Na semana do Dia Mundial do Meio Ambiente e do Dia Mundial dos Oceanos, o The Conversation Brasil publica uma série de artigos dedicados ao tema:
Nos últimos dois anos, o Brasil enfrentou diversos eventos climáticos extremos que afetaram diretamente a vida de milhares de pessoas: a seca histórica na Amazônia, os incêndios no Pantanal e, mais recentemente, as enchentes no Rio Grande do Sul. Esses eventos, embora muitas vezes tratados como tragédias pontuais, estão fortemente relacionados às mudanças climáticas e, por sua vez, a problemas sistêmicos enraizados em estruturas políticas, econômicas e sociais – especialmente em um modelo de desenvolvimento baseado no capitalismo predatório.
Apesar disso, a atenção dedicada às mudanças climáticas na mídia tradicional tende a aumentar apenas durante eventos internacionais, como a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC). A próxima edição, a COP 30, marcada para novembro deste ano em Belém do Pará, é um exemplo claro de como o debate costuma ser pautado por agendas internacionais, e não pelas realidades locais. Para enfrentar esse cenário, é essencial promover uma comunicação crítica e abrangente sobre o clima, capaz de revelar as causas estruturais da crise, mostrar como seus efeitos recaem de forma desproporcional sobre comunidades vulnerabilizadas – como os povos indígenas e tradicionais – e apontar caminhos alternativos para mitigação e adaptação.
Foi com esse objetivo que realizamos um levantamento de pesquisas sobre a comunicação das mudanças climáticas na América Latina. O estudo analisou 38 publicações científicas e identificou padrões na cobertura jornalística do tema, com destaque para o caso brasileiro, além de desafios e recomendações que podem contribuir para o aprimoramento da cobertura – inclusive além do contexto da COP 30.
Discursos climáticos na mídia: entre o catastrofismo e o otimismo tecnológico
Nos estudos analisados, observamos que o discurso predominante na cobertura midiática das mudanças climáticas é marcado pelo catastrofismo. Manchetes alarmistas, uso excessivo de informações dramáticas e foco em declarações “bombásticas” contribuem para gerar medo, mas não necessariamente compreensão. Essa abordagem, segundo os pesquisadores, pode dificultar a formação de uma visão crítica sobre o problema por parte do público.
Por outro lado, outro padrão recorrente é o chamado “otimismo tecnológico”. A mídia frequentemente apresenta soluções para a crise climática com base em avanços tecnológicos e promessas de crescimento econômico, minimizando os limites da natureza e as desigualdades sociais envolvidas. Esse discurso, alinhado a uma lógica de desenvolvimento neoliberal, ignora alternativas sustentáveis e baseadas no conhecimento de comunidades locais e tradicionais.
Outro problema identificado é a falta de contextualização: mudanças climáticas são noticiadas como eventos isolados, descolados de seus determinantes históricos, políticos e econômicos. A cobertura tende a priorizar declarações de autoridades ou a agenda de eventos como a COP, com pouco espaço para a diversidade de vozes que compõem a sociedade.
Falta diversidade de fontes e de olhares sobre o clima
Grande parte das pesquisas apontou uma ausência significativa de fontes que representam os grupos mais afetados pelas mudanças climáticas – como comunidades indígenas, quilombolas, pequenos agricultores e moradores de áreas periféricas. Essa invisibilidade gera um desequilíbrio na narrativa jornalística e contribui para a manutenção de um ponto de vista dominante.
Jornalistas entrevistados em algumas dessas pesquisas reconheceram os limites da cobertura. Relataram falta de tempo, recursos e apoio editorial para explorar o tema com profundidade, além da pressão por produtividade e imediatismo, sobretudo no ambiente digital. Isso reforça padrões superficiais e dificulta o exercício de um jornalismo ambiental mais analítico e transformador.
Caminhos para uma cobertura mais justa e crítica
A partir dos desafios identificados, as pesquisas revisadas propõem diversas recomendações. A principal delas é a necessidade de contextualizar as mudanças climáticas – conectá-las ao cotidiano das pessoas, explicá-las como parte de um processo histórico que envolve decisões políticas e interesses econômicos. Tratar o clima como um problema técnico e isolado enfraquece a possibilidade de mobilização social e participação democrática.
Outro ponto central é a ampliação da diversidade de fontes jornalísticas. É urgente ouvir mais do que especialistas e autoridades: é preciso escutar o povo, os territórios e as resistências que já existem. Isso significa abrir espaço para vozes que geralmente são marginalizadas nos grandes meios de comunicação.
Ao lado dessas recomendações, acrescentamos uma reflexão importante: o que a grande mídia pode aprender com os veículos independentes e alternativos? No Brasil, iniciativas jornalísticas fora da mídia hegemônica vêm ampliando o espaço para narrativas mais críticas, inclusivas e contextualizadas. Esses projetos têm valorizado os saberes locais, denunciando injustiças socioambientais e promovido uma cobertura mais próxima das realidades que vivem aqueles e aquelas que mais sofrem com a crise climática.
Também temos estudado iniciativas semelhantes em outros países da América Latina, como Peru e Bolívia, que compartilham com o Brasil contextos marcados pela exploração intensiva dos recursos naturais e pela violência contra os povos originários. Nesses países, identificamos que jornalistas de meios independentes têm priorizado vozes historicamente marginalizadas, como as de povos indígenas e mulheres, e assumido uma postura editorial comprometida com a justiça social. Em vez de neutralidade aparente, esses profissionais se posicionam diante das injustiças e fazem um jornalismo contra-hegemônico, que busca dar visibilidade às raízes estruturais da crise.
Esse tipo de jornalismo não pode ser exceção, nem pode existir apenas em momentos como a COP 30. Em um país marcado por desigualdades históricas e múltiplas formas de violência, uma cobertura ambiental qualificada e comprometida com a justiça climática é uma ferramenta essencial para o fortalecimento da democracia. E uma sociedade bem informada é uma sociedade com mais capacidade de transformar – para melhor – as formas de viver, produzir e se relacionar com o planeta.