Acaba de ser aprovada a Lei nº 15.180/2025, que institui a Política Nacional de Incentivo à Visitação às Unidades de Conservação. Um dos instrumentos previstos é o estabelecimento de diferentes modalidades de parcerias com órgãos públicos e entidades privadas para apoiar o turismo em áreas protegidas.
A nova legislação também autoriza a criação de fundos privados para financiar o lazer e o turismo, o que pode ampliar os investimentos nas unidades de conservação. Porém, sua eficácia dependerá de regulamentação e estruturação dos órgãos gestores, pois esses financiamentos exigem monitoramento contínuo, transparência, participação social e avaliação de impactos.
Segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, o Brasil possui mais de 2,6 milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas federais (34,2%), estaduais (41,3%) e municipais (24,4%). Elas abrangem os sete biomas terrestres brasileiros, além dos marinhos. No entanto, a maioria não possui conselho gestor (67%) nem plano de manejo (77%).
As unidades de conservação são bens públicos de uso especial. É preciso garantir que a visitação reverta benefícios para as comunidades locais, fortaleça a conservação e respeite os valores sociais, culturais e afetivos associados. O reconhecimento da pesquisa científica como um dos instrumentos da política de visitação, previsto na nova lei, é um passo importante nessa direção.
Esse é o foco do trabalho que desenvolvemos junto ao Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas (OPAP), que reúne pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. O plano de trabalho e as equipes envolvidas estão disponíveis em www.opap.com.br.
Parcerias em crescimento, avaliação ainda incipiente
As parcerias entre poder público e iniciativa privada têm avançado na gestão das unidades de conservação brasileiras. As concessões podem envolver investimentos significativos, como no caso do Parque Nacional do Iguaçu, com contrato firmado em 2021, prevendo R$375 milhões em outorga e duração de 30 anos.
Outras modalidades, como as autorizações, favorecem pequenos negócios locais, que oferecem serviços como transporte, alimentação e condução de visitantes. Pesquisas mostram que esse modelo tem potencial para geração de renda, fortalecimento do turismo local e melhoria da experiência dos visitantes.
Em 2025, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) registrou mais de 2.400 prestadores de serviços autorizados em 43 unidades de conservação federais. Essa formalização tem sido acompanhada de iniciativas para estabelecer normas e procedimentos que fortalecem a qualidade da visitação e proteção dos recursos ambientais.
Ainda assim, faltam ferramentas eficazes para monitorar os efeitos das parcerias sobre os ecossistemas, a governança e as comunidades locais. Avaliar esses impactos com rigor técnico e participação social é um desafio urgente.
O que as evidências científicas mostram
Para compreender melhor os efeitos da visitação e propor caminhos de avaliação, conduzimos uma pesquisa em parceria entre os Programas de Pós-Graduação em Meio Ambiente da UERJ e em Ciências da Engenharia Ambiental da USP de São Carlos, publicada na revista Environment, Development and Sustainability. Além disso, equipes do OPAP aprofundaram análises dos impactos ambientais, socioeconômicos, culturais e político-institucionais das parcerias em áreas protegidas. As parcerias estudadas envolvem modelos diversos, com empresas, organizações da sociedade civil, cooperativas, associações, com e sem fins lucrativos, além de parcerias entre entidades públicas.
A partir de revisões da literatura científica, analisamos de que formas a avaliação de impacto ambiental pode apoiar decisões mais informadas sobre o uso público de áreas protegidas. Observamos que o turismo nessas áreas é crescente e tem potencial de mobilizar o apoio público à conservação da biodiversidade. Entre os efeitos positivos mais recorrentes, destacam-se o fortalecimento da infraestrutura, diversificação da oferta turística, geração de empregos e apoio a projetos locais, como ações de educação ambiental e preservação da fauna.
Porém, também observamos uma série de impactos negativos: degradação ambiental por excesso de visitantes, poluição sonora e visual, pressão sobre habitats sensíveis, conflitos territoriais, exclusão de comunidades locais e desigualdade na distribuição de benefícios.
Esses achados reforçam a importância de implementar ferramentas específicas que permitam planejar e monitorar a intensidade desses impactos, estabelecer possíveis relações de causa e efeito da visitação a eventuais danos ambientais, e ajustar continuamente os modelos de parcerias. Também é fundamental avaliar se as estratégias de visitação priorizam apenas o crescimento, ou se realmente contribuem para os objetivos de conservação estabelecidos para as áreas protegidas.
