Por décadas, o jornalismo profissional ocupou o centro gravitacional do que chamamos de ecossistema informativo. Hoje, essa posição é disputada — e em muitos casos superada — por criadores de conteúdo e influenciadores digitais. A pesquisa global do Reuters Institute, divulgada nesta terça-feira (28/10), revela que essa transformação não é episódica, mas estrutural.
Em mercados como Brasil, México, Indonésia e Estados Unidos, personalidades do ambiente digital já capturam mais atenção do público do que marcas jornalísticas tradicionais. A ascensão dos influenciadores como mediadores da realidade política e social redefine não apenas o consumo de notícias, mas também os mecanismos de formação da opinião pública.
Mais jovens preferem influenciadores
A análise de 24 países feita pela Reuters mostra que o impacto dos criadores de conteúdo varia significativamente por região, idade e tipo de plataforma. Em países do Norte da Europa e no Japão, a mídia tradicional ainda mantém hegemonia nas redes sociais. Já em mercados de alto impacto — como o Brasil — os influenciadores dominam o fluxo informativo.
Em nível global, os usuários com menos de 35 anos, 48% consomem notícias por meio de criadores, superando os 41% que recorrem à mídia tradicional. O padrão se inverte entre os mais velhos, com 44% ainda preferindo veículos jornalísticos.

A clivagem geracional é amplificada pela arquitetura das plataformas: enquanto o Facebook e o X (antigo Twitter) ainda sustentam parte da atenção jornalística, o TikTok, Instagram e YouTube são territórios dominados por criadores — especialmente aqueles voltados ao comentário político e à explicação de notícias complexas.
A predominância masculina entre os influenciadores é outro traço marcante. Globalmente, 85% dos nomes mais mencionados são homens, com forte concentração na categoria de opinião política. Essa desigualdade de gênero não é apenas estatística, mas reflete padrões de autoridade percebida e acesso a temas considerados “sérios” ou “estratégicos”.

O caso brasileiro
No Brasil, a descentralização da influência é ainda mais acentuada. Com 84% da população conectada à internet e 54% consumindo notícias semanalmente pelas redes sociais, o país se destaca como um dos mercados digitais mais engajados do mundo. E nesse cenário, os criadores de conteúdo independentes já superam as marcas jornalísticas tradicionais na atenção regular do público: 33% contra 30%.
Diferentemente de outros países, o Instagram é a plataforma que concentra o maior número de seguidores para conteúdo político e de entretenimento, tornando-se o principal campo de batalha informacional. O YouTube, por sua vez, é o espaço privilegiado para aprofundamento ideológico, especialmente entre influenciadores alinhados à direita.
A polarização é profunda e estrutural. A audiência se organiza em bolhas ideológicas com ecossistemas informativos paralelos. O público de esquerda ainda consome conteúdo de âncoras da Globo e comentaristas da CNN, além de ativistas como Erika Hilton e Jones Manoel. Já o público de direita segue figuras como Nikolas Ferreira, Bárbara Destefani e Gustavo Gayer, que operam com forte viés conservador e presença multiplataforma.

Essa divisão entre criadores digitais preferidos pela esquerda e aqueles preferidos pelos cidadãos que se identificam como o campo da direita tem implicações: enquanto a esquerda pode ser parcialmente alcançada por canais institucionais, a direita exige engajamento direto com influenciadores. A assimetria força uma abordagem segmentada e deliberada por parte de comunicadores, jornalistas e estrategistas.
Da mídia tradicional para o digital
Um fenômeno relevante é a migração de jornalistas da mídia tradicional para o universo dos criadores. Figuras como Luís Ernesto Lacombe e Alexandre Garcia exemplificam essa transição, combinando credibilidade construída na grande imprensa com posicionamentos ideológicos explícitos. Esse híbrido — jornalista com viés partidário e presença digital — representa uma nova forma de autoridade, mais ágil, mais segmentada e mais influente em nichos específicos.

Globalmente, esse movimento é replicado por nomes como Tucker Carlson e Taylor Lorenz. A profissionalização dos criadores tem sido também uma tendência: HugoDécrypte, na França, lidera uma equipe de mais de 20 pessoas; Johnny Harris constrói uma rede de canais no YouTube; e a Tucker Carlson Network opera com estrutura empresarial. A fronteira entre jornalista e influenciador, nesse sentido, ficou cada vez mais difusa.
A ascensão dos criadores de conteúdo não é apenas uma mudança de formato — é uma reconfiguração profunda da autoridade informativa. Para pesquisadores e profissionais da comunicação, o desafio é compreender que a atenção pública não é mais capturada por instituições, mas por indivíduos. A neutralidade, no passado um valor jornalístico central, está se tornando cada vez mais insustentável em um ambiente hiperpolarizado.

Essa reconfiguração tem impactos sobre a saúde das democracias. Com mediadores de informação mobilizando mais a atenção para o conteúdo político, o cidadão tende a construir sua opinião por critérios que dialogam com mais com o nível de confiança pessoal nos influenciadores, na forte identificação com os conteúdos e, por vezes, com o alinhamento ideológico explícito.
A consequência disso não é desprezível para o funcionamento das democracias. A hiperfragmentação do ambiente informativo reduz as chances de construção de pontos de consenso na sociedade e potencializa a polarização do espaço público, ampliando a tensão política entre os grupos, partidos e lideranças políticas.





