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O que é sexsônia? Psiquiatras, clínicas de sono e juristas debatem seu uso para defender crimes sexuais em tribunais

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O que é sexsônia? Psiquiatras, clínicas de sono e juristas debatem seu uso para defender crimes sexuais em tribunais

Na última década, a “sexsônia” (ou sonambulismo sexual) tem sido usada como defesa em vários julgamentos de agressão sexual na Austrália. Esse distúrbio – também chamado de “sexo durante o sono” – faz com que as pessoas tenham determinado comportamento sexual enquanto dormem.

Há algumas semanas, um homem com sexsônia em Sydney foi absolvido das acusações de estupro. A disputa não foi se ele teve relações sexuais com a mulher, nem se ela consentiu. A questão era se as ações do homem eram voluntárias. Isso dependia de ele estar dormindo ou acordado quando praticou os atos.

O aumento aparente no uso da sexsônia como argumento de defesa levanta preocupações, tanto na Austrália quanto em outros países. Alguns alegam que a defesa pode ser uma maneira de as pessoas acusadas de crimes sexuais escaparem da justiça.

No recente caso citado acima, o juiz de primeira instância explicou ao júri uma regra bem estabelecida do direito penal: uma pessoa não pode ser responsabilizada criminalmente por atos involuntários. Após deliberar, o júri considerou o homem inocente.

Mas como a sexsônia pode ser provada em tribunal? Aqui está o que sabemos sobre essa condição rara e como ela é usada como defesa criminal.

O que é sexsônia?

Sexsônia não é o mesmo que ter sonhos sexuais. É uma parassonia, ou um distúrbio do sono. Pode fazer com que a pessoa se envolva em comportamento sexual enquanto estiver inconsciente, incluindo toque sexual, relação ou masturbação.

A sexsônia só foi adicionada ao Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) em 2013. Ela está posicionada ao lado de sonambulismo e de terrores noturnos.

As pessoas podem não saber que têm esse distúrbio. Existem alguns gatilhos desencadeantes, incluindo álcool e estresse. Mas, também, existem tratamentos, como o medicamento clonazepam, que tem efeitos sedativos, e alguns antidepressivos.

Não está claro o quão comum é a sexsônia, mas, acredita-se que seja rara. Um estudo de 2020 descobriu que apenas 116 casos clínicos foram registrados na literatura médica.

O baixo número pode ser justificado também por ser subnotificado devido ao constrangimento e à falta de conscientização.

Como é usado no tribunal?

A sexsônia é uma versão recente de uma defesa legal mais antiga conhecida como automatismo, que remonta à década de 1840. O automatismo descreve ações tomadas sem decisão consciente. Aqueles com automatismo não têm memória ou conhecimento de seus atos.

A lei reconheceu o automatismo em sonambulismo, em reflexos, espasmos ou convulsões, e nos atos de pessoas com hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue) e epilepsia.

Mas, um debate importante nos casos legais, bem como entre psiquiatras e especialistas em sono, é sobre como classificar a condição.

Essencialmente, a sexsônia é um comprometimento da saúde mental causado por uma doença mental subjacente? Ou é um “mau funcionamento” temporário que ocorre em uma mente “saudável”?

A lei australiana reconheceu a sexsônia como uma espécie de “automatismo são”, o que significa que é caracterizada por episódios não necessariamente recorrentes.

Sexsônia pode ser subnotificada devido à vergonha e à falta de conhecimento sobre a condição. NoemiEscribano/Shutterstock

Como a sexsônia pode ser provada?

Geralmente, são necessárias evidências médicas detalhadas para essa defesa. No entanto, o réu só precisa mostrar que havia uma “possibilidade razoável” de que seus atos foram involuntários.

Em contrapartida, a acusação deve provar “além de qualquer dúvida razoável ” que os atos sexuais foram voluntários ou “desejáveis” – um padrão de comprovação mais elevado.

Isso significa que pode ser difícil descartar a sexsônia depois que o réu apresentar evidências da condição.

Sexsônia é uma doença mental?

Alguns casos australianos importantes questionaram se a lei deveria tratar como um transtorno mental contínuo em vez de um “mau funcionamento transitório da mente”.

Em um caso de 2022, os promotores aceitaram que um homem de Nova Gales do Sul, um estado australiano, tenha agido sob efeito de sexsônia ao praticar crimes sexuais contra a filha. O que eles contestaram foi que sua condição era decorrente de uma “mente sã”.

Argumentaram, então, que a sexsônia deveria ser considerada uma doença mental. Esse argumento se baseou em novas leis que começaram a vigorar naquele ano em NSW. Ao definir as deficiências de saúde mental, as novas leis passaram a incluir a perturbação da vontade.

Por que isso é significativo?

O caso de 2022 foi entendido como tendo implicações legais – não apenas para NSW, mas para todas as jurisdições estaduais na Austrália. Se a acusação pudesse estabelecer que a sexsônia era um problema de saúde mental, uma absolvição total seria improvável.

Em vez disso, o tribunal seria obrigado a chegar a um “veredito especial” e poderia encaminhar o réu a um tribunal de saúde mental. Como resultado, o acusado poderia ser detido em uma unidade psiquiátrica, como o Long Bay Hospital.

No entanto, a acusação no caso de 2022 não conseguiu estabelecer que a sexsônia era resultado de um comprometimento da saúde mental de acordo com as novas leis. Uma maioria de dois juízes disse que não era uma “perturbação da vontade” porque ninguém tem vontade própria quando está dormindo.

A juíza dissidente concluiu que sexsônia era uma deficiência de saúde mental de acordo com a nova definição.

Por que essas definições são controversas?

Já em 1966, estudiosos do direito criticaram a forma como a lei trata diferentes tipos de automatismo.

Enquanto os sonâmbulos e os sexsômanos são vistos como “perfeitamente inofensivos”, aqueles com outras condições, como a esquizofrenia, são vistos como “criminosamente dementes” e detidos em instalações de acordo com a lei .

Se a sexsônia é um distúrbio do sono com episódios não recorrentes ou um transtorno mental mais permanente continua sendo debatido.

A maneira como é abordado clinicamente pode reforçar seu status como um distúrbio do sono. Como não há diretrizes formais de prática para tratamentos, a tendência tem sido que as clínicas do sono, e não os psiquiatras, respondam à condição.

O uso crescente dessa condição rara como defesa em casos graves e violentos de agressão sexual é preocupante e justifica mais pesquisas e atenção.

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