Ciência cidadã: engajamento e monitoramento
Também investigamos como práticas de ciência cidadã podem apoiar a gestão de áreas protegidas. Nessa abordagem, cidadãos participam de diferentes etapas da produção de conhecimento – da pergunta de pesquisa à coleta e disseminação de dados – contribuindo com informações úteis e engajamento social.
As boas práticas do modelo incluem protocolos simples para coleta de dados, compartilhamento de resultados com os participantes, valorização dos saberes locais e incentivos à continuidade das ações no longo prazo. Em contextos de restrição orçamentária e escassez de equipes técnicas, como em muitas unidades brasileiras, a ciência cidadã mostrou-se particularmente promissora. Além de apoiar o monitoramento de impactos, essa abordagem amplia o vínculo afetivo dos visitantes com as áreas protegidas, transformando-os de potenciais ameaças em aliados na conservação.
Aplicação no Parque Estadual da Ilha Anchieta
Baseados nesses princípios, propomos um modelo de avaliação das atividades turísticas e recreativas, testado como uma iniciativa piloto no Parque Estadual da Ilha Anchieta (SP), uma das unidades mais visitadas do estado. A pesquisa envolveu diversos agentes diversos, como gestores, pesquisadores, monitores ambientais, voluntários vinculados ao Programa de Voluntariado do parque, entre outros. Utilizamos questionários aplicados a especialistas e não especialistas e organizamos oficinas participativas.
O processo permitiu identificar os atrativos mais sensíveis aos impactos da visitação e definir graus de prioridade para o seu monitoramento. Também revelamos o forte interesse da comunidade em contribuir na conservação e planejamento turístico. O modelo demonstrou ser viável, replicável e de baixo custo, com base em protocolos já existentes, alinhados ao princípio da ciência cidadã, transparência e gestão baseada em evidências.
Um sistema nacional de monitoramento
Essa pesquisa integra ações mais amplas do OPAP, que coordena a implementação de um sistema nacional de monitoramento das parcerias voltadas à visitação em unidades de conservação. Com apoio do Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a iniciativa está sendo desenvolvida inicialmente em 14 unidades distribuídas por sete estados.
As unidades envolvidas incluem os Parques Nacionais de Anavilhanas (AM), Fernando de Noronha (PE), Serra dos Órgãos (RJ), Tijuca (RJ), Iguaçu (PR), Aparados da Serra (SC/RS), Serra Geral (SC/RS); e os Parques Estaduais de Biribiri (MG), Ibitipoca (MG), Três Picos (RJ), Vila Velha (PR), Ilha de Anchieta (SP), Cantareira (SP) e Alberto Löfgren (SP).
As iniciativas monitoradas representam diferentes estágios de parcerias, do planejamento à implementação. Nas unidades em que as parcerias estão sendo planejadas, a coleta de dados permite estabelecer uma importante linha de base, a partir de evidências científicas.
O projeto desenvolveu a Matriz de Indicadores e Aspectos para Apoiar o Monitoramento das Parcerias para a Visitação em Unidades de Conservação, disponível no site do OPAP. Ela organiza indicadores em cinco dimensões: institucional, ambiental, histórico-cultural, socioeconômica e experiência do visitante, além de aspectos complementares para avaliação e tomada de decisão.
Essa matriz, em versão preliminar, está sendo aplicada e aprimorada de forma participativa por diversas equipes locais treinadas, com coleta de dados em campo, apoio de ferramentas padronizadas e reuniões com gestores, instituições parceiras e conselhos gestores. As informações serão armazenadas em uma base integrada ao Mapeamento de Parcerias em Áreas Protegidas (MAPAP), com acesso público e linguagem acessível.
Nosso objetivo é tornar esse sistema uma referência replicável para a gestão do uso público em áreas protegidas e uma ferramenta de fortalecimento do controle social. Queremos permitir que a sociedade acompanhe os resultados das parcerias, contribuindo para a conservação da biodiversidade, qualidade da experiência do visitante e desenvolvimento socioeconômico.
Caminhos para o futuro
A nova política nacional de visitação representa uma oportunidade para fortalecer o turismo e o lazer como instrumentos de conservação, valorização cultural e desenvolvimento. Mas, para que esse potencial se concretize, é preciso respeitar os limites dos ecossistemas, promover justiça socioambiental e assegurar que as políticas públicas sejam bem estruturadas e monitoradas com ampla participação social.
A visitação pode ser uma aliada da conservação quando planejada de forma participativa, conduzida com transparência e monitorada adequadamente. Ao integrar ciência, políticas públicas e engajamento social, ampliamos o conhecimento e a capacidade de proteger nosso patrimônio natural.
A divulgação deste artigo tem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).