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Nanopartículas magnéticas: promessas brasileiras para a saúde e o ambiente

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Nanopartículas magnéticas: promessas brasileiras para a saúde e o ambiente

Estudos recentes têm demonstrado o potencial de nanopartículas magnéticas em aplicações biomédicas, especialmente no combate ao câncer. Para se ter uma ideia, essas partículas são tão pequenas que milhões delas correspondem ao tamanho de um grão de areia. Essa escala diminuta faz com que as nanopartículas se comportem de maneira diferente dos materiais convencionais. E, quando são feitas de materiais magnéticos, essas propriedades são ainda mais especiais.

No nível nanométrico, o magnetismo também se transforma. Atua segundo um fenômeno, chamado superparamagnetismo, que é valioso para diversas aplicações. Nele, minúsculos ímãs internos, que chamamos de “momentos magnéticos dos átomos”, podem se alinhar sob a ação de um campo magnético externo e, em seguida, perder o alinhamento quando o campo magnético é desligado. Isso permite, por exemplo, guiar nanopartículas pelo corpo com ímãs externos e depois eliminar sua magnetização, reduzindo riscos de efeitos indesejados.

Assim, essas partículas podem ser usadas em tratamentos inovadores, como a hipertermia magnética, que converte energia magnética em calor para destruir células tumorais, sem afetar tecidos saudáveis ao redor. Além disso, servem como agentes de contraste em exames de imagem e até na remoção de contaminantes de água e solo.

No entanto, como é comum em tecnologias emergentes, obter essas nanopartículas costuma envolver processos caros e complexos, que dependem de equipamentos sofisticados. Em nossa pesquisa, no Laboratório de instrumentação e medidas magnéticas do Programa de Física da PUC-Rio, conseguimos avanços importantes em uma metodologia de produção simplificada. O método é simples, rápido, versátil e de baixo custo, o que pode tornar essas tecnologias mais acessíveis.

Magnetismo e temperatura

Imagem de Microscopia Eletrônica de Transmissão das nanopartículas magnéticas, na escala de 100 nm. Fonte: Acervo pessoal.

Nosso estudo consistiu na produção de nanopartículas de magnetita, um mineral magnético natural formado por óxido de ferro (Fe₃O₄). A magnetita é conhecida como o ímã natural mais forte e também o mais antigo já registrado. Usamos um método simples que envolve a diluição de íons em uma solução até que se unam e precipitem simultaneamente, formando partículas sólidas. Essa técnica é vantajosa, pois permite controlar o tamanho e a composição das partículas, determinando assim suas características específicas.

Nosso foco foi entender como a variação da temperatura (entre 40 °C e 80 °C) durante a formação das nanopartículas afeta suas propriedades magnéticas e estruturais. Mostramos que, abaixo de 60 °C, é possível obter magnetita pura, estável e com comportamento superparamagnético. Ela é ideal para aplicações biomédicas, pois evita a aglomeração das partículas e reduz riscos de toxicidade.

Já acima de 60 °C, forma-se uma mistura de magnetita e hematita (α-Fe₂O₃), outra fase do óxido de ferro, com resposta magnética mais fraca. Essa composição, por outro lado, tem maior estabilidade química e resistência à oxidação, o que pode ser vantajoso em sistemas de adsorção de metais pesados e tratamento de efluentes. Também é uma boa opção para aplicação em catalisadores ou sistemas de armazenamento de energia.

Esse controle fino é um diferencial importante, pois permite ajustar o comportamento magnético sem alterar significativamente o tamanho das nanopartículas. Essas pesquisas já resultaram em duas publicações internacionais recentes: uma em 2024, na revista Heliyon, e outra em 2025, na ACS Omega.

Imagem que representa o microscópio magnético utilizado na caracterização das nanopartículas magnéticas. Fonte: acervo pessoal.

Testes biológicos

Em colaboração com o Laboratório de Farmacologia Aplicada da Fiocruz, coordenado pela pesquisadora Elaine Cruz Rosas, avaliamos a biocompatibilidade das nanopartículas em diferentes tipos de células. Elas apresentaram baixa toxicidade, tanto em células tumorais (glioblastoma) quanto em células saudáveis (queratinócitos humanos). Em concentrações mais altas vimos uma queda na viabilidade celular, mas provavelmente ligada à deposição das partículas na superfície das células, e não a efeitos tóxicos diretos.

Esses resultados indicam que essas nanopartículas são seguras para aplicações biomédicas. Também reforçam a importância de ajustar cuidadosamente a dose e a formulação para garantir que elas atuem de forma seletiva, maximizando o efeito terapêutico sem comprometer tecidos normais.

Imagem de microscopia das células: a) Glioblastoma humano b) Glioblastoma murino c) Queratinócitos humanos. Fonte: acervo pessoal.

Recobrir para melhorar

Um dos desafios no uso de nanopartículas magnéticas é evitar que se aglomerem, o que pode reduzir sua eficácia e gerar efeitos indesejados. Para contornar o problema, recobrimos as partículas com dodecil sulfato de sódio, um surfactante também presente em produtos de uso cotidiano, como detergentes.

Observamos, pela primeira vez, que esse recobrimento forma uma camada protetora que aumenta a estabilidade das partículas em solução. Surpreendentemente, em algumas amostras, a magnetização até aumentou após a funcionalização, ampliando o potencial de aplicação.

Acreditamos que esse tipo de recobrimento poderá ser útil, no futuro, na remoção de metais pesados (como chumbo, cádmio e mercúrio) de águas e solos contaminados. Esse resultado mostra que o mesmo nanomaterial pode ser versátil, atuando tanto em biomedicina quanto em aplicações ambientais.

Perspectivas futuras

A produção nacional dessas nanopartículas pode tornar as tecnologias mais acessíveis no Brasil e em outros países em desenvolvimento. O método que propomos é simples e econômico. Isso favorece tanto a viabilidade de terapias como a hipertermia magnética no contexto de saúde pública, quanto a aplicação ambiental. Os materiais necessários e o método de produção permitem uma produção local, e são um passo para democratizar o acesso à nanotecnologia.

Acreditamos que essa linha de pesquisa caminha para uma consolidação em aplicações práticas. Na biomedicina, devem ganhar espaço em terapias combinadas, unindo hipertermia e entrega controlada de medicamentos. No campo ambiental, devem ganhar espaço como adsorventes eficientes para metais pesados e contaminantes. Além disso, avanços em síntese e funcionalização podem gerar materiais híbridos multifuncionais, ampliando as possibilidades de aplicações em sensores e dispositivos eletrônicos.

A nanotecnologia ainda é uma área recente e muitas pessoas ainda desconhecem o seu real significado e relevância. Por isso, a divulgação científica é fundamental para que a sociedade compreenda e valorize seu potencial transformador.

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