Nos dias que antecedem uma eleição, as redes sociais se tornam um campo de batalha político. Mensagens se espalham rapidamente, mudando percepções e, possivelmente, intenções de voto. Mas seria possível que uma campanha forte nas redes sociais possa ser o suficiente para alterar significativamente os resultados eleitorais? Nossa equipe do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (CEPID NeuroMat), da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveu um modelo matemático para tentar responder a essa questão.
A motivação para o estudo surgiu a partir das eleições presidenciais de 2018 e 2022 no Brasil, quando houve grandes discrepâncias entre as pesquisas eleitorais realizadas poucos dias antes das eleições e os resultados finais das urnas. Uma das hipóteses levantadas é que campanhas intensas nas redes sociais tenham impulsionado mudanças rápidas nas intenções de voto.
Desenvolvimento do modelo matemático
Para testar essa ideia, desenvolvi, junto com o professor Antonio Galves, um modelo que simula matematicamente os efeitos de uma rede social em contexto de polarização política. Falecido em 2023, o professor Galves era coordenador e fundador do NeuroMat, além de criador do modelo de redes neurais Galves-Löcherbach, que é estudado ao redor do mundo em áreas como neurobiologia, computação e estatística.
O modelo que desenvolvemos para as mídias sociais é uma adaptação do Galves-Löcherbach, com o objetivo de descrever uma rede social formada por “bolhas sociais”. Cada bolha é um grupo de usuários que se influenciam mutuamente e que recebem pouca influência dos indivíduos fora da bolha. É o que tem se chamado de “filter bubble” em estudos sobre plataformas digitais, um termo cunhado originalmente por Eli Pariser para descrever como o algoritmo das redes nos deixa menos expostos a pontos de vista diferentes.
Nosso trabalho estuda o comportamento da rede em uma situação de alta polarização, ou seja, quando os usuários estão muito sensíveis às opiniões emitidas na rede, sendo suscetíveis a seguir a opinião emitida pela maior parte do grupo.
Simulação de consenso nas bolhas
No trabalho, publicado na revista Stochastic Processes and their Applications, demonstramos que os indivíduos da rede social descrita pelo modelo formam consenso rapidamente, passando a emitir opiniões em um mesmo sentido, ainda que inicialmente tenham tido tendências contrárias. A situação de consenso nesta rede social dura um longo período. Porém, depois desse tempo, que é imprevisível, o consenso é naturalmente desfeito pelos indivíduos da rede e, então, rapidamente o consenso em um sentido diferente é formado.
Assim, mostramos que nesta rede ocorre uma mudança abrupta de opinião de muitos usuários. Este fenômeno é chamado de metaestabilidade, um conceito importado da física que descreve uma situação de aparente estabilidade, mas que eventualmente sofre uma mudança brusca e imprevisível.
No modelo que estudamos, todo consenso tem uma morte natural. Além disso, a melhor forma de combater um discurso dominante é colocar em ação uma estratégia para introduzir um contraponto para, finalmente, criar outro consenso. Neste contexto, a polarização amplifica a velocidade da propagação de ideias. Ou seja, quanto maior a polarização da rede, menor é o tempo necessário para que um consenso se forme, especialmente quando há um fator externo reforçando essa tendência.
Agentes externos e máquinas de consenso
A mudança abrupta de consenso dos diversos usuários também pode ser causada pela alta quantidade de opiniões inseridas no sistema artificialmente em favor de uma ideia. No mundo real, isso se traduz em táticas que incluem o uso de influenciadores digitais, ou até mesmo robôs, que empurram a opinião pública artificialmente para um lado.
Quando os usuários são influenciados por fatores externos, a direção em que o consenso é formado pode ser determinada por eles. Essas influências, portanto, transformam a rede social em uma máquina de construção de consenso.
Assim, campanhas políticas, que se apropriam da lógica dos algoritmos das grandes plataformas, podem impulsionar a criação de consensos na rede. E, como as mudanças de opinião podem ocorrer muito rapidamente, isso poderia explicar porque pesquisas eleitorais podem falhar em prever o resultado final quando campanhas intensivas nas redes sociais ocorrem nos dias que antecedem a eleição.
O que isso significa para o futuro das eleições?
Nosso estudo reforça a necessidade de compreender melhor o impacto das redes sociais nos processos democráticos. Se as campanhas digitais são capazes em mudar rapidamente as intenções de voto, reguladores eleitorais e pesquisadores precisam estar atentos a essas dinâmicas para garantir a transparência e integridade do processo eleitoral.
Ainda há muito a se investigar. Uma análise estatística mais detalhada deve ser feita para apoiar a conjectura de que nosso modelo oferece uma explicação adequada para a dinâmica eleitoral brasileira. Além disso, é necessário analisar quantitativamente o impacto dessas dinâmicas em diferentes contextos eleitorais e estudar formas de mitigar influências artificiais nas decisões dos eleitores. Com a ascensão das redes sociais como principal meio de informação política para muitos eleitores, entender esses fenômenos é mais do que uma questão acadêmica — é uma essencial para o futuro da democracia.