Por Grecia Flores Hinostroza
No Peru, os direitos das mulheres existem em um estranho paradoxo: no papel, temos as leis, a representatividade e as obrigações internacionais que prometem igualdade; na realidade, nossas vidas contam uma história diferente. O progresso político coexiste em paralelo com a negligência persistente, com números que elogiam e personagens que fracassam. Essa contradição não fica oculta nas sombras — o contraste doloroso está nitidamente escrito nos números que tão orgulhosamente apresentamos.
De acordo com o Índice de Gênero SDG, o Peru pontuou 72,9 no marcador de “Proporção de cadeiras ocupadas por mulheres nos parlamentos nacionais”, um valor que indica progresso, visibilidade e liderança. E, ainda assim, quando voltamos nosso olhar para a saúde, a pontuação drasticamente despenca para 35,5, quase a metade. As mulheres estão presentes no congresso, mas ausentes do sistema de saúde que deveria protegê-las.
Se a participação política por si só fosse o suficiente, nossas ruas seriam mais seguras, nossos hospitais acessíveis e nossas vozes seriam ouvidas além das urnas de votação. Mas no Peru, como em grande parte da América Latina, a representatividade não rompeu as correntes da desigualdade — ela simplesmente as tornou menos visíveis para aqueles que governam.
Gráfico do autor, usado com permissão.
Os dados contam uma história. A vida das mulheres rurais, indígenas e pobres contam outra — uma onde o acesso aos serviços básicos de saúde sexual e reprodutiva é uma realidade distante. Onde hospitais, especialistas e cuidado são inacessíveis. Como a cientista política Stéphanie Rousseau observa em “A Política de Saúde Reprodutiva no Peru“, “embora as reformas no setor de saúde tenham tido algum impacto positivo na saúde reprodutiva da mulher, as muitas restrições impostas aos direitos das mulheres referente às escolhas reprodutivas bloquearam novos progressos”.
As consequências não são abstratas. Em 2020, a taxa de mortalidade materna no Peru permaneceu em 69 mortes por 100 mil nascidos vivos, de acordo com a Organização de Saúde Mundial, muito superior a média latino americana de 45 e quase cinco vezes a do Chile (16) e Uruguai (13). Esses números representam mulheres cujas vidas poderiam ter sido salvas por cuidados em tempo hábil, partos seguros e o cumprimento dos direitos que já foram reconhecidos por lei.
Gráfico do autor, usado com permissão.
Mas essas injustiças não são apenas falências morais; são traições legais. O Peru assinou compromissos internacionais: a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR) e outros. Não se trata de tratados distantes acumulando poeira em arquivos diplomáticos. São compromissos obrigatórios, escritos para a proteção da dignidade, saúde e segurança das mulheres — compromissos que devem alcançar todos os quartos de hospitais, tribunais e aldeias remotas do nosso país.
Leis que protegem os direitos à saúde sexual e reprodutiva existem no papel, mas elas permanecem distante da realidade das mulheres rurais, indígenas e pobres. Clínicas carecem de serviços essenciais. Cuidados reprodutivos abrangentes não estão disponíveis. Os marcos jurídicos declaram igualdade, porém a igualdade desaparece em locais onde as mulheres ainda enfrentam gestações forçadas, partos inseguros e negligência sistêmica.
A Constituição fala sobre a igualdade, mas igualdade não anda pelos caminhos onde as mulheres carregam suas gestações sozinhas. O Ministério da Saúde publica protocolos, mas esses protocolos não salvam vidas quando o centro de saúde mais próximo está fechado ou quando o único médico se ausenta. Direitos sem acesso não valem de nada. Compromissos sem realização são traição.
Nesse contexto, a representação política não pode ser confundida com emancipação. Não podemos aceitar a ilusão do progresso que advém de mais mulheres em cargos públicos se não for acompanhada por ações concretas para desmantelar barreiras estruturais. Empoderamento não é uma expressão vazia — é a realidade vivida sem medo, acesso à assistência médica sem barreiras e poder se expressar sem sofrer retaliações.
A lacuna entre a lei e a vida não é uma falha política abstrata; é uma crise cotidiana. É a jovem em uma região rural forçada a dar à luz após um estupro, porque o aborto é inacessível. É a mãe que morre a caminho de um hospital que nunca teve capacidade para tratá-la. Da mesma forma, é a comunidade indígena onde os direitos reprodutivos existem apenas na linguagem de tribunais distantes, não na prática dos sistemas de saúde locais.
Se medirmos o sucesso apenas pela presença de mulheres no poder, ignoramos a ausência de injustiça nas suas comunidades. Os números no parlamento não podem compensar as maternidades vazias. O reconhecimento internacional não pode substituir o direito a um parto seguro.
Faço um apelo ao Congresso Peruano de legislar não por aparências, mas por autonomia. Para garantir que a saúde, segurança e dignidade sejam realidade em todas as províncias. Eu apelo às entidades de doadores internacionais que financiem a luta pela liberdade reprodutiva, não apenas pela participação política. E eu apelo à sociedade peruana que reconheça que representação sem direitos não é vitória.
A representatividade é importante. Mas ela é só o começo. O real empoderamento se dá quando cada mulher controla seu futuro; seu corpo, sua saúde, sua voz, independentemente de onde ela nasceu ou o quão distante ela mora da capital. Até esse dia o paradoxo permanecerá e o progresso será uma promessa parcialmente cumprida.
