O presidente da World Athletics, Sebastian Coe, anunciou recentemente uma nova regra para as mulheres atletas, exigindo testes genéticos obrigatórios para verificar seu sexo biológico.
Esse teste deve ser feito se os atletas quiserem competir no Campeonato Mundial de Atletismo em setembro, em Tóquio.
A World Athletics informou que todos os atletas que competem como mulheres devem fazer um teste do gene SRY para identificar a presença de um cromossomo Y masculino.
Qualquer atleta cujo teste mostre a presença do gene SRY será proibida de competir na categoria feminina em eventos de elite.
Coe disse que a decisão foi tomada para garantir “a integridade do esporte feminino” com a World Athletics afirmando:
O gene SRY é um substituto confiável para determinar o sexo biológico.
Trata-se de um argumento excessivamente simplista, e que a ciência não apoia. Posso dizer isso com razoável conhecimento de causa, pois há 35 anos venho pesquisando esse e outros genes necessários para o desenvolvimento dos testículos, e fui o descobridor do gene SRY no cromossomo Y humano, em 1990.
Uma breve introdução sobre o desenvolvimento dos testículos e dos ovários
Se um embrião humano tiver cromossomos XY, então, com seis semanas de desenvolvimento, o gene SRY no cromossomo Y aciona uma cascata de eventos envolvendo cerca de 30 genes diferentes que levam à formação dos testículos.
Em termos mais simples, os testículos produzem hormônios, incluindo a testosterona, levando ao desenvolvimento masculino.
Entretanto, se um embrião tiver cromossomos XX, um grupo totalmente diferente de genes entra em ação, os ovários se formam e os hormônios produzidos resultam em uma mulher.
Sabemos que a formação de testículos ou ovários requer uma rede complexa de muitos genes e proteínas que interagem entre si.
Alguns genes promovem o desenvolvimento dos testículos, enquanto outros promovem o desenvolvimento dos ovários.
Outros genes suprimem a formação dos ovários ou antagonizam a formação dos testículos.
Mesmo quando os ovários ou testículos estão totalmente formados, precisamos de outros genes para mantê-los. Esses genes nem sempre funcionam como esperado, afetando o desenvolvimento desses órgãos.
Como isso se relaciona com os testes de sexo de mulheres atletas de elite?
Alterações ou variantes nos muitos genes que regulam o desenvolvimento de um testículo ou ovário podem resultar em inversão de sexo ou em um testículo ou ovário que não funciona.
O que quero dizer com isso?
Se houver uma alteração no gene SRY, de modo que ele não funcione como de costume, a pessoa pode não desenvolver testículos e ser biologicamente do sexo feminino. No entanto, ela carrega cromossomos XY e, de acordo com os testes da World Athletics, seria excluída da competição.
Outros indivíduos XY podem ter um gene SRY funcional, mas são do sexo feminino – com seios e genitália feminina, por exemplo – mas têm testículos internos.
É importante ressaltar que as células dessas pessoas são fisicamente incapazes de responder à testosterona produzida por esses testículos. Mesmo assim, elas receberiam testes SRY positivos e seriam excluídas da competição.
Nos Jogos Olímpicos de 1996 em Atlanta, oito das 3.387 mulheres atletas tinham resultados positivos no teste para um cromossomo Y. Dessas, sete eram resistentes à testosterona.
O teste SRY não é simples
A World Athletics afirma que o gene SRY é um indicador confiável para determinar o sexo biológico. Mas o sexo biológico é muito mais complexo, com características cromossômicas, gonadais (testículo/ovário), hormonais e sexuais secundárias, todas desempenhando um papel.
Usar o SRY para estabelecer o sexo biológico é errado porque tudo o que ele diz é se o gene está presente ou não.
Ele não informa como o SRY está funcionando, se um testículo se formou, se a testosterona é produzida e, em caso afirmativo, se ela pode ser usada pelo corpo.
Outros problemas com o processo de teste SRY
A World Athletics está recomendando que todas as mulheres atletas façam um esfregaço de bochecha ou amostra de sangue para testar a presença de SRY.
Normalmente, a amostra seria enviada a um laboratório que extrairia o DNA e procuraria a presença do gene SRY.
Isso pode ser bastante fácil em países ricos, mas o que acontecerá em nações mais pobres que não têm essas instalações?
É importante observar que esses testes são sensíveis. Se um técnico de laboratório do sexo masculino realizar o teste, ele pode inadvertidamente contaminá-lo com uma única célula da pele e produzir um resultado SRY falso positivo.
Não há orientação sobre como realizar o teste para reduzir o risco de resultados falsos.
A World Athletics também não reconhece os impactos que um resultado positivo no teste teria sobre uma pessoa, que podem ser mais profundos do que apenas a exclusão do esporte.
A World Athletics não mencionou que deveria ser fornecido aconselhamento genético adequado, o que é considerado necessário antes do teste genético e de difícil acesso em muitos países de baixa e média renda.
Eu, juntamente com muitos outros especialistas, persuadi o Comitê Olímpico Internacional a abandonar o uso do SRY para testes de sexo para as Olimpíadas de Sydney de 2000.
Portanto, é muito surpreendente que, 25 anos depois, haja um esforço mal orientado para trazer esse teste de volta.
Considerando todos os problemas descritos acima, o gene SRY não deve ser usado para excluir as mulheres atletas da competição.