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O cenário político da Geórgia permanece instável

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O cenário político da Geórgia permanece instável

Imagem por Arzu Geybullayeva, criada via Canva Pro

Esse artigo foi  publicado inicialmente na OC Media. Uma versão editada é republicada aqui sob um acordo de parceria de conteúdo.

O cenário político da Geórgia permanece em crise, com protestos em massa face à atual turbulência política, enquanto o partido governista Georgian Dream pressiona com sua agenda repressiva, apesar da crescente oposição interna e externa. As últimas ações do governo incluem um novo departamento de eficiência e a introdução de uma lei sobre agentes estrangeiros baseada na Lei de Registro de Agentes Estrangeiros dos EUA (FARA, na sigla em inglês).

Novo departamento de eficiência do governo enfrenta críticas

Em 31 de março, o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze anunciou a criação do novo departamento com o objetivo de supervisionar e melhorar o desempenho dos setores executivos da Geórgia. O departamento irá expandir o mandato do atual serviço de auditoria do Estado e focará em garantir o uso eficiente dos recursos do governo, especialmente os recursos provenientes dos contribuintes. Autoridades governamentais afirmam que essa iniciativa faz parte de um amplo esforço para combater a corrupção e melhorar o desempenho do setor público.

Entretanto, o nome do departamento levantou suspeitas devido à semelhança surpreendente com o departamento criado durante o atual mandato do presidente dos EUA, Donald Trump, liderado pelo bilionário da tecnologia, Elon Musk.

Mamuka Mdinaradze, membro do partido governista, declarou que o departamento iria monitorar a “eficácia da implementação das decisões” nos ministérios e em suas agências subordinadas, enfatizando a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa das despesas do governo.

Protestos da oposição e apelos por mudanças políticas

No mesmo dia em que Kobakhidze anunciou os planos para criar a versão georgiana do DOGE, milhares de pessoas se reuniram em Tbilisi para celebrar o 34º aniversário do referendo de independência da Geórgia e, mais uma vez, expressar sua oposição ao governo atual.

Entre os palestrantes do evento estava o ex-presidente Salome Zourabichvili, que propôs a criação de uma “plataforma de resistência” com o objetivo de reunir forças políticas pró-europeias para desafiar o governo do Sonho Georgiano. Zourabichvili, que tem sido uma voz crítica do partido governista desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, enfatizou a necessidade de uma alternativa política ao regime atual, e pediu novas eleições justas e a liberação de todos os prisioneiros de consciência.

O discurso de Zourabichvili foi recebido com reações diversas; os líderes da oposição como Nika GvaramiaPaata Burchuladze criticaram o ex-presidente pelo  fracasso de não ter tomado medidas concretas. Gvaramia, cofundador do partido de oposição Coalizão pela Mudança, ridicularizou o discurso, citando “Hamlet” de Shakespeare para descrevê-lo como “palavras, palavras, palavras”, acusando Zourabichvili de oferecer um pouco mais do que uma retórica vazia. Burchuladze, ex-político e cantor de ópera, foi um pouco mais incisivo, chamando as ações de Zourabichvili de “desviadas” e exigindo uma liderança mais enérgica.

O ex-presidente também foi criticado por não ter pedido a libertação do ex-presidente Mikheil Saakashvili. Ele foi preso pouco depois de retornar do exílio autoimposto em outubro de 2021 com base em uma decisão judicial de 2018, que o considerou culpado de vários crimes de abuso de poder e o sentenciou a seis anos de prisão à revelia.

Zourabichvili foi criticado por não abordar a forma como o governo está lidando com a investigação em curso sobre o Movimento Nacional Unido (MNU), com uma comissão parlamentar encarregada de investigar as ações do partido, apesar dos apelos dos manifestantes para que se pronunciasse sobre a investigação.

Em março, Mamuka Mdinaradze disse que seu partido estava se preparando para apelar à Corte Constitucional e exigir que, tanto o Movimento Nacional Unido (MNU) quanto os outros partidos de oposição, fossem declarados inconstitucionais e, portanto, se tornassem proibidos de participar das eleições.

Lei controversa sobre agentes estrangeiros e restrições aos meios de comunicação social

Além da criação da versão georgiana do DOGE, o Sonho Georgiano também aprovou uma série de leis controversas visando conter a influência estrangeira e endurecendo o controle sobre a sociedade civil e os meios de comunicação social. Em 1º de abril, os deputados do parlamento aprovaram leis restritivas e emendas à Lei de Registro de Agentes Estrangeiros (FARA) e emendas à Lei de Radiodifusão.

A FARA, que substituirá a controversa lei de agentes estrangeiros adotada em maio de 2024, é divulgada pelo partido governista como uma tradução exata da lei americana. O partido governista justifica a necessidade de substituir a lei existente afirmando que um grande número de organizações afetadas se recusam a cumpri-la.

De acordo com a nova lei, um agente estrangeiro é definido como qualquer pessoa (jurídica ou física) que esteja sob controle ou atue sob a direção de uma potência estrangeira e represente o interesse dessa potência estrangeira. Isso significa que, diferente da lei anterior, a lei aprovada na terça-feira, também afetará as pessoas físicas.

O não cumprimento da lei poderá acarretar pena de até cinco anos de prisão, multa de até 10.000 laris georgianos, ou ambas.

Críticos apontaram que enquanto a lei FARA original nos EUA tinha como alvo lobistas e agentes estrangeiros, a versão georgiana parece mais focada em reprimir a dissidência e limitar a influência das organizações da sociedade civil.

As emendas adotadas à Lei de Radiodifusão permitem que o Sonho Georgiano imponha “padrões de cobertura” às emissoras, permitindo essencialmente ao partido governista ditar o conteúdo dos veículos de comunicação. Outra cláusula proíbe as emissoras de aceitarem financiamentos estrangeiros, uma mudança que afetará desproporcionalmente as organizações mediáticas independentes que contam com o apoio estrangeiro.

Além dessas leis, o Sonho Georgiano também aprovou vários outros atos legislativos que já tinham sido iniciados, incluindo a reintrodução do conceito de traição no Código Penal, a eliminação da palavra “gênero” de todas as leis e a exclusão das organizações da sociedade civil dos processos oficiais de tomada de decisão.

O governo tem defendido essas leis, alegando que elas são necessárias para proteger o país das influências externas e preservar a segurança nacional.

A União Europeia discorda. Em 6 de março, o Congresso das Autoridades Locais e Regionais do Conselho da Europa aprovou uma resolução condenando o “retrocesso democrático na Geórgia,” que, de acordo com texto da resolução, afetou a democracia no país. Ao enfatizar que o retrocesso se intensificou depois das eleições parlamentares de 2024, a resolução detalhou que as instituições democráticas se enfraqueceram de forma significativa e se consolidaram nas mãos do partido governista Sonho Georgiano.

Em 2 de abril, em uma declaração conjunta a vice-presidente da Comissão Europeia, Kaja Kallas, e a Comissária para Expansão, Marta Kos, disseram que as novas leis eram “ferramentas adicionais às autoridades georgianas para reprimir a dissidência e endurecer a política de repressão”. Entretanto, Maria Telalian, Diretora do Gabinete da OSCE para Instituições Democráticas e Direitos Humanos (ODIHR),  declarou que a FARA “impacta profundamente o trabalho da sociedade civil e todos os que trabalham na  defesa dos direitos humanos”,  e pediu ao governo para reavaliar a lei.

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