tenra idade.
As opiniões sobre esse tipo de marketing estão mudando rapidamente, com os consumidores buscando cada vez mais produtos inclusivos em termos de gênero. E com razão, pois o marketing de gênero tem demonstrado influenciar os interesses das crianças e potencialmente limitar suas aspirações de vida e carreira.
Caixa de brinquedos rosa e azul
Os brinquedos são cruciais para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças. Eles ajudam as crianças a expressar suas emoções e imaginar mundos além do seu.
Mas as narrativas de gênero incorporadas aos brinquedos podem incutir certas crenças e comportamentos desde tenra idade. De ursinhos de pelúcia a bicicletas, o código de cores é usado para sugerir que certos brinquedos são “para meninos”, enquanto outros são “para meninas”.
Tomemos as bonecas como exemplo. A Barbie, com seu cabelo brilhante e corpo magro e escultural, é alvo de críticas há muito tempo por estabelecer ideais de beleza irreais para as meninas. As bonecas também incentivam brincadeiras que enfatizam os cuidados pessoais e com a família, o que, por sua vez, concentra a atenção das meninas em sua aparência e capacidade de cuidar.
Isso tem se mostrado um fator limitante para as aspirações profissionais das meninas. Em um experimento, 37 meninas de 4 a 7 anos brincaram com uma Barbie ou com a Sra. Cabeça de Batata por cinco minutos e, em seguida, foram questionadas sobre as carreiras que achavam que poderiam seguir no futuro. As meninas — especialmente aquelas que brincaram com a Barbie — disseram que poderiam seguir menos profissões do que os meninos, especialmente quando se tratava de carreiras dominadas por homens.
Em contrapartida, os bonecos de ação são comercializados como distintos das bonecas e “adequados ao gênero” para meninos. Seus corpos desproporcionais em forma de V retratam portes físicos grandes e musculosos como norma para os homens. E eles são frequentemente combinados com acessórios como armas e espadas, sutilmente enquadrando a aventura e a violência como atributos masculinos, que os jovens meninos podem tentar imitar.
Mesmo brinquedos aparentemente “neutros”, como o Lego, caíram na armadilha do rosa e do azul. O mundo azulado do Lego City incentiva a aventura e o heroísmo por meio de papéis como policiais e bombeiros. Por outro lado, o mundo rosado do Heartlake City é todo voltado para comida, lazer e diversão.
Esses exemplos refletem uma “rosificação” mais ampla dos brinquedos STEM (sigla em inglês para “Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática”), em que bonecas da moda e equipamentos de laboratório de plástico rosa são apresentados como “ciência para meninas”.
Estudiosos do feminismo e outros críticos há muito têm defendido que meninas e meninos explorem livremente sua identidade, sem expectativas de gênero — e os brinquedos fazem parte disso.
Essas preocupações se uniram em grupos que defendem brinquedos neutros em termos de gênero, como Let Toys Be Toys, Pink Stinks e Play Unlimited.
“Desgenerizando” o mercado de brinquedos
Nossa pesquisa recente destaca como o marketing é um poderoso agente de socialização de gênero e explora como as empresas de brinquedos podem adotar a “desgenerização”.
No nível mais básico, isso poderia significar projetar brinquedos neutros em termos de gênero que funcionem para todas as crianças.
Outro fator a ser levado em consideração é a precificação neutra em termos de gênero: definir preços justos, em vez de perpetuar o “imposto rosa” (pink tax, no original em inglês).
Os profissionais de marketing também devem representar interesses diversos e inclusivos nas propagandas, mostrando meninos e meninas brincando com todos tipos de brinquedos.
Em 2023, a campanha “orgulhosamente feita para jovens” da Hasbro retratou meninos e meninas brincando juntos com armas Nerf – um brinquedo historicamente comercializado para meninos. O anúncio foi amplamente elogiado e estabeleceu um precedente de como o mercado de brinquedos poderia ir além das rígidas restrições de gênero.
Em 2021, a Lego se comprometeu a remover o preconceito de gênero de seus brinquedos, deixando de rotular qualquer um de seus produtos como “para meninas” ou “para meninos”, bem como proibindo pesquisas de produtos com base no gênero em seu site.
Até hoje, no entanto, a Lego não delineou nenhuma mudança específica feita em seus produtos para remover preconceitos de gênero. Além disso, a atual página inicial da Lego Austrália ainda direciona os consumidores para “Brinquedos legais para meninos”, e aponta “Fantasia”, “Animais e natureza” e “Contador de histórias” como brinquedos para meninas.
Para os pais em casa
Adultos conscientes e cautelosos em relação a brinquedos e marketing baseados em gênero também têm um papel a desempenhar. Os pais, por exemplo, podem conversar aberta e honestamente com seus filhos para ajudá-los a decodificar mensagens baseadas em gênero nos brinquedos.
E quando se trata de compras de Natal, pode valer a pena ignorar as listas de brinquedos “premiados” e optar por marcas mais locais e artesanais, que tendem a ser melhores fontes de brinquedos neutros em termos de gênero.
Também é importante ficar atento às mensagens falsas de empoderamento feminino na “femvertising”. Colocar kits de ciências cor-de-rosa debaixo da árvore de Natal não vai contribuir para empoderar as meninas.
Crianças são curiosas, imaginativas e de espírito livre – e os brinquedos com que brincam devem refletir isso.





