O anestesiologista alemão Joachim Boldt tem uma infeliz predisposição à fama. De acordo com o Retraction Watch, um banco de dados público de retratações de pesquisas, ele é o cientista mais retratado de todos os tempos. Até o momento, 220 de seus cerca de 400 artigos de pesquisa publicados sofreram retratações feitas por revistas acadêmicas.
Boldt pode ser um líder mundial, mas tem muita concorrência. Em 2023, mais de 10.000 trabalhos de pesquisa foram retratados globalmente – mais do que em qualquer ano anterior registrado. De acordo com uma investigação recente da Nature, um número desproporcional de artigos retratados nos últimos dez anos foi escrito por autores afiliados a vários hospitais, universidades e institutos de pesquisa na Ásia.
As revistas acadêmicas retratam artigos quando estão preocupadas com o fato de os dados publicados serem falsificados, alterados ou não serem “reproduzíveis” (o que significa que produziriam os mesmos resultados se fossem analisados novamente).
Alguns erros são erros honestos. Entretanto, a maioria das retratações está associada à má conduta científica.
Mas o que exatamente é má conduta científica? E o que pode ser feito a respeito?
Da fabricação ao plágio
O National Health and Medical Research Council (Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica) é a principal agência governamental da Austrália para financiamento médico. Ele define má conduta como violações do Code for the Responsible Conduct of Research.
Na Austrália, há oito tipos de violações reconhecidas. A má conduta em pesquisa é a mais grave.
Essas violações podem incluir a não obtenção de aprovação ética, plágio, fabricação de dados, falsificação e deturpação.
Foi isso que esteve por trás de muitas das retratações de Boldt. Ele inventou dados para um grande número de estudos, o que acabou levando à sua demissão do Klinikum Ludwigshafen, um hospital universitário na Alemanha, em 2010.
Em outro caso, He Jiankui, da China, foi condenado a três anos de prisão em 2019 por criar os primeiros bebês geneticamente editados do mundo usando a tecnologia de edição de genes conhecida como CRISPR. Seu crime foi ter falsificado documentos para recrutar casais para sua pesquisa.
A cultura “publish or perish” (publicar ou morrer) dentro da academia alimenta a má conduta científica. Ela pressiona os acadêmicos a cumprir as cotas de publicação. Ela também os recompensa pela maior produção de pesquisas, na forma de promoções, financiamento e reconhecimento. E isso pode significar que a qualidade da pesquisa é sacrificada pela quantidade.
Erros honestos
Mas nem toda má conduta em pesquisa é premeditada. Algumas são o resultado de erros honestos cometidos por cientistas.
Por exemplo, Sergio Gonzalez, um jovem cientista do Instituto de Neurociências de Montpellier, na França, carregou por engano várias imagens erradas em um artigo acadêmico e seu material suplementar. Isso não afetou as conclusões do artigo, que se basearam nas imagens corretas.
Mas ainda assim representou um caso de duplicação de imagens e deturpação de dados. Isso levou a revista a retirar o artigo e a iniciar uma investigação. A investigação concluiu que a violação não foi intencional e resultou das pressões da pesquisa acadêmica.
Menos de 20% de todas as retratações são devidas a erros honestos. Os pesquisadores geralmente entram em contato com o editor para corrigir os erros quando eles são detectados, sem grandes consequências.
A necessidade de um órgão nacional de supervisão
Em muitos países, um órgão nacional independente supervisiona a integridade da pesquisa.
No Reino Unido, esse órgão é conhecido como Committee on Research Integrity. Ele é responsável por melhorar a integridade da pesquisa e abordar casos de má conduta. Da mesma forma, nos Estados Unidos, o Office of Research Integrity lida com alegações de má conduta em pesquisa.
Em contraste, a Austrália não tem um órgão independente diretamente encarregado de investigar a má conduta em pesquisa. Existe um órgão conhecido como Comitê Australiano de Integridade em Pesquisa. Mas ele apenas revisa os procedimentos institucionais e a governança das investigações para garantir que sejam conduzidas de forma justa.
Em contrapartida, a Austrália não possui um órgão independente diretamente encarregado de investigar a má conduta em pesquisa. Existe um órgão conhecido como Comitê Australiano de Integridade em Pesquisa. Mas ele apenas analisa os procedimentos institucionais e a governança das investigações para garantir que sejam conduzidas de forma justa e transparente – e com eficácia limitada. Por exemplo, no ano passado, recebeu 13 reclamações, das quais apenas cinco foram investigadas.
Em vez disso, a Austrália se baseia em um modelo de autorregulação. Isso significa que cada universidade e instituto de pesquisa alinha sua própria política com o Code for the Responsible Conduct of Research. Embora esse código tenha se originado na pesquisa médica, seus princípios se aplicam a todas as disciplinas.
Por exemplo, na arqueologia, falsificar uma imagem ou informar deliberadamente resultados imprecisos de datação por carbono constitui fabricação de dados. Outra violação comum é o plágio, que também pode ser aplicado a todos os campos.
Mas a autogovernança em questões de integridade é repleta de problemas.
As investigações geralmente carecem de transparência e são realizadas internamente, criando um conflito de interesses. Muitas vezes, as equipes de investigação estão sob imensa pressão para proteger a reputação de sua instituição em vez de defender a responsabilidade.
Um relatório de 2023 do Australia Institute solicitou a criação urgente de um órgão de fiscalização da integridade da pesquisa independente e financiado pelo governo.
O relatório recomendou que o órgão de fiscalização tivesse poderes de investigação diretos e que as instituições acadêmicas fossem obrigadas a cumprir suas conclusões.
O relatório também recomendou que o órgão de fiscalização divulgasse publicamente suas conclusões, criasse proteções para denunciantes, estabelecesse um processo de apelação adequado e permitisse que as pessoas apresentassem reclamações diretamente a ele.
A credibilidade da pesquisa está em jogo
As consequências de uma supervisão inadequada já são evidentes.
Um dos maiores escândalos de integridade de pesquisa na história da Austrália envolveu Ali Nazari, um engenheiro da Universidade de Swinburne. Em 2022, um denunciante anônimo alegou Nazari fazia parte de um cartel internacional de fraude em pesquisa que envolvia várias equipes.
As investigações colocaram em dúvida a validade dos 287 artigos que Nazari e os outros pesquisadores haviam publicado coletivamente. As investigações revelaram inúmeras violações, incluindo 71 casos de resultados falsificados, plágio e duplicação, e 208 casos de autoplágio.
Da mesma forma, Mark Smyth, ex-integrante do Queensland Institute of Medical Research, fabricou dados de pesquisa para apoiar pedidos de subsídios e testes clínicos. Uma investigação independente concluiu que ele usou sua reputação, status e autoridade para intimidar colegas mais jovens.
Se a Austrália tivesse um órgão independente de integridade em pesquisa, haveria uma estrutura de governança clara e um caminho estabelecido e transparente para a denúncia de violações em um estágio muito anterior.
A intervenção oportuna ajudaria a reduzir outras violações por meio de investigação rápida e ação corretiva. É importante ressaltar que uma governança consistente em todas as instituições australianas ajudaria a garantir a justiça. Isso também reduziria a parcialidade e manteria os mesmos padrões em todos os casos de má conduta.
O pedido de um órgão independente de fiscalização da integridade da pesquisa já deveria ter sido feito há muito tempo.
Somente por meio de uma supervisão imparcial poderemos defender os valores da excelência científica, proteger a confiança do público e promover uma cultura de responsabilidade que fortaleça a integridade da pesquisa para todos.