Uma nanopartícula, sintetizada a partir de um componente do exoesqueleto de um crustáceo, capaz de encapsular uma substância natural que induz o crescimento de plantas e regula a perda de água pelas folhas. O resultado? Mudas maiores e mais resistentes à seca.
Pode parecer ficção científica, mas não é. Trata-se de uma das muitas possibilidades reais do uso de Soluções Baseadas na Natureza, combinadas à ciência dos materiais e nanotecnologia, na resposta a desafios cruciais que enfrentamos hoje, como as mudanças climáticas, a insegurança alimentar ou a perda de biodiversidade.
Em um planeta em transformação, onde as atividades humanas aceleram as mudanças climáticas e destroem habitats naturais, inovar é crucial. Para reverter os efeitos do desmatamento e proteger nossos ecossistemas, Soluções Baseadas na Natureza são essenciais. Mas, afinal, o que são essas soluções e como elas podem mitigar os impactos climáticos?
Soluções Baseadas na Natureza
A União Internacional para a Conservação da Natureza define Soluções Baseadas na Natureza (SbN) como ações que têm por finalidade “proteger, gerenciar de maneira sustentável e recuperar ecossistemas naturais ou modificados”. Elas abordam “de forma eficaz e adaptativa os desafios da sociedade, promovendo o bem-estar humano e os benefícios da biodiversidade”.
O objetivo central das Soluções Baseadas na Natureza é promover a resiliência dos ecossistemas, restabelecer o equilíbrio ambiental e mitigar os impactos das mudanças climáticas. Elas transcendem a mera proteção ambiental, gerando impactos positivos em comunidades humanas.
No setor agrícola, a adoção de inimigos naturais e de compostos botânicos em substituição a pesticidas químicos exemplifica uma Solução Baseada na Natureza eficaz para controlar pragas, minimizando efeitos adversos ao meio ambiente e à saúde humana.
Inovação em restauração florestal
Embora o reflorestamento seja uma Solução Baseada na Natureza essencial para a mitigação das mudanças climáticas, ele, por si só, não é suficiente. É imperativo adotar práticas mais sustentáveis para reduzir as emissões de CO2 e explorar novas formas de sequestro de carbono. Contudo, o reflorestamento desempenha um papel inegavelmente crucial e outras Soluções Baseadas na Natureza podem ajudar nesse processo.
Um projeto colaborativo entre Brasil, França e Alemanha chamado RESTORE (natuRe-basEd SoluTions to imprOve REforestation), aprovado no âmbito da chamada BiodivClim da Biodiversa+, concentra-se no desenvolvimento de Soluções Baseadas na Natureza para a restauração florestal.
No Estado do Paraná, ele compõe um Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI Biodiversidade), financiado pela Fundação Araucária. Nele, têm sido exploradas abordagens inovadoras, como o uso de microrganismos associativos de plantas, que impulsionam o crescimento e aumentam a resistência a estresses abióticos (que são condições ambientais desfavoráveis, como a seca).
Em uma floresta, as plantas se associam a microrganismos benéficos, que podem fornecer nutrientes ou moléculas que as protegem. O projeto RESTORE visa isolar esses microrganismos de florestas nativas, cultivá-los em meios in vitro e realizar sua caracterização.
O propósito é garantir a ausência de patogenicidade (que é a capacidade de um agente biológico, como um microrganismo, causar doença em um hospedeiro) e determinar suas características funcionais, como a promoção do crescimento vegetal e a indução de resistência a estresses abióticos.
Os resultados do projeto vêm demonstrando que mudas inoculadas com bactérias associativas apresentaram um crescimento significativamente superior em relação às não inoculadas, resultando em maior capacidade de sequestro de carbono e resistência à seca.
Ciência dos materiais e nanotecnologia: aliados na sustentabilidade
Para impulsionar o crescimento e a resistência das plantas, podem ser adotadas estratégias complementares, como o uso de reguladores do crescimento vegetal produzidos pelas próprias plantas para resistir a estresses abióticos. Essas moléculas podem ser associadas a nanomateriais, que, devido ao seu tamanho diminuto, interagem eficientemente com as células vegetais.
Ao encapsular reguladores do crescimento em nanopartículas, garantem-se a liberação gradual, a proteção contra degradação e a melhor absorção pelas plantas, otimizando a indução de respostas de proteção contra estresses.
Um exemplo notável é o uso de nanopartículas de quitosana, um polímero biodegradável e biocompatível que é sintetizado a partir da quitina. A quitina é encontrada no exoesqueleto de insetos, crustáceos e também na parede celular de fungos.
Pode-se usar esse polímero natural para fazer uma nanopartícula e encapsular doadores de óxido nítrico (NO), uma molécula sinalizadora crucial para as plantas. As moléculas sinalizadoras transmitem informações de fora da célula para dentro, permitindo que a célula responda a estímulos.
O tratamento de mudas arbóreas com doadores de NO nanoencapsulados tem se mostrado efetivo em induzir o desenvolvimento das raízes e regular a perda de água pelas folhas de mudas arbóreas, melhorando a resistência à seca.
Dessa forma, a ciência dos materiais também se destaca como uma aliada poderosa na busca por soluções sustentáveis.
Do laboratório ao campo
O próximo passo crucial do projeto é avançar para a produção em larga escala de inoculantes e biomateriais. Atualmente, essas abordagens têm sido testadas em laboratório, estufas e viveiros, mas o desafio reside na expansão para volumes industriais e na validação dessas tecnologias em condições reais de campo.
Paralelamente, é fundamental comunicar os benefícios dessas Soluções Baseadas na Natureza à sociedade e ao setor produtivo, especialmente no Brasil, onde o uso de compostos sintéticos — os famosos agrotóxicos — ainda é prevalente.