Ad image

Novo papa reúne atributos que podem ampliar influência diplomática do Vaticano na geopolítica mundial

7 Leitura mínima
Novo papa reúne atributos que podem ampliar influência diplomática do Vaticano na geopolítica mundial

O início do pontificado de Leão XIV coincide com um dos períodos mais tensos da política internacional desde o fim da Guerra Fria. O cenário é marcado pela sobreposição de crises: um conflito armado prolongado em território europeu, que expõe o esgotamento dos mecanismos tradicionais de dissuasão; a radicalização da violência no Oriente Médio; a fragmentação institucional no Sahel africano; e a escalada retórica e militar no Indo-Pacífico, onde as tensões em torno de Taiwan e do Mar do Sul da China desafiam a estabilidade regional e a legitimidade do sistema internacional vigente.

Neste ambiente saturado de rivalidades geopolíticas, a figura do Papa — e, em particular, a de Leão XIV — emerge como um ator com potencial real de influência política. Afinal, a relevância da Santa Sé no cenário geopolítico não se ancora na força militar ou no poder econômico, mas em sua autoridade moral e na capacidade de mobilizar uma linguagem ética capaz de tensionar narrativas dominantes e catalisar demandas por justiça e reconciliação. Essa ascendência também não se exerce de forma abstrata, mas por meio da ação de seu líder específico, dotado de trajetória, discurso e discernimento próprios – e uma audiência de mais de um bilhão de fiéis.

A interconexão entre o Norte e o Sul global

Leão XIV, primeiro pontífice nascido nos Estados Unidos, com formação agostiniana e experiência pastoral na América Latina, reúne atributos que ampliam sua capacidade de interlocução entre o Norte e o Sul global. Sua trajetória transita por realidades contrastantes do sistema internacional, o que pode lhe conferir condições para dialogar com lideranças de potências nucleares, como Estados Unidos, Rússia e China, mas também com atores geopolítica e simbolicamente marginalizados, como é o caso dos países latino-americanos e da África.

O novo Papa parece, em suma, uma liderança que saberá navegar entre diferentes agendas e que permite supor estar apta a traduzir preocupações distintas em uma linguagem comum. Além disso, sua atuação deverá ultrapassar a infraestrutura diplomática da Santa Sé, com representação em 184 países. O que sustentará a projeção de Leão XIV será a sua credibilidade pessoal, ancorada em discursos alinhados a valores universais e na autoridade simbólica associada à figura do Papa.

Munido de capital sagrado — formado por referências históricas, práticas e continuidade institucional — Leão XIV poderá influenciar o debate internacional por meio de discursos, mensagens e gestos diplomáticos. Essa autoridade poderá incidir sobre percepções e orientar posicionamentos em temas sensíveis. Em contextos de disputas assimétricas ou dilemas morais, sua atuação poderá legitimar alternativas fora da lógica estratégica dominante.

Por isso, compreender a projeção internacional do Papa Leão XIV exige um deslocamento analítico que valoriza a agência individual em contextos de disputa e negociação. Sua atuação não se apoia em meios coercitivos ou em aparato estatal, mas na autoridade simbólica que decorre de práticas institucionais, reconhecimento social e continuidade histórica. Esse tipo de liderança atua de forma indireta, influenciando discursos, moldando percepções e legitimando alternativas que não seguem a lógica da dissuasão.

Em situações marcadas por conflitos, bloqueios diplomáticos ou dilemas éticos, sua presença pode deslocar o eixo do debate e introduzir referências normativas em espaços geralmente orientados por cálculos de poder. Leão XIV não impõe decisões por força material, mas intervém por meio de vocabulários que confrontam as lógicas da realpolitik e recolocam valores e princípios no centro da política internacional.

O conceito de paz justa

Na sua primeira oração dominical, em 11 de maio de 2025, Leão XIV estabeleceu os contornos éticos de seu pontificado. Evocando o fim da Segunda Guerra Mundial e os alertas do século XXI, afirmou: “A tragédia da 2ª Guerra Mundial terminava há 80 anos, no 8 de maio, após ter causado 60 milhões de vítimas; no cenário dramático atual de uma 3ª Guerra Mundial em partes, como mais de uma vez afirmou o Papa Francisco, me dirijo aos grandes do mundo, fazendo o apelo sempre atual: guerra, nunca mais!”

O pronunciamento de Leão XIV, ao clamar por uma “paz autêntica, justa e duradoura”, representa mais do que uma exortação pastoral: é uma intervenção política que pode reposicionar o discurso internacional para além das avaliações que objetivam um resultado geopolítico de soma zero. Ao pedir o cessar-fogo em Gaza, a ajuda humanitária e a proteção dos civis, o Papa reitera a importância da ética na diplomacia, fundamentada na dignidade humana e na justiça.

Esse discurso se articula com o conceito de “paz justa”, formulado por redes católicas e teólogos contemporâneos. Em oposição à tradição da “guerra justa”, a paz justa propõe critérios construtivos para a superação dos conflitos, como justiça restaurativa, participação das vítimas e reconstrução social. Essa visão, ainda que não formalizada como doutrina canônica, vem sendo promovida desde o Concílio Vaticano II e reforçada por iniciativas como Advancing Just Peace e pelo trabalho de Maryann Cusimano Love.

Diplomacia moral x realpolitik

O Papa não atua diretamente nas negociações, mas seu discurso desafia a lógica da realpolitik, que privilegia o interesse nacional e o poder. Ao invés disso, Leão XIV apresenta uma diplomacia moral que, se coerente, pode se tornar referência ética na cena global. Seu apelo ao “milagre da paz” não elimina os obstáculos políticos, mas oferece um contraste metafórico relevante frente ao desprezo às normas internacionais e ao predomínio dos interesses políticos.

Ainda é cedo para afirmar o alcance efetivo que Leão XIV terá na transformação das dinâmicas internacionais. No entanto, seus primeiros pronunciamentos e gestos sinalizam uma inflexão retórica importante: uma diplomacia moral que, ao invés de se conformar com um ambiente conflituoso e de caos, afirma a centralidade da razoabilidade e da compaixão como fundamentos possíveis de uma paz mais perene. Resta saber se esses princípios terão impacto político entre os líderes atuais — mas, por ora, há sinais de que o Papa pode ajudar a mitigar a lógica de hostilidade que define nosso tempo. A se confirmar.

Compartilhe este artigo
Sair da versão mobile