No final de junho, a morte da jovem Juliana Marins, na Indonésia, gerou enorme repercussão dentro e fora do Brasil. Após o acidente, percebi como a internet – e especialmente, as redes sociais – virou palco de fervorosas discussões sobre segurança em áreas naturais.
Seguindo esta tônica, nas semanas que se sucederam, tive a impressão de um aumento das notícias sobre acidentes em unidades de conservação brasileiras. Em menos de um mês após o caso de Juliana, foram noticiados acidentes nos parques nacionais da Serra dos Órgãos, de Itatiaia e da Serra Geral.
Outros casos também vieram à tona, como a morte de uma escaladora na Pedra do Elefante, em Minas Gerais, e o acidente envolvendo um praticante de highline na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Em parte, é possível que o tema esteja em voga pelo suposto aumento de acidentes em áreas naturais, especialmente em unidades de conservação. No Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o Corpo de Bombeiros, os salvamentos em trilhas, montanhas, matas e cachoeiras cresceram 66,7% nos primeiros cinco meses de 2025 em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Entretanto, a própria entidade argumenta que o crescimento dessas estatísticas pode estar associado ao aumento de registros formais e atuação de grupos especializados em resgate, o que eleva o número de ocorrências notificadas.
Além disso, esses números se referem apenas aos episódios que precisaram da atuação de equipes de resgates, deixando de fora todos os acidentes de menor gravidade e que não são notificados. Ou seja, são dados que não necessariamente representam um aumento real dos acidentes em unidades de conservação, mas apenas dos casos mais graves que foram notificados.
Não pretendo comprovar se há efetivamente um aumento nos acidentes em unidades de conservação. Até porque, para fazê-lo seria necessário um robusto e confiável banco de dados sobre esses episódios nessas áreas, coisa que ainda estamos longe de alcançar no Brasil.
Entretanto, é importante refletir sobre os possíveis impactos que o medo por esses eventos pode ter na visitação em unidades de conservação. Essa discussão ganha ainda mais relevância diante dos esforços recentes dos órgãos gestores de unidades de conservação para ampliar e qualificar a visitação nesses espaços.
Um sintoma dessa tendência é a recente Política Nacional de Incentivo à Visitação de Unidades de Conservação, sancionada pelo presidente Lula em 25 de julho. Com atenção especial aos parques, a política visa assegurar que essa categoria de unidade de conservação alcance seus objetivos básicos de proporcionar a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico. Nesse contexto, pensar em estratégias para incentivar a visitação passa, inevitavelmente, por compreender os fatores que podem estar afastando o público as unidades de conservação.
Procura por áreas naturais
Ano após anos, as unidades de conservação brasileiras vêm batendo recorde nos números de visitação, impulsionados pelo aumento na procura por áreas naturais após o período recente das restrições impostas pela pandemia da COVID-19.
Nesse contexto, experiências intencionais como fazer uma caminhada em um parque tornam-se especialmente relevantes, reforçando a importância de que essas áreas protegidas estejam amplamente acessíveis à população.
Vários estudos têm associado o contato com a natureza à qualidade de vida. Evidências indicam que atividades na natureza podem melhorar o sono e reduzir o estresse, levando a diminuição das chances de desenvolvimento de doenças mentais, especialmente para os casos de depressão.
Além disso, diversas pesquisas têm mostrado que o contato com a natureza está associado a diminuição na incidência de outros distúrbios, como ansiedade, déficit de atenção e transtorno de hiperatividade.
Importância dos parques para a conservação
O contato efetivo das pessoas com a natureza tem se mostrado um importante veículo para conservação, principalmente através da educação ambiental.
Os parques possuem um papel de destaque nesse sentido, possibilitando uma alteração na relação dos visitantes com a natureza e levando a uma possível sensibilização e conscientização ambiental.
Ao permitir o contato efetivo das pessoas com a natureza, os parques ajudam a cumprir com uma das máximas do conservacionismo, que diz ser preciso “Conhecer para preservar”. Segundo André Ilha, este lema traz em sua essência a ideia de que ninguém se sente motivado a proteger ou apoiar a preservação de algo que não conhece. Seguindo essa lógica, como podemos esperar que as pessoas se preocupem com a natureza se sentem medo dela?
O medo dos visitantes
É evidente que ainda é cedo para concluir que o aparente destaque dado às recentes notícias de acidentes em unidades de conservação pode, efetivamente, estar aumentando o medo das pessoas em visitar esses espaços. Para isso, precisaríamos de pesquisas longitudinais sobre o efeito da mídia no público em questão. Além disso, no Brasil, poucos estudos buscaram explorar a questão do medo em unidades de conservação.
Entretanto, em pesquisa que venho desenvolvendo atualmente com usuários de trilhas, constatei que quase metade (48%) dos frequentadores deixa ou já deixou de visitar uma unidade de conservação por medo. Em um contexto urbano, como no caso do Rio de Janeiro, grande parte desse medo está associado à violência urbana, assaltos e, principalmente, violência contra a mulher. Entretanto, mais da metade (51%) dos visitantes relata ter dentre seus maiores medos aspectos relacionados a acidentes, justamente como nos casos noticiados recentemente.
