Grande mercado de Niamey. Captura de tela do canal Sky Travel no YouTube.
O francês, designado como língua oficial do Níger no período colonial, perdeu esse status em março de 2025, quando o hauçá foi declarado o novo idioma oficial. A decisão gerou reações negativas na sociedade nigerina, sobretudo em meio ao agravamento das tensões diplomáticas com a França.
Em 17 de março de 2025, Níger e Burkina Faso anunciaram a saída da Organização Internacional da Francofonia (OIF). No dia seguinte, Mali seguiu o exemplo. Como Níger e Mali foram países fundadores da organização, a decisão dos três, também integrantes da Aliança dos Estados do Sahel, representou mais um golpe para a instituição.
O Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria, que governa as instituições do Níger desde o golpe de 26 de julho de 2023, publicou em sua conta no X:
🔴Retrait du Niger de l’Organisation Internationale de la Francophonie pic.twitter.com/yrX9vAeN0Y
— Conseil National pour la Sauvegarde de la Patrie (@NIGER_CNSP) March 17, 2025
🔴 Saída do Níger da Organização Internacional da Francofonia pic.twitter.com/yrX9vAeN0Y
Tenho a honra de informar que, por meio da Nota Verbal nº 003304/MAE/C/NE/CAB/M, de 7 de março de 2025, o governo do Níger tomou a decisão soberana de retirar-se da Organização Internacional da Francofonia (OIF).
Agradeço que compartilhem esta informação com as autoridades competentes de seus respectivos países.
Alguns dias após o anúncio, as autoridades militares do Níger decidiram aprofundar o rompimento com a França. O francês foi mantido apenas como idioma de trabalho, enquanto o hauçá foi declarado a língua oficial. Somente 13% da população fala francês.
Afastando-se da herança colonial
Embora 11 línguas sejam reconhecidas como nacionais no país, o hauçá é utilizado por 47% dos 27 milhões de habitantes, pouco menos da metade da população. Para Ismael, jovem estudante da Universidade Abdou Moumouni, em Niamey, capital do Níger, esse dado justifica a promoção do idioma ao status de oficial. Em entrevista à Global Voices, via WhatsApp, explicou:
Je ne peux pas remettre en question cette décision des autorités. Nous avons plusieurs langues parlées dans notre pays mais elles ont juste le statut de langues nationales, alors qu’elles enregistrent plus de locuteurs que le français. D’ailleurs cette langue coloniale n’est parlée que par moins de 15% des Nigériens. C’est une reconnaissance à la langue haoussa qui est parlée et comprise par beaucoup de personnes dans le pays.
Não posso contestar a decisão das autoridades. Diversos idiomas são falados em nosso país, mas permanecem apenas como línguas nacionais, mesmo quando superam o francês em número de usuários. Além disso, menos de 15% dominam o idioma colonial. A medida representa um reconhecimento do hauçá, falado e compreendido por grande parte da população.
Para Ibrahima Amadou (nome fictício), também entrevistada via WhatsApp, a decisão faz parte da afirmação contínua de soberania pelos novos líderes do país. Segundo ela, eles iniciaram um processo de soberania nacional plena e, por isso, tomam decisões para justificar suas ações.
Le concept de souveraineté doit être assumé sur tous les plans. Ils ne peuvent pas dénoncer des pratiques coloniales et garder le français, une langue coloniale qui nous a été imposée, comme langue nationale. Donner à la langue haoussa le statut de langue officielle est justifié.
O conceito de soberania deve ser afirmado em todos os níveis. Não se pode condenar práticas coloniais e, ao mesmo tempo, manter o francês como língua oficial, já que foi um idioma imposto durante o período colonial. Assim, é justificável conceder ao hauçá o status de língua oficial.
No X, a African Stream manifestou apoio à decisão do Níger:
NIGER SAYS ‘GOODBYE FRENCH,
HELLO HAUSA!’Niger has broken free from another colonial chain — the French language — by adopting Hausa as the country’s new national idiom. Hausa is indigenous to, and widely spoken in, West Africa. Along with fellow Alliance of Sahel States. members Burkina Faso and Mali, Niger also recently ditched the body representing La Francophonie — i.e., the ‘French speaking’ world (or rather, those parts of the world that had French imposed on them by colonial France). Hausa is one of the most commonly spoken African languages. More Nigeriens speak Hausa than French. In 2012, only 20 percent of Nigeriens were literate in French. Switching to Hausa is a powerful affirmation of African heritage, identity and sovereignty. pic.twitter.com/hHCiZipnOk
— African Stream (@african_stream) April 10, 2025
Níger diz: “Adeus, francês. Bem-vindo, hauçá!”
Ao adotar o hauçá como novo idioma nacional, o Níger se libertou de mais um jugo colonial: a língua francesa. O hauçá é amplamente falado na África Ocidental. Junto com Burkina Faso e Mali, membros da Aliança dos Estados do Sahel, o Níger abandonou recentemente a organização que representa a francofonia, ou seja, o conjunto de países e regiões onde o francês foi imposto pela colonização. O hauçá é uma das línguas africanas mais faladas no país, superando o francês em popularidade. Em 2012, apenas 20% da população nigerina dominava o idioma colonial. A decisão de oficializar o hauçá é uma forte afirmação da herança, identidade e soberania africanas. pic.twitter.com/hHCiZipnOk
Um duro golpe para a educação
Embora o uso das línguas nacionais seja incentivado desde a infância, o francês sempre predominou no sistema educacional do país.
Com o aumento no número de crianças e jovens que abandonaram a escola em 2018, o governo decidiu fortalecer o ensino em línguas locais. Em um artigo publicado no jornal francês Le Monde em fevereiro daquele ano, Rabiou Rachida, professora do primeiro ano do ensino fundamental bilíngue, explicou:
En zarma [deuxième langue la plus parlée au Niger avec plus 18% de locuteurs], les enfants comprennent plus facilement et plus vite qu’en français.
Em zarma, segunda língua mais falada do Níger, utilizada por mais de 18% da população, as crianças compreendem os conceitos com mais facilidade e rapidez do que em francês.
A declaração da professora reforça a importância do ensino em línguas locais, posição também defendida pelas autoridades militares que governam atualmente o Níger.
No entanto, Affiz Ousmane, estudante da Universidade Dan Dicko Dankoulodo, em Maradi, no centro do país, afirmou em entrevista à Global Voices, por WhatsApp, que uma mudança rápida no status do francês pode impactar negativamente o sistema educacional:
Le changement est brusque, brutal et c’est l’éducation qui va prendre un coup. Notre système éducatif a toujours été en langue française, surtout le niveau supérieur. Il va falloir réorganiser cela en profondeur pour ne pas faire de victimes.
J’espère vivement que ce changement ne se fera pas de la façon dont les autorités militaires ont rompu les relations avec la France et les institutions internationales auxquelles nous appartenons.
É uma mudança repentina e difícil. A educação sofrerá impacto. Nosso sistema de ensino sempre foi em francês, especialmente nas universidades. Será necessária uma reorganização completa para evitar prejuízos.
Espero sinceramente que a mudança não ocorra da mesma forma que as autoridades militares romperam relações com a França e com as instituições internacionais das quais fazemos parte.
Desde o golpe de 26 de julho de 2023, as relações entre o Níger e a França se deterioraram, provocando profundas transformações na sociedade do país. Em outubro de 2024, autoridades militares começaram a substituir nomes franceses de ruas, monumentos e outros espaços públicos por nomes de pessoas locais, dando a esses lugares uma identidade puramente nigerina.