E assim foi feito. A COP 30 acabou, e os resultados oficiais foram finalmente divulgados. Muitos imaginaram que o encontro dentro da Amazônia perturbaria velhos hábitos da política climática. A proximidade física deveria abalar a gramática financeirizada que continuamos a confundir com política ambiental. No entanto, devemos fazer uma pergunta simples: estivemos realmente dentro da Amazônia?
Quando a floresta tentou sentar-se à mesa que deveria ter presidido, foi vividamente expulsa pelos mesmos hábitos blindados que definem cada COP: zonas estratificadas com ar condicionado, crachás codificados por cores, portões VIP dentro de portões VIP.
E a linguagem voltou instantaneamente à zona de conforto das nações altamente emissoras: valoração, competitividade, finanças combinadas, modernização industrial. A Amazônia tornou-se mais uma vez um livro-razão de “estoques de carbono”, os ecossistemas tornaram-se fluxos de “serviços”, e os rios transformaram-se em canais de custo-benefício. Mesmo pela manifestação mais poderosa da Natureza do mundo, ela foi forçada a um dialeto de mercado antes de ser ouvida.
Em Baku, durante a COP 29, lembro-me de brincar com colegas que a única forma de se obter um acordo ambicioso seria negociar no meio da floresta tropical, com mosquitos, calor, umidade e chuvas fortes. Se as negociações fossem despojadas do conforto hermético, as assinaturas viriam rapidamente. O reflexo de transformar a natureza naquilo que ela não é não é um pecado da ciência climática – mesmo que esta tenha uma jornada pessoal a empreender quando se trata de capturar a “realidade”.
É a herança da ordem econômica pós-guerra e de uma cosmogonia ainda mais antiga que organiza o mundo desde o século XVIII. A COP 30 não é uma anomalia. É a continuação lógica de escolhas inscritas muito antes de a política climática sequer existir.
A Agenda de Ação desta COP recém concluída – com seus eixos de mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação – expõe uma esquizofrenia que já observamos na Europa: a ação climática deve “funcionar como uma economia por si só — uma que desencadeia finanças, tecnologia e capacitação” (UNFCCC 2025. A linguagem é industrial, não ecológica. O discurso de encerramento de Lula manifestou essa contradição, ao tentar encaixar a defesa intransigente da floresta com a “oportunidade” de financiar esse esforço a partir da receita proveniente da perfuração… da foz do Rio Amazonas.
O Momento de Havana: uma oportunidade perdida
Para entender por que Belém – uma metrópole no meio da floresta – conseguiu sediar a COP 30 permanecendo conceitualmente a quilômetros dela, devemos retornar a 1947. À Carta de Havana e ao desejo pós-guerra de criar o que seria a Organização Internacional do Comércio (ITO).
A ITO foi uma rara tentativa de integrar o comércio a direitos trabalhistas, desenvolvimento, controles anti monopólio e espaço de política nacional — especialmente para países que saíam do domínio colonial. Foi um momento em que a equidade poderia ter sido institucionalizada antes da primazia do mercado. Foi o mais próximo que o sistema pós-guerra chegou de disciplinar os mercados sob valores sociais.
O governo dos EUA à época chegou a defendê-la… mas o Congresso a deixou morrer. O Reino Unido resistiu às restrições sobre as preferências imperiais, enquanto outras nações ricas e coloniais jogaram com a ambivalência (como a França, por exemplo). O que surgiu, em vez da ITO, foi o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) que inverteu todo o vetor filosófico planejado: valores sociais e ecológicos foram inseridos nas regras de mercado, em vez de os mercados serem inseridos nos valores. O GATT vigorou até 1995, quando então foi substituído pela atual Organização Mundial do Comércio (OMC), que perpetua essa distorção.
A governança climática de hoje, portanto, nasceu desta arquitetura intelectual, e não na Havana de 1947. As COPs herdam este software. Elas não conseguem pensar fora dele, a menos que o próprio software seja reescrito.
Artigo 6 de Belém: a imaginação industrial em piloto automático
Esta herança é flagrante no Artigo 6 da Declaração de Belém: competitividade, modernização tecnológica, otimização da cadeia de suprimentos, mobilização de finanças. Não pertença ecológica. Não gestão. Mas precisamente a visão de mundo construída na tecnocracia pós-guerra.
A Agenda de Ação da COP 30 reflete isso com uma continuidade quase mecânica: “impulsionar a eficiência”, “impulsionar o investimento”, “criar mercado para produtos verdes” (UNFCCC 2025). Cada um dos seis eixos repetem a mesma gramática operacional:
- descarbonização enquadrada como competitividade:
- ecossistemas reduzidos a “projetos bancáveis”;
- terra e florestas reorganizadas em fluxos e métricas;
- adaptação convertida em portfólios de risco;
- oceanos transformados em ativos de economia azul;
- estabilidade redefinida como atratividade de investimento.
Um café da manhã em Belém
O momento mais marcante não ocorreu nos documentos oficiais, mas durante o café da manhã dos Partidos Verdes, no último dia 19 de novembro. Um deputado verde holandês questionou “quantos trilhões” seriam suficientes para acabar com a crise climática. Isso mostra como a distância entre o que defendem a ecologia e o mercado financeiro tornou-se dolorosamente visível. A valoração se tornou silenciosamente a língua materna da política, e em Belém pôde ser vista abrindo caminho para aqueles que antes a combatiam.
Este não foi um choque moral. Foi epistêmico. Porque no momento em que a natureza é precificada, ela é absorvida pela superestrutura que a precificação exige: métricas, painéis de controle, ferramentas de risco, taxonomias, rotinas de otimização.
