O Big Bang é frequentemente descrito como o nascimento explosivo de nosso Universo – um momento singular em que o espaço, o tempo e a matéria passaram a existir. Mas e se esse não foi o início de fato? E se nosso Universo surgiu de outra coisa – algo mais familiar e radical ao mesmo tempo?
Em um novo artigo publicado no periódico científico Physical Review D, meus colegas e eu propomos uma alternativa surpreendente. Nossos cálculos sugerem que o Big Bang não foi o início de tudo, mas sim o resultado de um esmagamento ou colapso gravitacional que formou um buraco negro muito grande – seguido de um “quique” dentro dele.
Essa ideia, que chamamos de “Universo do buraco negro”, oferece uma visão radicalmente diferente das nossas origens cósmicas, mas está totalmente fundamentada na física e observações conhecidas.
O modelo cosmológico padrão atual, baseado no Big Bang e na inflação cósmica (a ideia de que o Universo primitivo cresceu rapidamente de tamanho), tem sido notavelmente bem-sucedido na explicação da estrutura e da evolução do Universo. Mas isso tem um preço: ele deixa algumas das questões mais fundamentais sem resposta.
Para começar, o modelo do Big Bang começa com uma singularidade – um ponto de densidade infinita onde as leis da física se rompem. Isso não é apenas uma falha técnica; é um problema teórico profundo que sugere que não entendemos de fato o início de tudo.
Para explicar a estrutura em grande escala do Universo, os físicos introduziram uma breve fase de rápida expansão no Universo primitivo chamada inflação cósmica, alimentada por um campo desconhecido com propriedades estranhas. Mais tarde, para explicar a expansão acelerada observada atualmente, eles acrescentaram outro componente “misterioso”: energia escura.
Em resumo, o modelo padrão da Cosmologia funciona bem, mas somente introduzindo novos ingredientes que nunca observamos diretamente. Enquanto isso, as perguntas mais básicas permanecem em aberto: de onde tudo veio? Por que começou dessa forma? E por que o Universo é tão plano, suave e grande?
Novo modelo
Nosso novo modelo aborda essas questões de um ângulo diferente – olhando para dentro em vez de para fora. Em vez de começar com um Universo em expansão e tentar rastrear como ele começou, consideramos o que acontece quando uma coleção de matéria excessivamente densa entra em colapso sob a ação da gravidade.
Esse é um processo conhecido: estrelas colapsam em buracos negros, que estão entre os objetos mais bem compreendidos da física. Mas o que acontece dentro de um buraco negro, além do horizonte de eventos do qual nada pode escapar, continua sendo um mistério.
Em 1965, o físico britânico Roger Penrose provou que, sob condições muito gerais, o colapso gravitacional deve levar a uma singularidade. Esse resultado, aprofundado pelo falecido físico britânico Stephen Hawking e outros, sustenta a ideia de que as singularidades – como a do Big Bang – são inevitáveis.
A ideia ajudou Penrose a ganhar uma parte do Prêmio Nobel de física de 2020 e inspirou o best-seller mundial de Hawking “Uma Breve História do Tempo: Do Big Bang aos Buracos Negros”. Mas há uma ressalva. Esses “teoremas da singularidade” se baseiam na “física clássica” que descreve objetos macroscópicos comuns. Se incluirmos os efeitos da mecânica quântica, que rege o minúsculo microcosmo de átomos e partículas, como devemos fazer em densidades extremas, a história pode mudar.
Em nosso novo artigo, mostramos que o colapso gravitacional não precisa terminar em uma singularidade. Encontramos uma solução analítica exata – um resultado matemático sem aproximações. Nossa matemática mostra que, à medida que nos aproximamos da singularidade potencial, o tamanho do Universo muda como uma função (hiperbólica) do tempo cósmico.
Essa solução matemática simples descreve como uma nuvem de matéria em colapso pode atingir um estado de alta densidade e, em seguida, ricochetear, voltando para fora em uma nova fase de expansão.
Mas por que os teoremas de Penrose proíbem tais resultados? Tudo se resume a uma regra chamada princípio de exclusão quântica de Pauli, que afirma que duas partículas de um tipo conhecido como férmions idênticas não podem ocupar o mesmo estado quântico (como momento angular ou “spin”).
E mostramos que essa regra impede que as partículas na matéria em colapso sejam comprimidas indefinidamente. Como resultado, o colapso é interrompido e revertido. O “quique” não é apenas possível – ele é inevitável sob as condições certas.
Crucialmente, esse quique ocorre inteiramente dentro da estrutura da Relatividade Geral, que se aplica em grandes escalas, como estrelas e galáxias, combinada com os princípios básicos da mecânica quântica – não são necessários campos exóticos, dimensões extras ou física especulativa.
O que emerge do outro lado do quique é um Universo notavelmente parecido com o nosso. Ainda mais surpreendente é o fato de que o repique produz naturalmente as duas fases distintas da expansão acelerada – inflação e energia escura – impulsionadas não por campos hipotéticos, mas pela física do próprio repique.
Previsões testáveis
Um dos pontos fortes desse modelo é que ele faz previsões que podem ser testadas. Ele prevê uma quantidade pequena, mas diferente de zero, de curvatura espacial positiva – o que significa que o Universo não é exatamente “plano”, mas ligeiramente curvado, como a superfície da Terra.
Isso é simplesmente uma relíquia do pequeno excesso de densidade inicial que desencadeou o colapso. Se observações futuras, como a ainda em andamento missão Euclid, confirmarem uma pequena curvatura positiva, isso seria um forte indício de que nosso Universo de fato emergiu de tal quique. Ela também faz previsões sobre a taxa de expansão do Universo atual, algo que já foi verificado.
Esse modelo faz mais do que corrigir problemas técnicos da Cosmologia padrão. Ele também pode lançar nova luz sobre outros mistérios profundos em nossa compreensão do Universo primitivo – como a origem dos buracos negros supermaciços, a natureza da matéria escura ou a formação e evolução hierárquica das galáxias.
Essas questões serão exploradas por futuras missões espaciais, como a Arrakihs, que estudará características difusas, como halos estelares (uma estrutura esférica de estrelas e aglomerados globulares que circundam as galáxias) e galáxias satélites (galáxias menores que orbitam galáxias maiores), que são difíceis de detectar com telescópios tradicionais na Terra e que nos ajudarão a melhor entender a matéria escura e a evolução das galáxias.
Esses fenômenos também podem estar ligados a relíquias de objetos compactos – como buracos negros – que se formaram durante a fase de colapso e sobreviveram ao quique.
O “Universo do buraco negro” também oferece uma nova perspectiva sobre nosso lugar no Cosmos. Nessa estrutura, todo o nosso Universo observável está no interior de um buraco negro formado em um Universo “pai” maior.
Não somos especiais, assim como a Terra não era na visão de mundo geocêntrica que levou Galileu (o astrônomo que sugeriu que a Terra girava em torno do Sol nos séculos XVI e XVII) a ser colocado em prisão domiciliar.
Não estamos testemunhando o nascimento de tudo a partir do nada, mas sim a continuação de um ciclo cósmico – um ciclo moldado pela gravidade, pela mecânica quântica e pelas profundas interconexões entre elas.