“Hv” da artista Ilana Bar. Imagem: Divulgação/Fair use
Esse texto, escrito por Anna Ortega, foi publicado originalmente no site do Nonada Jornalismo, em 18 de julho de 2024. Ele é republicado aqui em acordo de parceria com o Global Voices e com edições. Imagens dos trabalhos citados estão disponíveis na publicação original.
Em 2012, a artista visual Ilana Bar viajou o Brasil registrando em fotografias a realidade de mulheres vítimas de violência sexual. Mais de uma década depois, em 2023, o país registrou 258.941 mulheres vítimas de violência doméstica e 72.454 mulheres e meninas vítimas de estupro, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Durante a realização do trabalho, Bar testemunhou essa realidade de perto. Para além das imagens que destinou ao projeto do Museu da Pessoa, em São Paulo, ela realizou uma série de imagens autorais, todas com um enquadramento semelhante.
Artistas que trabalham com a temática da violência contra as mulheres têm o poder sensibilizar, para além dos números e estatísticas estarrecedores. O Nonada reuniu trabalhos que usam a arte para evidenciar as diversas violências que mulheres cis, trans, meninas e crianças sofrem diariamente na América Latina.
Vermelho como palavra ainda é uma cor fantasma (2018), de Livia Aquino
A pergunta de um general diante de Lázara, vítima de violência sexual, é agigantada em neon vermelho. A fala é citada no relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2014. Segundo a própria artista explica em seu site, “esse é um trabalho que está na urgência do ainda, em um país que não consegue se libertar de algumas ditaduras – as da política e as do corpo.”
Aquino é pesquisadora do campo da cultura e das artes visuais, professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e artista. Sua prática opera conexões entre a imagem, a escrita e a leitura, explorando seus significados e os sentidos que produzem no espaço e com o outro.
Não estuprarás (2017-), de Regina Galindo
Em No Violarás, agora traduzido para o português, a artista Regina Galindo, nascida na Guatemala, cria o 11º mandamento como um necessário enunciado a ser alertado, propagado e difundido na paisagem e no espaço público continuamente.
Galindo é artista visual e poetisa, que tem como principal meio a performance. Ela vive e trabalha na Guatemala, usando o seu próprio contexto como ponto de partida para explorar e denunciar as implicações éticas da violência social e das injustiças relacionadas com a discriminação racial e de género, bem como os abusos dos direitos humanos decorrentes das desigualdades endémicas nas relações de poder.
Silueta de Cohetes (1976), de Ana Mendieta
A artista cubana Ana Mendieta marcou a história com seus trabalhos inovadores em fotografia, filme, vídeo, desenho, escultura e instalações site-specific, antes de uma morte repentina, com suspeita de feminicídio, em 1985.
Os principais temas do seu trabalho são ligados ao corpo da mulher, às violências físicas e subjetivas, o aborto, o exílio, o deslocamento. Seu híbrido único de forma e documentação, obras que intitulou de “siluetas”, são traços fugitivos e potentes da inscrição da artista de seu corpo na paisagem, muitas vezes transformado por elementos naturais como o fogo e a água.
Em 2023, ela teve em uma mostra inédita na América Latina, a exposição Ana Mendieta: Silhueta em Fogo, uma jornada profunda por suas obras, cujo legado está mais vivo do que nunca.
Algún día saldré de aquí (2014-2021), de Fátima Pecci Carou
Apresentado na 12ª Bienal do Mercosul, Algún día saldré de aquí reúne os rostos de 200 mulheres cis e trans na Argentina, vítimas de feminicídio. Para a curadora da bienal, Andrea Giunta, a série continua no presente, porque a violência e os feminicídios não param. ”A violência contra corpos femininos e feminilizados é cotidiana”, escreve ela.
Os retratos fazem parte de fotografias de organizações que buscam essas pessoas e que são divulgadas em redes sociais e veículos de comunicação.
Carou é pintora e nasceu em Buenos Aires em 1984. Seu trabalho visual é composto por pinturas que dialogam com arquivos da internet, citações da história da arte e imagens populares numa perspectiva política e feminista. Graduado em Artes Visuais (Universidad Museo Social Argentino) e estudante de História da Arte (UBA).
