O sexting (anglicismo que se refere ao envio de mensagens com conteúdo erótico-sexual) se tornou uma prática comum entre adolescentes. Em alguns casos, é uma forma de explorar sua identidade e expressar sua sexualidade. Mas, em outros, pode ser resultado de pressão social, levando-os a correr riscos que afetam seu bem-estar. Embora em muitos casos os consideremos nativos digitais, isso não significa necessariamente que eles saibam administrar as tecnologias de forma segura e não violenta.
Basta um único clique para que uma mensagem, imagem ou um vídeo percorra o mundo em questão de segundos, obscurecendo os limites da privacidade. Esse fenômeno representa desafios não apenas para os jovens, mas também para suas famílias, educadores e legisladores de políticas. Portanto, precisamos entender como a percepção do sexting mudou, bem como os dilemas que se levanta em relação ao consentimento e suas consequências em um mundo cada vez mais digital.
Do tabu à normalização: a percepção do ‘sexting’ foi mudando?
Durante anos, a sexualidade foi cercada de tabus e associada ao segredo ou à transgressão de normas sociais entre adultos. No entanto, o uso generalizado de tecnologias de relacionamento, informação e comunicação (TRICs) transformou a maneira como interagimos e começamos a falar sobre sexualidade com mais frequência em ambientes digitais.
Principalmente na adolescência, fase de exploração da identidade e curiosidade sexual, a imagem virtual ganhou grande importância nas relações sociais, e o sexting passou a fazer parte do ecossistema digital adolescente.
O que é ‘sexting’ exatamente?
Os primeiros estudos sobre esse fenômeno o vincularam principalmente ao envio de conteúdo erótico-sexual autoproduzido, ou seja, a mesma pessoa que aparece no material é quem o envia. Mas, com o tempo, as pesquisas ampliaram o foco para outras práticas, como o encaminhamento de material de terceiros sem consentimento.
Embora sua definição ainda seja complexa, em termos gerais podemos entender esse termo como o envio, recebimento ou encaminhamento de mensagens de texto, imagens ou vídeos sexualmente sugestivos ou explícitos por meio de mídia eletrônica. Algumas pesquisas têm até optado por desenvolver ferramentas para avaliar e especificar essa prática, como o questionário SBM-Q, que permite mensurar suas diferentes manifestações e motivações.
‘Sexting’ e o duplo padrão sexual entre meninos e meninas
Uma meta-análise recente, que examinou estudos da Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia, Oriente Médio, América do Sul e África, e envolveu um total de 48.024 adolescentes e jovens adultos, estima que, em média, 19,3% enviam esse tipo de conteúdo, 34,8% o recebem e 14,5% o encaminham sem consentimento.
Mas, além dos números, é importante estar ciente do claro impacto que isso está tendo na dinâmica social, onde parece afetar mais as meninas do que os meninos. Não podemos ignorar o fato de que o duplo padrão sexual continua fazendo a diferença: enquanto os meninos frequentemente recebem validação social por essas práticas, as meninas são frequentemente alvo de críticas e estigmatização pelos mesmos comportamentos. Esse duplo padrão mostra que o risco não está apenas na prática do sexting, mas também na forma como a sociedade o interpreta e o julga com base no gênero.
O dilema do consentimento
O consentimento tornou-se um elemento-chave no sexting. Os adolescentes o consideram fundamental, mas reconhecem que se trata de uma questão complexa e cheia de nuances. Alguns jovens enviam imagens erótico-sexuais simplesmente porque querem, como um sinal de confiança ou intimidade.
Outros, no entanto, o fazem em resposta a pressões externas (de parceiros, amigos ou normas sociais) ou internas (expectativas autoimpostas, necessidade de popularidade ou medo de rejeição). Essa pressão pode ser tão sutil que a pessoa nem percebe totalmente, o que leva ao sexting indesejado. Em outros casos, o material íntimo é encaminhado sem a permissão da pessoa que aparece nele, o que implica em total falta de consentimento.
Então, por que adolescentes, meninos e meninas, praticam sexting? Não há uma resposta única, pois sua decisão é influenciada por uma combinação de aspectos psicossociais. Fatores individuais, como autoestima e necessidade de validação, combinam-se com a influência de grupos de colegas, redes sociais e a percepção de sexting em seu ambiente. Esse conjunto podem, às vezes, levá-los a enviar conteúdo erótico-sexual mesmo quando não querem. Normas de gênero e percepções de popularidade reforçam essa pressão, especialmente para meninas, fazendo com que o envio de material íntimo seja uma forma de satisfazer uma expectativa, e não uma escolha livre.
Quando se trata de encaminhamento não consensual, outros mecanismos como o desvinculação moral e a desinibição tóxica online também entrem em jogo, especialmente entre os meninos. Essas estratégias permitem que eles justifiquem os danos sem se sentirem culpados e minimizem as consequências percebidas de suas ações através da tela, normalizando a violação da privacidade de outras pessoas.
Entre benefícios e riscos: qual é o impacto do ‘sexting’?
Nem tudo é negativo. Para alguns casais jovens, pode fortalecer a intimidade e a confiança, além de ser um meio de autodescoberta e afirmação da identidade sexual. No entanto, às vezes os riscos pesam mais na balança.
Quando não há consentimento, as consequências podem ser devastadoras, psicológica e socialmente, causando ansiedade, depressão, cyberbullying ou julgamento social, entre outros. Além disso, as meninas muitas vezes enfrentam um escrutínio social mais severo, reforçando as desigualdades de gênero presentes nesse fenômeno.
Três perfis comportamentais em torno do sexting
Os primeiros resultados da nossa recente investigação sobre o impacto do sexting, com uma amostra representativa de 3.818 adolescentes e jovens espanhóis entre os 14 e os 25 anos, revelam três perfis comportamentais:
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O perfil de “não envolvimento” agrupa aqueles que não se envolvem em sexting, 58,1% dos adolescentes e jovens.
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O perfil de “envolvimento consensual” corresponde àqueles que participam, principalmente, do envio e recebimento consensuais, 31,5%.
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O perfil de “envolvimento consensual e não consensual” representa aqueles que se envolvem em todos os comportamentos, com e sem consentimento: 10,5%.
Em particular, é este último perfil que apresenta uma pior qualidade de vida e níveis mais elevados de depressão, ansiedade, estresse e crenças sobre padrões sexuais duplos. Isso reflete que, mesmo que tenham experiências consensuais, o envolvimento em sexting não consensual tem um impacto muito maior no bem-estar deles.
Educar sem medo e dialogar livremente
O sexting entre adolescentes é uma realidade que não pode ser ignorada ou reduzida; simples advertências de “não faça isso”. Não se trata de proibir, mas de educar com uma abordagem que combina informação, segurança digital e consciência social. Estratégias preventivas devem se concentrar em promover o pensamento crítico, o consentimento, a ética sexual e o uso responsável da tecnologia, indo além do medo e da punição.
Também é essencial abordar as desigualdades de gênero, evitando culpar as meninas e promovendo uma cultura de equidade no mundo digital. Somente por meio de um diálogo aberto e livre de estigmas podemos ajudar adolescentes e jovens a tomar decisões e construir relacionamentos digitais mais seguros, igualitários e saudáveis.