Há 2.500 anos, um grego, cansado de discutir na ágora sobre justiça, filosofia, política e matemática, decidiu que o que realmente importava era medir o corpo humano. Assim surgiu o cânone de Policleto, o Velho: a obsessão por encontrar a simetria perfeita.
“Selfie” histórica
Vinte séculos depois, Leonardo da Vinci desenhou seu famoso Homem Vitruviano, baseado no cânone romano da arquitetura, como reflexo da ordem da natureza. O resultado foi aquele homem nu preso em um círculo e um quadrado. A mensagem era — e continua sendo — provocativa: se estendermos os braços, somos tão largos quanto altos, com nosso umbigo no centro geométrico desse universo de beleza perfeita.
Da Vinci, à frente de seu tempo em tantos campos, transformou as proporções humanas em um diagrama viral cinco séculos antes do Instagram e das cirurgias estéticas em massa.
A febre do “número de Deus”
Por trás de tudo isso estava a proporção áurea (ou “proporção divina”): 1,618…. Este número parece ter-se materializado pela primeira vez em várias estelas (um tipo de monumento com inscrições) da Babilônia e da Assíria há 4.000 anos, mas também nas conchas marinhas, na Gioconda, nas pirâmides, nos templos gregos e romanos e na Torre Eiffel.
Ele também aparece ao subir uma escada: nossos pés encontram um equilíbrio natural entre o degrau (parte horizontal) e o contra-degrau (parte vertical). Curiosamente, a relação entre ambos costuma ser de cerca de 1,6, muito próxima do número áureo. Não é porque os arquitetos tenham procurado isso, mas porque o corpo humano dita medidas confortáveis que acabam se aproximando da proporção divina. Assim, tal como acontece com os ladrilhos de 3,16 decímetros que pisamos, a matemática entra no nosso quotidiano quase sem nos apercebermos.
Receita da beleza
Este número irracional de infinitos decimais foi descrito detalhadamente no século XIII pelo matemático italiano Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci. Tudo começou com um problema aparentemente inofensivo: quantos pares de coelhos podem nascer de um único casal em um ano, se a cada mês cada casal amadurece e começa a se reproduzir? Sem querer, ele deu origem a uma das histórias mais bonitas da matemática. A sucessão de números naturais resultante é a famosa sequência de Fibonacci:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144…
Inicialmente, temos dois uns, um coelho e uma coelha, e cada novo termo surge da soma dos dois anteriores: é como se os números também tivessem seu próprio instinto de acasalamento.
Até aqui, nada mais do que uma simpática progressão. Mas se dividirmos cada número pelo anterior, surge a magia: 3/2 = 1,5; 5/3 = 1,66; 8/5 = 1,6… e assim até atingir no limite do infinito o “número de Deus”: 1,6180339… É como se os coelhos de Fibonacci, além de se multiplicarem de forma sedutora e enigmática, tivessem inventado um cânone estético.
E a sequência de Fibonacci também parece habitar nosso corpo: a relação entre nossa altura e a altura até o umbigo, entre a distância do ombro aos dedos e a distância do cotovelo aos dedos, entre a altura do quadril e a altura do joelho, entre o primeiro osso dos dedos (metacarpo) e a primeira falange. E também a relação entre as falanges sucessivas, entre o nosso sorriso e a nossa mandíbula. Um festival matemático que alguns apresentam como a “receita secreta” da beleza.
O eco cósmico de uma proporção humana
Além disso, os astrofísicos nos mostram que padrões semelhantes aparecem em lugares inesperados: algumas galáxias espirais ou as vibrações ocultas das estrelas parecem ressoar com o mesmo número misterioso.
A proporção áurea parece tão onipresente que começamos a suspeitar que há uma armadilha. Ela realmente está em tudo ou simplesmente a procuramos com a mesma fé com que alguns encontram seu signo do zodíaco no horóscopo? Quanto há de verdade e quanto de necessidade humana em reduzir tudo a relações simples que possamos entender?
A proporção áurea não é um padrão comprovado na estrutura do Cosmos, embora possa aparecer como aproximação em vários sistemas naturais. Sua força divina reside mais no metafórico e no simbólico: uma ponte entre a escala humana (arte, corpo, arquitetura) e o Universo (galáxias, dinâmica natural).
No entanto, o debate persiste entre o desejo de um deus matemático perfeito que dá sentido à existência e a quantificação matemática da realidade.
Medir para compreender tudo
O fato de chamar a matemática de “uma linguagem universal que conecta o ser humano com os padrões da arte, da biologia e do Cosmos” não significa que exista um único número mágico governando tudo. O que realmente conecta essas dimensões é a tendência da natureza e do ser humano de gerar proporções, simetrias e regularidades que nos ajudam a entender o mundo e prever um futuro incerto. A proporção áurea é apenas uma das muitas fórmulas possíveis, talvez a mais famosa por sua elegância e pelas vezes que parece se aproximar de fenômenos naturais e criações humanas.
A questão interessante não é se o número áureo está realmente em toda parte, mas por que continuamos procurando por ele, por que nos atrai tanto a ideia de que uma simples proporção possa estabelecer uma ponte entre nossa anatomia, os templos gregos e as espirais galácticas.
Pergunta que permanece no ar
Talvez tudo seja fruto da nossa obstinação em encontrar sentido onde, talvez, só haja acaso. Será que realmente compartilhamos um padrão secreto com as estrelas, ou o inventamos porque nos fascina nos reconhecer em tudo o que brilha?
Essa resposta, queridos leitores, nos obrigaria a disparar toda a artilharia do pensamento, da filosofia, da arte, da história, da física e, claro, da matemática. Seria necessário escrever tratados inteiros, organizar congressos e talvez até invocar os próprios Policleto e Fibonacci para nos marcar o ritmo. Difícil, não é?
Embora, se pensarmos bem, ainda mais difícil seja resistir à tentação de continuar medindo nosso nariz diante do espelho, na esperança de descobrir nele os segredos do Universo.