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Microdoses de cannabis e Alzheimer: o que novo estudo revela sobre o uso de THC e CBD em idosos

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Microdoses de cannabis e Alzheimer: o que novo estudo revela sobre o uso de THC e CBD em idosos

À medida que a população mundial envelhece, cresce também o número de pessoas vivendo com demências, como a Doença de Alzheimer. Frente à ausência de tratamentos curativos e à eficácia limitada dos medicamentos disponíveis, cresce o interesse por novas abordagens terapêuticas. E entre elas, os canabinoides da planta Cannabis.

Um novo estudo brasileiro recém publicado no periódico internacional _Journal of Alzheimer’s Disease_ investigou os efeitos de microdoses de extrato de Cannabis em pacientes com Alzheimer leve. Os resultados são discretos, mas carregam uma mensagem promissora: talvez o futuro da cannabis medicinal esteja nas doses invisíveis, e não nos efeitos psicoativos que ainda assustam muitos pacientes e médicos.

A lógica das microdoses

O estudo liderado pelo professor Francisney Nascimento e colaboradores na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) recrutou pacientes idosos com diagnóstico de Alzheimer leve e avaliou os efeitos do uso diário de um extrato de cannabis contendo THC e CBD em concentrações extremamente baixas. Doses subpsicoativas, que não causam o famoso “barato” associado ao uso recreativo da planta e nem tem qualquer risco à saúde. Na verdade, muitos se perguntariam se essa dose provoca qualquer efeito, já que atua no que chamaríamos de “microdose”, para usar um termo frequentemente associado aos psicodélicos.

A escolha dessa abordagem não veio do nada. Em 2017, o grupo de Andreas Zimmer e Andras Bilkei-Gorzo já havia demonstrado que doses muito baixas de THC restauravam a cognição em camundongos idosos, revertendo padrões de expressão gênica e densidade sináptica no hipocampo para níveis semelhantes aos de animais jovens.

Na sequência, outros estudos reforçaram que o sistema endocanabinoide, que é importante para a homeostase e plasticidade neural, sofre um declínio natural ao longo do envelhecimento.

Inspirados por essas descobertas, e também por um relato de caso publicado em 2022 pelo mesmo grupo brasileiro mostrando melhora clínica após 22 meses de microdoses em um paciente com Alzheimer, os autores decidiram avançar com um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo em voluntários humanos.

A descoberta

A principal medida de desfecho foi a ADAS-Cog, uma escala amplamente usada para avaliar a função cognitiva em pacientes com demência. Após 24 semanas de tratamento, o grupo que recebeu o extrato com THC apresentou uma estabilização dos escores, enquanto o grupo placebo teve piora. Foi uma diferença restrita a apenas uma das subescalas avaliadas, e observada apenas no acompanhamento de longo prazo, mas mesmo assim, é estatisticamente significativa.

Ou seja, o impacto foi modesto, mas relevante. Em pacientes com função cognitiva ainda preservada ou medianamente comprometida, talvez seja irrealista esperar grandes mudanças em poucas semanas. A real contribuição do estudo pode estar em outro ponto: ele sugere que as microdoses podem ter um papel preventivo, funcionando quase como uma suplementação que protege o cérebro do declínio associado à idade.

Essa hipótese encontra eco em outro trabalho brasileiro, publicado por mim em 2022 na Translational Psychiatry, que demonstrou a redução do lipoxina A4 (LXA4) no cérebro envelhecido — um mediador pró-resolução da inflamação que atua, entre outros mecanismos, por meio da estimulação do sistema endocanabinoide.

Um novo paradigma: Cannabis sem “barato”

O maior obstáculo à aceitação da cannabis como ferramenta terapêutica no envelhecimento cerebral talvez não seja científico, mas cultural. O receio de “ficar chapado” afasta muitos pacientes e até mesmo profissionais de saúde. Mas estudos como esse mostram que há caminhos para contornar esse problema, por exemplo utilizando doses tão baixas que não provocam alterações perceptíveis de consciência, mas que ainda podem modular sistemas biológicos importantes, como a inflamação e a neuroplasticidade.

Microdoses de Cannabis podem escapar da zona de psicoatividade e, ainda assim, entregar benefícios. Isso pode abrir portas para novas formulações com foco em prevenção, especialmente em populações mais vulneráveis, como idosos com comprometimento cognitivo leve ou histórico familiar de demência.

O que falta saber

Apesar do potencial, o estudo também tem limitações importantes: o tamanho da amostra é pequeno e os efeitos se restringiram a uma dimensão da escala de cognição. Ainda assim, o trabalho representa um passo inédito: é o primeiro ensaio clínico a testar com sucesso a abordagem de microdoses em pacientes com Alzheimer. É uma nova forma de encarar a abordagem com esta planta no tratamento de doenças importantes.

Para avançarmos, serão necessários novos estudos com maior número de participantes, tempo de seguimento mais longo e combinação com marcadores biológicos (como neuroimagem e biomarcadores inflamatórios). Só assim será possível responder à pergunta fundamental: cannabis pode prevenir o Alzheimer? Demos um passo importante nesse entendimento, parece que sim, mas por enquanto a pergunta fica no ar.

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