Imagine, portanto, como esses visitantes que já deixam ou deixaram de visitar um parque por medo, podem se sentir ao ter acesso a notícias como as que temos visto ultimamente. Para muitos, pode se tratar de um exemplo concreto de seus maiores receios, reforçando a justificativa para não visitar esses espaços. Nesse sentido, acredito que se o medo está afastando os visitantes das unidades de conservação, isso pode estar revelando uma falha na missão de oferecer o contato efetivo das pessoas com a natureza.
Repercussão de acidentes na natureza
Por outro lado, destaco a peculiaridade dos efeitos desses eventos sobre a opinião pública. Recorrentemente essas notícias são acompanhadas de comentários infundados que tendem a associar a natureza a um lugar de perigo constante.
Todos conhecem ou já ouviram falar de algum filme de Hollywood sobre algum aventureiro que morreu após ficar pedido na montanha ou sofrer algum acidente. Além de usarem esses casos como justificativa para não visitar esses lugares, não é incomum ouvir a pergunta “mas o que ele(a) estava fazendo lá?!”. Os mais radicais vão além, argumentando que esses espaços deveriam ser fechados ao público. São, antes de mais nada, visões sintomáticas do afastamento entre ser humano e natureza em tempos de Antropoceno.
Como montanhista há mais de 15 anos, posso dizer que a experiência que tive mais perto da morte não foi em uma montanha isolada, mas no encontro com a traseira de um ônibus a 500 metros de casa. No mundo todo, milhares de pessoas morrem todos os dias vítimas de acidentes de trânsito.
No Brasil, em 2024 foram registrados mais de 70 mil acidentes, que resultaram em mais de 6 mil vidas perdidas. Isso representa mais de 16 mortes por dia. Entretanto, nunca vi nenhuma campanha para fechar as estradas, ou tampouco percebi pessoas deixando de usarem carros por medo de se acidentarem.
Evidentemente que é injusto compararmos esses números com os acidentes em unidades de conservação. Afinal, a proporção de pessoas que se locomovem em ruas e estradas todos os dias é muito maior do que as que visitam áreas protegidas.
Além disso, atualmente se locomover no trânsito é uma necessidade diária, enquanto visitar a natureza é uma escolha recreativa para grande parte da população. Entretanto, no ano passado, apenas as unidades de conservação federais registraram mais de 25 milhões de visitas, sendo 12,5 milhões em parques.
Se incluíssemos as unidades de conservação estaduais e municipais, e ampliássemos a aplicação de métodos de registro de visitas, esses números seriam ainda maiores. Nesse cenário, ouso dizer que a proporção de acidentes por número de visitas nesses espaços é ínfima. Mesmo assim, quando acontecem, ganham demasiada notoriedade, possivelmente por serem raros os episódios – o que não deixa de ser contraditório frente ao medo que geram. Entretanto, a confirmação dessa impressão só pode ser feita quando houver um banco de dados confiável sobre esses eventos, como já mencionei.
Riscos inerentes das atividades na natureza
Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que atividades em ambientes naturais sempre poderão oferecer algum risco ao visitante. Apesar das dificuldades impostas pelo reduzidos recursos financeiros e humanos, cabe a gestão das unidades de conservação analisar esse risco e tomar medidas para mitigá-lo, ou não.
Mais do que isso, é imprescindível que os visitantes sejam informados de forma clara e objetiva sobre os perigos inerentes das atividades na natureza, mas sem necessariamente privá-los do direito ao risco e à aventura. A partir daí, recai sobre o próprio visitante a responsabilidade de conhecer suas limitações físicas, técnicas e mentais.
É justamente neste último ponto que se origina grande parte dos acidentes, pois muitas pessoas não avaliam com realismo suas capacidades, superestimando seu preparo e conhecimento e/ou subestimando os desafios e perigos dos ambientes naturais.
Equilíbrio entre alertar e incentivar
Existe, nesse sentido, um equilíbrio delicado na forma de transmitir informações ao público. Por um lado, as pessoas devem ser alertadas sobre os riscos e perigos das atividades na natureza, permitindo que se preparem e escolham, de forma consciente, aquelas atividades compatíveis com suas condições.
Por outro, é igualmente importante incentivar a visitação, transmitindo a confiança de que as unidades de conservação podem ser visitadas com segurança. Esse desafio vai além da adoção de medidas práticas de mitigação de risco, mas também envolve a forma como a gestão das unidades de conservação se comunica com a sociedade.
As reflexões trazidas aqui não se propõem conclusivas, nem tampouco desvalorizam visões divergentes sobre o tema. O medo é fundamental para todos nós. É através dele que recebemos estímulos de proteção para nos preservarmos de situações que colocam nossa vida, saúde e integridade física em risco. Entretanto, acredito que a natureza não deva ser um lugar de medo, mas de respeito, sendo justamente nela onde podemos ganhar confiança e nos (re)conectarmos com nós mesmos.