Aceitar o vocabulário força a aceitação da visão de mundo que o gera. Algumas vozes resistiram a essa gravidade: Snighda Tiwari (Global Greens) e Chiara Martinelli (CAN) exigiram poder comunitário sobre fundos verdes para um e novos imaginários políticos para o outro. Lena Schilling (deputada do Partido Verde alemão) e Annah Bikouloulou (das Jovens Verdes francesas) pediu a participação indígena na mesa de negociações, tornando-a um poder normativo.
No entanto, foi o poder gravitacional da lógica de investimentos que dominou, mais uma vez, toda a COP.
Aqui reside a questão central: a lógica operacional do sistema define o que conta como “solução”. Simondon chamaria isso de transdução inevitável de um regime metaestável de individuação: a percepção é moldada antes de qualquer política ser elaborada e só pode levar a um certo número de possibilidades, não todas.
Metaforicamente, poderíamos ilustrar o problema da seguinte forma: é irrelevante adicionar novas palavras (uma certa quantidade de dinheiro) a pipelines e processos normativos preventivos, sem antes mudar a gramática, a lógica operacional da ordem financeira e econômica.
Quando redes pensam por nós
Isto ocorre porque ainda nos falta uma compreensão profunda da natureza dos nossos sistemas técnicos. O sistema de governança comporta-se como uma vasta rede técnica cuja normatividade excede a intenção de qualquer ator. Como defendi noutro lugar, o poder não reside nas máquinas ou instituições individualmente, mas na arquitetura que as liga.
Assim, a verdadeira escolha é simples: ou mudar a natureza operacional desta arquitetura ou deixar outras cosmogonias tornarem-se igualmente normativas. Mas devemos parar de fingir que a natureza será “recuperada” através da precificação. Trinta anos de COPs provam o contrário.
Métricas, painéis e taxonomias não representam a realidade; representam e moldam o que tem o direito de aparecer como realidade. O relatório final da COP 30 afirma isto com orgulho: a governança depende de “métricas e taxonomias”, “dinâmica de mercado”, “ferramentas de risco” (UNFCCC 2025. Diz que os ecossistemas são repetidamente enquadrados como locais para “mobilizar investimento”, “implantar ferramentas de risco”, “alinhar métricas” e desbloquear fluxos financeiros (UNFCCC 2025. Não como meios de relações, trabalho, memória, reciprocidade ou e até mesmo presença espiritual.
O aviso da história – da Europa à Amazônia
Na Europa, as transformações industriais falharam sempre que engenheiros e financeiros ignoraram territórios, identidades laborais e narrativas vividas. A OIT (2015) e a OCDE (2019) provaram isto empiricamente. Muitos programas da União Europeia, como o CINTRAN e o TRACER, chegam à mesma conclusão: as transições só são bem-sucedidas quando ancoradas na memória, no apego e nas epistemologias locais.
As comunidades amazônicas enfrentam uma versão muito mais dura desta realidade, ainda mais brutal e violenta, pois é moldada por histórias coloniais, conflitos de terra e injustiça ambiental.
As comunidades que interagem com seus meios sabiam algo que os cientistas tiveram que aprender: tratar a floresta como um ativo é cientificamente ignorante.
Uma floresta não é uma unidade financeira. É um meio de relações, trabalho, memória, espíritos, reciprocidade, papéis de gênero e individuações metaestáveis — nada disso pode ser capturado por abstrações financeiras pobres e simplistas.
Por que a COP30 falhou – e o que deve vir a seguir
A COP30 não falhou por falta de ambição. Falhou porque a imaginação permanece presa em um software civilizacional escrito há muito tempo. O colapso da Carta de Havana aprisionou o mundo na primazia do mercado sobre a pertença ecológica, a eficiência sobre a equidade, a valoração sobre o significado. A COP 30 é simplesmente a continuação dessa escolha.
Precisamos de mais do que reformas. Precisamos reescrever as estruturas imanentes através das quais interpretamos e governamos o mundo vivo. Este é o cerne do arco da Imanência Artificial: não podemos redesenhar nossas relações com os ecossistemas sem redesenhar as operações técnicas com novas cosmogonias que pré-estruturam a percepção e dão espaço para escalas de ação inteiramente diferentes.
No final, sentimo-nos naturais em precificar florestas apenas porque esquecemos nosso lugar dentro delas, quando isso soa como pura loucura para muitos. Recuperar esse lugar – política, tecnológica, filosoficamente – é nossa tarefa mais urgente, e uma que nações indígenas e ativistas tentaram colocar no centro, derrubando o máximo de muros e portas que puderam.
Uma primeira abertura pode surgir em abril de 2026, na Colômbia, na Conferência Internacional inaugural para a Eliminação dos Combustíveis Fósseis. Se a imaginação vai mudar, permanece incerto.
Por fim, deixo a palavra final para Djatchy Ka’a, indígena da tribo Tupinambá, fundador da Ava Amazônia, cuja contribuição fundamenta este artigo:
“A COP30 não falhou por falta de ambição, mas sim por um excesso ganancioso de um certo tipo de ambição. Assistimos à industrialização da natureza a portas fechadas. (…) As negociações climáticas se tornaram a expressão máxima do mapa invertido imposto por invasores que construíram empresas tão grandes que decidiram chamá-las de ‘cidades’. Essas novas empresas urbanas estão causando a extinção das ‘terras livres’. (…) Essas concepções equivocadas expõem o cerne do problema: vender a narrativa do ‘fim do mundo’ para impor as misérias das capitais à floresta — apenas para amplificar a fome do vírus chamado capital.”





