Representantes do governo americano demonstraram interesse nos minerais estratégicos do Brasil como moeda de negociação diante da recente decisão de Washington de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. A sinalização aponta para um movimento geoeconômico cada vez mais evidente: os Estados Unidos estão mobilizando sua política comercial na tentativa de garantir acesso a insumos minerais cruciais para setores considerados estratégicos, como a transição energética e a inteligência artificial.
Mas o que são, afinal, os chamados minerais estratégicos? Qual a sua importância na atual ordem global — e por que o Brasil passou a ocupar posição relevante nesse tabuleiro?
O que são minerais estratégicos e por que importam tanto
Embora o conceito varie conforme instituições e contextos, a Agência Internacional para as Energias Renováveis define como minerais estratégicos — também conhecidos como minerais críticos — aqueles considerados essenciais para tecnologias fundamentais da transição energética (ou tecnologias de ponta), que apresentam uma ou mais das seguintes características: produção concentrada em poucos países, dificuldades técnicas ou ambientais para extração, ou declínio na qualidade e disponibilidade das reservas.
A lista pode variar conforme o período e a metodologia de análise, mas geralmente inclui elementos como cobalto, níquel, cobre, lítio e os metais de terras raras. Esses recursos são indispensáveis à produção de baterias, painéis solares, turbinas eólicas, veículos elétricos, semicondutores, equipamentos médicos, sistemas de defesa, satélites e infraestrutura digital de alto desempenho — componentes centrais tanto da economia digital quanto da transição energética global.
Energia renovável: o novo motor da demanda mineral
O crescimento da demanda por energia renovável tem sido exponencial. Segundo o Energy Institute, todas as principais fontes globais de energia bateram recordes em 2024, impulsionadas por um aumento expressivo no consumo mundial. Entre 2013 e 2022, a energia solar e a eólica atraíram investimentos de US$ 1,63 trilhão e US$ 1,31 trilhão, respectivamente, resultando em expansões de capacidade de 1.817,6% e 362,3% no período.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos enfrentam a crescente liderança da China nesse setor. Atualmente, o país asiático gera cerca de 4,4 vezes mais energia solar e 3 vezes mais energia eólica do que os EUA. Essa disparidade acende um alerta geopolítico: além do domínio tecnológico, a China também controla boa parte da cadeia de suprimentos dos minerais necessários para essas tecnologias.
Ademais, as fontes renováveis apresentam características – como menor densidade energética, vida útil reduzida em comparação às fontes tradicionais e limitações nos processos de reciclagem – que ampliam a dependência por minerais. Segundo a Agência Internacional de Energia, uma turbina eólica terrestre pode demandar até nove vezes mais minerais do que uma usina a gás natural de mesma capacidade. Em projetos eólicos offshore, essa relação pode chegar a quinze vezes mais. Veículos elétricos requerem até seis vezes mais minerais estratégicos que os automóveis convencionais, principalmente em razão das baterias de grande porte.
Os painéis solares também são intensivos em minerais. Para se ter uma dimensão da escala, estima-se que os Estados Unidos já possuam 5 milhões de instalações solares, podendo atingir 10 milhões em 2030 e 15 milhões em 2034. Embora a maioria seja de pequeno porte e uso residencial, há inúmeros projetos industriais que, individualmente, ultrapassam 1 milhão de painéis. Todos esses sistemas precisarão ser substituídos ao fim de sua vida útil, que pode variar entre 20 e 30 anos — o que evidencia a magnitude da demanda mineral associada.
A cadeia mineral por trás da inteligência artificial
Outro eixo central dessa disputa é a Inteligência Artificial (IA). Considerada uma das tecnologias mais transformadoras da atualidade, a IA já movimenta cerca de US$ 250 bilhões por ano e deve atingir US$ 830 bilhões anuais até 2030. Logo após reassumir a presidência, Donald Trump anunciou um pacote de reformas e investimentos de US$ 500 bilhões destinados à infraestrutura do setor, em articulação com líderes das principais empresas de IA.
Contudo, embora frequentemente associada ao universo digital, a IA depende de uma infraestrutura física massiva. São necessários milhares de data centers — instalações com alto consumo energético que concentram servidores, equipamentos ópticos e sistemas de refrigeração, todos fabricados com metais e minerais altamente especializados, em sua maioria extraídos em diferentes regiões do Sul Global.
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Atualmente, os Estados Unidos abrigam cerca de 5,4 mil dos 12 mil data centers em operação no mundo, o que reforça a importância do acesso contínuo a insumos minerais.
O xadrez mineral global
O domínio da China sobre a cadeia de suprimentos de minerais críticos representa uma crescente preocupação para os Estados Unidos. O exemplo mais emblemático é o das terras raras — grupo de 17 elementos utilizados em aplicações de ponta, como superímãs, sensores, sistemas ópticos, componentes eletrônicos e ligas metálicas. Em 2023, 68% da produção global das terras raras estava sob controle chinês, enquanto os EUA respondiam por apenas 12%.
Esse desequilíbrio motivou uma série de iniciativas norte-americanas para diversificar o acesso a esses recursos. Em maio de 2025, Trump propôs à Ucrânia um acordo que previa acesso preferencial a contratos de fornecimento de minerais críticos, em troca de apoio na guerra contra a Rússia. No mês seguinte, firmou um controverso pacto com a China, condicionando a emissão de vistos para estudantes chineses à exportação de terras raras.
Brasil na disputa
Estudos recentes indicam que o Brasil pode abrigar a segunda maior reserva de terras raras do mundo — exatamente um dos principais recursos que tem mobilizado ofensivas diplomáticas e comerciais por parte dos Estados Unidos.
O crescente interesse norte-americano nos minerais estratégicos brasileiros insere o país de forma direta nas disputas geopolíticas. Em um cenário no qual a supremacia econômica e tecnológica está cada vez mais ancorada em infraestruturas físicas — como fontes de energia renovável, veículos elétricos e data centers —, o subsolo brasileiro adquire um valor geoeconômico ainda maior.
Entretanto, abundância não é sinônimo de soberania. A simples presença de recursos naturais estratégicos não assegura desenvolvimento, justiça social ou protagonismo internacional. A possibilidade de utilizar esses minerais como moeda de troca nas relações exteriores impõe ao Brasil uma encruzilhada estratégica: atuar como fornecedor passivo de matéria-prima ou como agente ativo, capaz de agregar valor, proteger seus interesses e condicionar acordos a contrapartidas tecnológicas, ambientais e sociais.