Sapatos vermelhos (2009 -), de Elina Chauvet
Red Shoes é um projeto de arte pública e relacional, que assume a forma de uma instalação, composta por centenas de pares de sapatos vermelhos, para dizer basta à violência de gênero. Cada par é tingido de vermelho e representa uma mulher vítima de feminicídio ou desaparecida. O trabalho iniciou em 2009 em Ciudad Juárez, no México, local onde foi cunhado o termo feminicídio (assassinato de mulheres pelo gênero).
A artista denuncia o assassinato de mulheres na região desde a década de 1990, bem como os atuais desaparecimentos e feminicídios no México. O trabalho viaja conceitualmente, para criar redes de solidariedade que eduquem e continuem trabalhando o tema. A obra culmina com a instalação dos calçados no espaço público. Zapatos Rojos já chegou a diversas cidades da Europa, América Latina, México e Estados Unidos.
Consagrada (2021), de Panmela Castro
Originalmente pichadora do subúrbio do Rio, Panmela Castro interessou-se pelo diálogo que seu corpo feminino marginalizado estabelecia com a urbe, dedicando-se a construir obras a partir de experiências pessoais, em busca de uma afetividade recíproca com o outro de experiência similar. Sua obra já foi exposta em museus ao redor do mundo, como o Stedelijk Museum em Amsterdã, e faz parte de importantes coleções.
Sobrevivente de violência doméstica, Panmela desenvolve há quase 20 anos projetos de arte e educação para conscientizar sobre os direitos das mulheres, especialmente por meio da Rede NAMI – Rede Feminista de Arte Urbana, associação criada por ela.
Mulher trans eliminada ou O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo! (2015), de Ros4 Luz
Mulher trans, negra, artista, rapper, youtuber, comunicadora, a pesquisa de Ros4 Luz perpassa um trabalho multimídia para a construção de novas narrativas e quebra de paradigmas hegemônicos.
Em uma sociedade racista, transfóbica, heteronormativa e elitista, sua obra tensiona o sistema, a partir de seu corpo dissidente, de versos e rimas, com vídeos, performances e séries fotográficas expostas em instituições como MAM de São Paulo (Museu de Arte Moderna) e MASP (Museu de Artes de São Paulo). Uma residência artística no Reino Unido faz parte dessa construção artística.
Ela cursou Teoria, Crítica e História da Arte na Universidade de Brasília (UnB).
El Tendedero (1978 -), de Monica Mayer
Desde 1978, a pioneira artista feminista Mónica Mayer pergunta: “Como mulher, o que mais detesto na cidade é…”. Diante de um varal de roupas, objeto significativo na história da esfera doméstica, o público pode expressar em post-its cor-de-rosa suas experiências, muitas vezes relacionadas às violências sofridas nas ruas.
Mayer estudou artes visuais na Escola Nacional de Artes Plásticas da Universidade Autônoma do México (UNAM) e obteve o mestrado em sociologia da arte no Goddard College.
O seu trabalho gráfico, os seus desenhos e as suas performances têm sido apresentados desde os anos 1970 em espaços independentes e oficiais, nacionais e internacionais. O projeto da artista segue sendo replicado por artistas em outros lugares do mundo.
Hv (2012), de Ilana Bar
No cenário de diversas regiões brasileiras, a artista e fotógrafa Ilana Bar fotografa em um enquadramento específico, pessoas que passaram por abusos sexuais na infância/adolescência. Artista, fotógrafa e pesquisadora, bacharel em fotografia pelo Centro Universitário Senac e mestra em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo (USP), ela trabalha entre as cidades de Atibaia e São Paulo.
Seus projetos e pesquisas envolvem o universo familiar, laços afetivos entre pessoas e espaços. Em um deles, Hv (sigla para “histórias de vida”), a artista viu números da violência de gênero de perto, fotografando pessoas atravessadas por ela, para um projeto do Museu da Pessoa.
Bar subverte o flash. O equipamento, em geral utilizado para iluminar, com ela, serve para proteger quem necessita ter a identidade preservada. Por outro lado, o excesso de luz na imagem pode franzir os olhos de quem vê. “Ao mesmo tempo em que protege a identidade, também é importante para que olhemos para a questão da violência como um problema social. É um problema enorme e de todos. Não só de um indivíduo”, contou ao Nonada.