Por Masum Mahbub
Um cessar-fogo foi finalmente assinado. Organizações humanitárias estão intensificando operações para ajudar famílias que enfrentam a fome após quase dois anos de bombardeios e bloqueios incessantes, e o mundo direciona sua atenção para a reconstrução.
Mas a destruição de Gaza não é apenas uma tragédia humanitária. Ela desencadeou um dos desastres ambientais mais graves do século XXI. Dois anos de bombardeios contínuos assolaram bairros, envenenaram o solo e contaminaram a água e o ar. Conforme o mundo se mobiliza para reconstruir, nós devemos compreender que o desafio adiante não é apenas humanitário ou político.
Como líder de uma organização que atua há décadas no cerne da resposta a emergências humanitárias e mudanças climáticas, testemunhei como a degradação ambiental pode devastar comunidades. Contudo, o que estamos vendo em Gaza é algo completamente diferente. Não é apenas o dano colateral da guerra; é a destruição deliberada e sistemática de todo um ambiente.
Trata-se de um ecocídio, usado como arma para tornar a terra inabitável e impossibilitar qualquer futuro para uma sociedade palestina autossuficiente.
Destruição sistemática
Ao longo da última década, os palestinos em Gaza fizeram avanços notáveis em resiliência climática, apesar de um bloqueio sufocante. Gaza havia desenvolvido uma das maiores densidades de painéis solares em telhados do mundo, uma solução popular para uma crise energética fabricada. Eles estavam implementando planos para gerenciar a escassez de água e se adaptar a um clima em aquecimento. Esses esforços eram prova de sua perseverança; no entanto, a campanha militar de Israel apagou esse progresso sistematicamente.
Esses não são atos de guerra fortuitos. A aniquilação de quase 70% das terras agrícolas, a devastação de antigos olivais, a obliteração de tubulações de água e a destruição de todas as cinco estações de tratamento de esgoto são golpes calculados contra os próprios fundamentos da vida.
Quando forças israelenses bombeiam água do mar para túneis subterrâneos, elas correm o risco de causar a contaminação salina permanente do único aquífero significativo de Gaza, a principal fonte de água potável para mais de dois milhões de pessoas. Quando bombas atingem painéis solares instalados nos telhados, elas cortam o acesso a uma fonte vital de energia independente para residências e hospitais.
Um evento ambiental catastrófico
O impacto ambiental se estende muito além das fronteiras de Gaza, criando uma pegada de carbono com consequências globais. Só nos primeiros 60 dias, o conflito gerou um total estimado de 281 mil toneladas métricas de CO₂, mais do que as emissões anuais somadas de mais de 20 das nações mais vulneráveis ao clima do mundo.
Mais de 99% dessas emissões podem ser atribuídas às operações aéreas e terrestres de Israel. E o custo climático continuará por muito tempo após a última bomba cair.
Prevê-se que a reconstrução de Gaza será um evento de grandes proporções com respeito ao carbono. Reconstruir cerca de 100 mil edifícios destruídos pode liberar 30 milhões de toneladas métricas adicionais de CO₂, o equivalente às emissões anuais de um país como a Nova Zelândia.
A fome que se desdobra em Gaza é uma consequência direta desta guerra ambiental. Não se trata de um subproduto do conflito, mas de uma ferramenta. Ao destruir fazendas, aniquilar 70% da frota pesqueira e contaminar fontes de água diariamente com 130 mil metros cúbicos de esgoto não tratado, cria-se a fome. Ao poluir a paisagem com 37 milhões de toneladas de detritos tóxicos e munições não detonadas, transforma-se a própria terra em uma ameaça aos habitantes. O ar está carregado de concreto pulverizado, amianto e metais pesados. Com dezenas de milhares de corpos em decomposição sob os escombros, patógenos continuarão a contaminar o solo e o lençol freático por anos.
Como tornar Gaza habitável novamente?
O custo de reconstruir Gaza é, portanto, diferente de tudo o que já enfrentamos. Vai muito além de tijolos e argamassa. Como se descontamina um aquífero inteiro? Como se restaura a camada superficial de um solo que tem sido sistematicamente destruído e envenenado por fósforo branco? Como se removem milhões de toneladas de detritos contaminados por substâncias cancerígenas?
Tornar Gaza habitável novamente exigirá um esforço global em uma escala sem precedentes, focado não apenas na infraestrutura, mas também numa profunda restauração ecológica.
Reconstruir Gaza não só testará nossa compaixão, como também nossa consciência coletiva. O cessar-fogo pode ter silenciado as bombas, mas não pôs um fim aos danos causados à terra, à água ou à atmosfera que todos compartilhamos. O que acontecerá a seguir nos mostrará se o mundo aprendeu algo com esta catástrofe.
Podemos reconstruir muros e estradas, ou podemos reconstruir com responsabilidade, tratando o ambiente de Gaza e responsabilizando aqueles que cometeram este ecocídio e genocídio.





