Caminhando por jardins ou outras áreas verdes, preste atenção nas folhas e ramos das plantas. Nestes locais, você poderá ver umas formas estranhas, que são galhas, muitas vezes citadas como tumores vegetais. A maioria das galhas tem em seu interior um inseto, que é o responsável pela formação desta estrutura que nos chama a atenção não somente pela forma, mas também pela cor e muitas vezes pela presença de pêlos.
Fui apresentada às galhas em uma saída de campo, ainda na graduação. Nem imaginava que, anos mais tarde, teria os mistérios e desafios do desenvolvimento dessas estruturas como base de toda a minha trajetória científica.
Importância das galhas
Estudar as galhas traz descobertas sobre como as plantas crescem e lidam com diferentes formas de estresse. Pense! Elas não podem sair do lugar e fugir deste estresse. Então se adaptam por meio de seu metabolismo. Adaptar-se ao ataque do inseto galhador (responsável pela indução das galhas) demanda uma série de mudanças químicas por parte das plantas.
Estas mudanças químicas levam às mudanças de forma e de cor que são objeto de minhas pesquisas. Imagine descobrir cada passo de como uma espécie de inseto faz para a planta responder aos seus estímulos gerando novas galhas!
Cada diagnose realizada em cada planta hospedeira (a planta onde a galha está), em cada sistema planta-galhador, revela novas possibilidades metabólicas do vegetal. Nos últimos anos, o nosso grupo de pesquisa tem se dedicado ao estudo de galhas em plantas de interesse comercial, exatamente buscando formas de reduzir os danos causados pelos parasitas galhadores às culturas agroflorestais.
E tem mais! Como os galhadores se desenvolvem dentro dos tecidos vegetais e longe dos olhos humanos, muitos são desconhecidos para a ciência. Desta lacuna de conhecimento surgiu um dos destaques das minhas pesquisas, que é a análise da estrutura e forma das galhas (sua morfotipagem), com base em suas formas tridimensionais, o que serve de base para inventários de riqueza e abundância de galhas. Dada a alta biodiversidade e aos poucos taxonomistas especialistas, muitos organismos galhadores permanecem desconhecidos para a ciência.
A identificação de insetos galhadores é parte fundamental da pesquisa. Vejam o caso do Eriogalococcus isaias, que leva o nome de minha família como epíteto específico. Trata-se de pequeninos Hemiptera (parentes das cigarras) identificados pelo professor Christopher Hodgson, do National History Museum of Wales. O dimorfismo sexual destes insetos se revela na forma das galhas, indicando que machos e fêmeas impactam a planta hospedeira, neste caso o Pseudobombax grandiflorum (parente dos hibiscos) de forma diferente.
Já a Pallaeomystela rosaemariae (espécie que também leva parte do meu nome) não tem tal peculiaridade. As galhas induzidas por machos e fêmeas em uma Tibouchina, parente das quaresmeiras, são similares. Percebem como há muitos mistérios envolvidos nestas interações entre plantas e insetos?
Nestes mistérios residem a grande pergunta que buscamos responder: como as galhas, com formas tão diversas, se desenvolvem?. Um de meus artigos publicado em 2015 traz um modelo teórico sobre a cascata de eventos metabólicos em nível celular responsável pela indução e estabelecimento das galhas.
Propusemos que a maior concentração de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs) – que são subprodutos metabólicos tóxicos – nas células em contato com o ovo ou a saliva do inseto indutor é o primeiro gatilho para as mudanças celulares. Na tentativa de manter a homeostase (que é a estabilidade do organismo), a planta hospedeira transloca para o local da oviposição/alimentação da larva uma grande quantidade de polifenóis, que são compostos orgânicos que têm a função de proteger a planta contra os insetos e outros seres. Tanto as EROs quanto os polifenóis são localmente detectados por reações histoquímicas.
Esses polifenóis bloqueiam enzimas oxidativas das auxinas, hormônios vegetais responsáveis pela hipertrofia celular, um dos primeiros sintomas da indução de galhas. Este primeiro sintoma é acompanhado pela maior concentração de citocininas (fitormônios responsáveis pela regulação das divisões celulares) no sítio de indução das galhas, resultando no aumento do número de células do tecido, a hiperplasia tecidual, o segundo sintoma mais comum em galhas.
O desenho metodológico destes artigos iniciou com a recuperação da técnica histoquímica proposta por Leopold e Plumber, em 1961, evidenciando reações de cores diferentes frente a presença de complexos auxinas-fenólicos nos tecidos vegetais. A localização histoquímica é fundamental para determinar os papéis funcionais dos compartimentos citológicos e histológicos especializados das galhas.
Mulheres pelas Veredas
A oportunidade de pesquisar as galhas nas veredas do norte de Minas, junto à equipe do Programa de Pós-Graduação Botânica Aplicada da Unimontes e do Projeto Ecológico de Longa Duração (PELD-VEREDAS) nos trouxe o desafio de criar um Grupo de Trabalho que reunirá Mulheres Veredeiras e Quilombolas.
A inspiração para o grupo veio do Grupo de Trabalho de Mulheres Negras ligado à Liga das Mulheres pelo Oceano e às Black Women in Ecology, Evolution & Marine Science (BWEEMS). A meta é a criação de uma Liga de Mulheres pelas Veredas, ampliando as ações sociais e extensionistas do PELD-VEREDAS.
A ação extensionista traz a aproximação da ciência produzida na academia com o conhecimento das comunidades. Temos então, na criação desta futura liga, a oportunidade de compartilhar vivências e conhecimentos com o propósito de preservar as veredas.
As veredas, enquanto berço das águas, são fundamentais para a manutenção da qualidade de vida das comunidades veredeiras e quilombolas, e têm ainda muitos mistérios científicos a serem revelados. Contudo, estão ameaçadas pelas ações humanas e esperamos, nós mulheres cientistas, unirmo-nos às mulheres veredeiras e quilombolas para juntarmos nossos conhecimentos em prol da preservação.
Produzir conhecimento sobre nossa grande riqueza, a flora, base da produção de uma molécula que nos é vital, o oxigênio, tem um valor inestimável e por vezes negligenciado.
A menina que sonhou ser cientista acordou em 2024 como a primeira mulher autodeclarada negra bolsista 1A do CNPq. A palavra representatividade ganhou contornos mais claros e marcantes em minha trajetória. Divulgar a ciência das plantas e o potencial das cientistas negras segue como meta em minha carreira.