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Luta contra a AIDS passa por dificuldades globais, mas experiência brasileira pode ser exemplo

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Luta contra a AIDS passa por dificuldades globais, mas experiência brasileira pode ser exemplo

Neste Dia Mundial de Luta contra a AIDS, comemorado em 1º de dezembro de 2025, organismos internacionais como a UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS) têm chamado atenção para as consequências da redução e interrupção de ajuda humanitária para a prevenção e o tratamento do HIV/AIDS. Desde que Donald Trump assumiu o poder em janeiro de 2025, grande parte dos fundos dedicados ao combate ao HIV/AIDS foi suspensa, assim como a USAID, a agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional responsável pela maior parte do financiamento humanitário, foi fechada.

Em seu último relatório, intitulado Overcoming disruption, transforming the AIDS response (tradução livre “Superando a Crise, Transformando a Resposta à AIDS”), a UNAIDS detalhou o impacto da decisão americana na luta contra o HIV/AIDS. Os serviços de prevenção foram os mais afetados pela crise, com grandes cortes no acesso a ferramentas essenciais como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a circuncisão masculina voluntária, abrindo uma grave lacuna de proteção.

Segundo o relatório, o desmantelamento de programas voltados a jovens mulheres privou-as de serviços de prevenção e saúde mental, o que produziu dados alarmantes: em 2024, foram registradas 570 novas infecções diárias entre meninas e mulheres de 15 a 24 anos. Organizações comunitárias, que são cruciais para alcançar populações-chave (como homossexuais, pessoas trans e profissionais do sexo) entraram em colapso, com a interrupção de atividades essenciais em cerca de 60% das organizações lideradas por mulheres. A falha atual pode resultar em 3,3 milhões de infeções adicionais de HIV até 2030 caso as metas globais não sejam cumpridas.

Além disso, a crise de financiamento se desenrola em um contexto de ataques aos direitos humanos, principalmente de populações marginalizadas. O relatório afirma que, pela primeira vez desde 2008, quando a UNAIDS iniciou o monitoramento de leis punitivas, o ano de 2025 registrou um aumento no número de países que criminalizam a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo e a expressão de gênero. Restrições impostas à sociedade civil, sobretudo às organizações que trabalham com populações-chave e com mulheres jovens e meninas na África Subsaariana, estão cada vez mais dificultando o acesso essencial aos serviços de HIV.

Os impactos do subfinanciamento

É claro que todo este retrocesso impacta de forma mais acentuada os países de baixa renda, que recebem a maior parte da ajuda externa à saúde, possuem maior prevalência de doenças como a AIDS, tuberculose e cólera e menor renda per capita. Países de renda média como o Brasil financiam a maior parte de seus programas de saúde, inclusive o de HIV/AIDS.

No entanto, a situação de subfinanciamento, ataque aos direitos humanos e restrições impostas aos programas e campanhas de prevenção são bastante conhecidas no Brasil, principalmente no período entre 2010 e 2022, quando a onda de conservadorismo religioso se consolidou na política nacional, culminando com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

O movimento de AIDS, fundamental para o sucesso da resposta brasileira, teve que enfrentar o fechamento de espaços de participação social na política de HIV, a censura contra campanhas que buscavam combater o estigma contra homossexuais e profissionais do sexo, e um rebaixamento da política de AIDS a um status inferior ou de menor importância.

Neste contexto, a experiência de alguns ativistas do movimento brasileiro é interessante para pensarmos em soluções e/ou respondermos ao apelo da UNAIDS. A comunidade internacional, principalmente a sociedade civil, deve se unir para suprir a lacuna de financiamento, apoiar os países em programas de prevenção e tratamento, remover barreiras legais e sociais e fortalecer o protagonismo das comunidades na condução da luta contra o HIV.

Ação em cenário desfavorável

Mais especificamente, ativistas do movimento de AIDS que atuam no Congresso Nacional desde antes de 2010 implementaram uma adaptação estratégica da linguagem de ativismo que foi fundamental para que o movimento obtivesse conquistas, mesmo em meio a derrotas.

Após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a pequena mas importante aliança de ativistas substituiu a retórica combativa por narrativas que visavam a persuasão de parlamentares conservadores. Por exemplo, ao advogar pelo acesso de indivíduos privados de liberdade ao tratamento antirretroviral (ARV), um dos ativistas deslocou o foco da linguagem dos “direitos” para a lógica “economicista”, enfatizando o impacto orçamentário que um detento sem tratamento representaria para o Estado.

De modo análogo, na tentativa de dissuadir parlamentares de apoiar o Projeto de Lei 198/2015, que propunha a criminalização da transmissão dolosa do HIV, o mesmo ativista mobilizou a única construção discursiva autorizada naquele contexto de extrema-direita e conservadorismo religioso: a da família heterossexual. Ele utilizou o cenário de uma gestante que, por receio da pena prevista no PL 198, evitaria o teste de HIV e a adesão ao tratamento, aumentando o risco de transmissão vertical para o bebê.

É evidente que, de modo geral, a luta pelos direitos das minorias estigmatizadas requer a utilização de uma linguagem de direitos, que combata preconceitos. Mas a saída encontrada por este grupo de ativistas dentro de um ambiente extremamente restritivo foi criar, de forma incremental, narrativas que demonstrassem ressonância tanto com as sensibilidades neoliberais (que advogam pela redução do Estado) quanto com a moral conservadora e religiosa (que privilegia a heterossexualidade como construção discursiva legítima).

Por fim, é importante ressaltar que este texto não advoga pela substituição da linguagem de direitos humanos nem pela adoção permanente de narrativas adaptadas aos valores conservadores. O objetivo é, antes, demonstrar como determinadas estratégias discursivas, empregadas em contextos políticos altamente restritivos, tiveram êxito pragmático ao garantir avanços concretos na resposta ao HIV/AIDS.

Esses exemplos mostram que, mesmo diante de retrocessos e ataques aos direitos fundamentais, a criatividade política e a capacidade de adaptação do movimento social podem abrir brechas para a defesa da vida, da dignidade e do acesso à saúde.

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