A indústria de óleo e gás é uma das mais complexas do mundo, tanto pela escala global de suas operações quanto pelas inúmeras variáveis técnicas envolvidas — da geologia profunda aos sistemas de engenharia de alta precisão. Esse setor, considerado motor essencial da economia mundial, continua sendo uma das principais fontes de energia, mesmo em meio à transição energética.
Em 2023, os combustíveis fósseis ainda representaram 78% da demanda global de energia, e a projeção é que continuem responsáveis por cerca de 40% dessa demanda até 2050. Além disso, estima-se que a indústria de petróleo e gás gere pelo menos US$ 2,5 trilhões até 2030 , mostrando que, embora o futuro aponte para fontes renováveis, o presente ainda depende fortemente dessas fontes.
No Brasil, a relevância do setor é evidente. O país ocupa a oitava posição no ranking global de produção de petróleo, com uma média anual de 3,358 milhões de barris por dia, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A maior parte dessa produção, mais de 76%, vem do pré-sal, uma região localizada abaixo de uma espessa camada de sal no fundo do mar, rica em petróleo de alta qualidade. Desde 2007, o pré-sal transformou a forma como o país encara seu potencial energético e passou a ser foco de investimento, pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
No Departamento de Engenharia Química e de Materiais (DEQM) da PUC-Rio, estamos também envolvidos nesse esforço. Nosso objetivo é desenvolver soluções tecnológicas que aumentem a eficiência dos processos, reduzam os custos operacionais e ampliem a segurança das operações em óleo e gás. Para isso, temos investido fortemente em tecnologias de Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina, ou “Machine Learning” (ML).
Quando os dados encontram os poços de petróleo
O uso de técnicas de ML está revolucionando o setor de óleo e gás, ao permitir a previsão de comportamentos complexos de reservatórios, a detecção de falhas em tempo real e a identificação de condições ideais de produção. Essas capacidades são impulsionadas pela análise de grandes volumes de dados operacionais e geológicos, coletados continuamente ao longo dos processos industriais. Um dos avanços mais representativos dessa transformação é o desenvolvimento de gêmeos digitais — réplicas virtuais de unidades físicas que simulam, em tempo real, o funcionamento de equipamentos e sistemas.
Criados a partir da integração de sensores inteligentes, esses modelos digitais capturam dados do ambiente físico e os replicam no ambiente virtual com alta precisão. Dentro desse contexto, o sensoriamento por imagem, usando ML tem sido embarcado como opção para análise em condições hostis do processo de produção de petróleo, como tubulação que liga o poço à plataforma.
Mas como isso funciona na prática? Um bom exemplo é a variável conhecida como BHP (Bottom Hole Pressure), a pressão no fundo do poço. Esse parâmetro é essencial para monitorar a performance de um poço, prever o comportamento do reservatório e guiar estratégias de produção, como a injeção de água ou gás. No entanto, medir ou estimar a BHP com precisão pode ser um desafio técnico e financeiro, por ser um ambiente de difícil acesso e manejo.
Em nossos estudos, utilizamos dados reais de produção disponibilizados por iniciativas como o repositório da Society of Petroleum Engineers, que reúne informações de 53 poços de petróleo. Com o auxílio de modelos preditivos supervisionados baseados em IA, conseguimos estimar a BHP com resultados promissores, o que representa um ganho significativo na operação de plataformas.
Além disso, enfrentamos o desafio da qualidade e quantidade de dados, um fator crítico para o sucesso de qualquer modelo de aprendizado de máquina. Felizmente, bases como o 3W dataset da Petrobras têm sido fundamentais. Lançada em 2019, essa base reúne dados gerados por sensores reais, simulações e até informações desenhadas por especialistas, criando um ambiente rico para a pesquisa acadêmica.
Detectando problemas antes que eles aconteçam
As aplicações de modelos de IA para detectar falhas em poços offshore, aqueles localizados em ambiente marinho, envolvem equipamentos complexos e condições ambientais desafiadoras, como mencionado anteriormente. Anomalias como aumento abrupto do teor de água e sedimentos no petróleo, fechamento espúrio da válvula de segurança, intermitência severa ou perda de produtividade podem comprometer toda a operação e até causar danos ambientais e humanos.
Em nossos estudos, desenvolvemos modelos capazes de identificar a ocorrência de falhas e diagnosticar qual o tipo de falha a partir de vários poços. A ideia do modelo desenvolvido é atender a uma ferramenta chamada CRISP-DM (Cross Industry Standard Process for Data Mining) ou Processo Padrão Inter-Indústrias para Mineração de Dados. Ela fornece um guia para planejar, organizar e implementar projetos, garantindo uma abordagem mais sistemática e aumentando as chances de sucesso.
O processo CRISP-DM é composto por seis fases principais: compreensão do negócio, compreensão dos dados, preparação dos dados, modelagem, avaliação e implantação. Esses modelos são treinados com dados a exemplo dos repositórios mencionados que impactam tanto poços surgentes, que fluem naturalmente, quanto não-surgentes, que exigem bombeamento artificial.
Ciência, inovação e segurança energética
Acreditamos que a aplicação da ciência de dados na indústria de óleo e gás é um passo decisivo rumo a uma exploração mais segura, econômica e sustentável. Modelos de machine learning treinados com dados reais e de simulações podem ser validados, testados e têm potencial para transformar a forma como monitoramos e gerenciamos poços de petróleo.
Nosso compromisso, como parte da comunidade científica, é tornar esses avanços acessíveis, não apenas para a indústria, mas também para a sociedade como um todo. Afinal, estamos falando de um setor estratégico para a economia e para a segurança energética do país. Essas ações não só melhoram ganhos econômicos, mas também estão alinhadas no combate a riscos ao meio ambiente como parte da trilha para transição energética.
Com foco no futuro, seguimos comprometidos em contribuir de forma significativa para a pesquisa e inovação no setor de óleo e gás. E o apoio das agências de fomento nacionais como a FAPERJ e o CNPq tem sido imprescindíveis.