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Masculinidade tóxica: narrativas globais de controle

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Masculinidade tóxica: narrativas globais de controle

Ilustração por Global Voices

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Em março de 2025, a Netflix estreou Adolescência, uma minissérie de quatro episódios que explora o cyberbullying e a influência das narrativas das redes sociais nos meninos. A produção tornou-se um chamariz para pais e autoridades, impulsionando o debate sobre masculinidade tóxica e a chamada “machosfera”. No entanto, a masculinidade tóxica não é um fenômeno recente: a misoginia, a LGBTQfobia e outras expressões da masculinidade violenta e hegemônica já fazem parte da sociedade há muito tempo.

Na Hungria, a narrativa anti-imigração do primeiro-ministro Viktor Orbán busca estabelecer a identidade nacional “masculina” do país em contraste à “feminizada” da esfera internacional ocidental, utilizando alegações conflitantes de soberania para reforçar essa distinção e consolidar os laços entre masculinidade e poder. No livro The Gender Regime of Anti-Liberal Hungary (O Regime de Papéis de Gênero da Hungria Antiliberal), Éva Fodor associa políticas anti-imigração e antigênero, explicando que, na luta contra as cotas migratórias da União Europeia, o governo húngaro acusou a UE de ser “inimigo pró-gênero da nação húngara”.

Na Rússia, desde o início da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, a propaganda do governo associa a masculinidade à guerra a fim recrutar novos soldados. Como mostrado em pesquisas anteriores, o governo russo retrata a adesão ao exército como a melhor maneira de demonstração de patriotismo e virilidade, alimentando o ciclo de violência contra mulheres tanto na Ucrânia quanto na Rússia.

O alvoroço em torno do comportamento masculino tóxico também alcançou a liderança de países ocidentais. O discurso e as políticas antidiversidade do presidente norte-americano Donald Trump estão diretamente ligados à exaltação da masculinidade, com membros da administração e até o próprio presidente atribuindo a ineficiência e a fraqueza na liderança às mulheres.

O conceito de força associado à masculinidade também impactou executivos das redes sociais, como Mark Zuckerberg, presidente da Meta, atribuindo as mudanças das políticas da empresa à necessidade de mais “energia masculina” e afirmando que “uma cultura que celebra um pouco mais a agressividade tem seus próprios méritos, os quais são realmente positivos”.

Narrativa: “As mulheres têm o dever de saber seu papel e cumpri-lo. Do contrário, precisarão lidar com as consequências”

Segundo os que promovem essa narrativa, mulheres que rejeitem os papéis impostos pelo patriarcado tradicional, enquanto procriadoras, educadoras e administradoras do lar, devem arcar com as consequências.

O argumento por trás dessa ideia sustenta uma hierarquia baseada em gêneros que impacta a vida privada, carreiras, funções familiares e amplas estruturas sociais que submetem mulheres cis e trans à subordinação dos homens.

A exacerbação dos papéis de gênero tradicionais para mulheres em sociedades ocidentais é com frequência impulsionado por uma glorificação nostálgica da “masculinidade clássica”: uma ideia promovida como resposta para os efeitos castradores da “cultura do despertar social”.

Como essa narrativa é compartilhada on-line

Gia Macool, coach de relacionamentos, compartilha um recorte de uma entrevista antiga com Sean Connery na qual o ator defende que, por vezes, o comportamento das mulheres justifica “agredi-las”. Macool descreve a declaração de Sean Connery como uma característica da “masculinidade clássica”, e como uma provocação, questiona se essa conduta deveria ser reintroduzida.

No vídeo, Sean Connery denota a opção de agredir mulheres como uma ação disciplinar merecida, implicando que, às vezes, mulheres não se comportam da maneira que deveriam e é direito dos homens discipliná-las.

As primeiras declarações de Connery sobre agressão a mulheres ocorreram em uma entrevista à revista Playboy em 1965. Em 1987, ele reiterou sua posição em uma entrevista à apresentadora Barbara Walters, compartilhada no tuíte de Macool, e, em 1993, Connery fez comentários controversos similares em uma entrevista à revista Vanity Fair.

O tuíte recebeu mais de 1,8 mil comentários, 32 mil curtidas e foi salvo por 14 mil usuários. Obteve pontuação de -2 na tabela de indicadores de impacto cívico, considerando que as declarações de Connery são perigosas enquanto sugerem a agressão como medida “aceitável” para “colocar mulheres em seus devidos lugares” se elas não se comportarem como deveriam.

Veja a análise completa do item aqui. Confira também como essa narrativa é sustentada em países como Paquistão e Grécia.

Narrativa: “Mulheres contribuem para a crise demográfica e devem assumir seu papel de gerar filhos”

Os defensores dessa narrativa afirmam que as mulheres têm a responsabilidade de aumentar as taxas de natalidade devido a seus fatores biológicos. Nessa concepção, há uma conexão direta entre nacionalismo e papéis de gênero. Annabelle Chapman explica de maneira assertiva no artigo “Where gender meets nationalism” (Onde o gênero encontra o nacionalismo) que: “Se, na perspectiva dos nacionalistas, o papel dos homens é proteger a nação, então o papel das mulheres é perpertuá-la”, tornando-se, assim, um motivo para pressionar as mulheres a terem filhos.

A crise demográfica em lugares como a União Europeia apresentou uma oportunidade para líderes conservadores incentivarem essa narrativa. Na Itália, por exemplo, a líder de direita Giorgia Meloni explora o que eles chamam de “inverno demográfico” com os nascimentos no país atingindo o nível mais baixo já registrado, segundo o Instituto Nacional Italiano de Estatística (ISTAT).

Essa resposta vê a decisão de ter filhos sob a ótica da sobrevivência nacional, em detrimento dos direitos das mulheres, das escolhas pessoais e das aspirações.

Como essa narrativa circula on-line

Davide Marchiani, um influenciador italiano com mais de 10 mil seguidores no X, que se descreve em sua bio como alguém que tem repulsa por mulheres e se autointitula “o misógino mais famoso do X”, afirma que “para aumentar a taxa de natalidade, não é necessário aumentar a licença-maternidade”, e sim “aumentar os salários dos pais para que suas esposas possam ficar em casa e serem mães”.

Veja a análise completa do item aqui. Confira também como essa narrativa é sustentada no Reino Unido e na Argentina.

Ao afirmar que a solução para o aumento das taxas de natalidade é “aumentar os salários dos pais para que suas esposas possam ficar em casa e serem mães” e “renda dupla é uma armadilha antifamília”, Marchiani sugere que as mulheres precisam, e naturalmente iriam, reconhecer seu papel na sociedade e assumir a responsabilidade de gerar filhos.

Esse tuíte recebeu 99 comentários, 119 reposts, 664 curtidas, foi salvo por 18 usuários e teve 33,4 mil visualizações. Obteve pontuação de -1 na tabela de indicadores de impacto cívico, considerando que promove políticas e uma perspectiva que afeta a habilidade das mulheres de competir de forma justa com os homens no ambiente de trabalho.

Notícias do Observatório de Mídia Cívica

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