Em 31 de maio de 2023, a União Europeia (UE) adotou o Regulamento Sobre Produtos Livres de Desmatamento, conhecida pela sigla em inglês EUDR. Segundo a Comissão Europeia, a ausência de uma regulamentação eficaz poderia resultar, até 2030, em um desmatamento anual estimado em 248 mil hectares, área equivalente ao território de Luxemburgo. O objetivo da EUDR seria reduzir o impacto da UE no desmatamento, na degradação florestal globais e na perda de biodiversidade.
De acordo com a UE, o regulamento contribui para o alcance da neutralidade climática e para a redução das emissões de CO₂, em consonância com compromissos internacionais, como o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu, conhecido como “Green Deal”.
Com as novas regras, passa a ser regulada a entrada de sete produtos de base (carne bovina, café, cacau, soja, madeira, óleo de palma e borracha) e seus derivados. Para alcançar tais metas, o EUDR impõe deveres a operadores e comerciantes (com exceções para micro, pequenas e médias empresas), que fazem chegar esses produtos ao mercado europeu. Os deveres se estruturam em três etapas:
1 – Coleta de informações, incluindo a geolocalização das áreas de produção, com vistas a demonstrar conformidade com o regulamento (art. 9);
2 – Avaliação dos riscos associados à produção e à cadeia de suprimento (art. 10);
3 – Adoção de medidas para mitigação dos riscos identificados (art. 11).
Dever de diligência colide com Direito Internacional Ambiental
Todo esse processo faz parte de uma obrigação conhecida como dever de diligência. No contexto do EUDR, o dever de diligência significa que as empresas devem monitorar os seus fornecedores para garantir que os produtos, ou seus derivados, não estejam ligados ao desmatamento. Uma empresa brasileira que exporta café para o mercado europeu precisa garantir que a fazenda de onde vem o produto não esteja envolvida em desmatamento ilegal.
Se, por um lado, o Regulamento Antidesmatamento da UE representa um instrumento relevante no combate ao desmatamento ilegal, por outro ele colide com princípios consagrados do Direito Internacional Ambiental que buscam preservar os interesses dos Estados em desenvolvimento do Sul Global, como o Brasil.
Por se aplicar a operadores e comerciantes estabelecidos fora do território da União Europeia (art. 7), o EUDR tem um efeito extraterritorial, afetando países não membros que sequer foram consultados. Empresas brasileiras que fornecem produtos abrangidos pelo regulamento precisarão adaptar seus modos de produção para atender requisitos de uma norma de origem estrangeira. Ou seja, o EUDR passa a impor obrigações e responsabilidades a empresas brasileiras.
Tal extraterritorialidade está em potencial contradição com o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, um dos pilares do Direito Internacional Ambiental. Esse princípio estabelece que os Estados possuem obrigações ambientais diferenciadas, conforme suas contribuições históricas para a degradação ambiental, bem como com base em suas capacidades financeiras, tecnológicas e institucionais. Ele está expressamente consagrado no Acordo de Paris (art. 2, §2º; art. 4, §3º) e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima de 1992 (art. 3, §1º; art. 4, §1º).
Encargos recaem sobre agentes menos responsáveis pelas emissões
O EUDR, no entanto, inverte essa lógica, ao transferir os custos do cumprimento normativo — como a implementação de mecanismos de rastreabilidade, monitoramento de cadeias produtivas e auditorias externas — para empresas de países em desenvolvimento, como o Brasil. Ou seja, os encargos do dever de diligência recaem sobre agentes econômicos historicamente menos responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa e com menor capacidade institucional de adaptação.
Como consequência, as empresas desses países que exportam produtos de base à UE poderão ser estruturalmente desfavorecidas em relação a empresas europeias, que dispõem de maior familiaridade e capacidade de adequação às normas da UE. Além disso, tais empresas também ficarão em desvantagem competitiva frente a outras empresas nacionais, que não estejam inseridas no mercado europeu e, portanto, não submetidas às exigências do EUDR. Cria-se, assim, um duplo padrão de concorrência que penaliza exportadores do Sul Global
A natureza unilateral da medida também se manifesta na competência que a União Europeia atribuiu a si própria para classificar os países conforme o nível de risco — alto, médio ou baixo — em relação ao desmatamento. Desta forma, o Brasil foi classificado pela UE como um país de risco médio por meio de uma decisão unilateral.
Ao buscar combater o desmatamento importado por meio de produtos em seu território, a União Europeia exporta sua regulação, impondo-a a empresas localizadas fora de sua jurisdição. Tal postura levanta questionamentos quanto à legitimidade das ações unilaterais adotadas pela UE em nome da proteção ambiental.