As alegações do governo Donald Trump sobre a ligação entre o uso do analgésico e antitérmico acetaminofeno – geralmente vendido sob a marca Tylenol nos EUA, e mais conhecido no Brasil como paracetamol – durante a gravidez e o desenvolvimento de autismo desencadearam um dilúvio de críticas nas comunidades médica, científica e de saúde pública.
Como pai de uma criança com autismo de nível 2 – ou seja, autismo que requer apoio substancial – e estatístico que trabalha com ferramentas matemáticas como as usadas nos estudos de associação citados pela Casa Branca, acho útil pensar sobre as nuances da correlação versus causalidade em estudos observacionais. Espero que essa explicação seja útil para os pais e futuros pais que, como eu, estão profundamente empenhados no bem-estar de seus filhos.
Correlação não é causalidade, mas…
A maioria das pessoas já ouviu isso antes, mas vale a pena repetir: correlação não implica em causalidade.
Um exemplo citado com frequência é o fato de haver uma correlação muito forte entre as vendas de sorvetes e incidentes de ataques de tubarão. Obviamente, não é preciso dizer que os ataques de tubarão não são causados pela venda de sorvetes. Mas, no verão, o clima quente aumenta o apetite por sorvete e tempo de permanência das pessoas na praia. O aumento do número de pessoas, por sua vez, faz com que a probabilidade de ocorrência de ataques de tubarão cresça.
Apontar isso por si só, no entanto, não é intelectualmente satisfatório nem emocionalmente apaziguador quando se trata de preocupações médicas da vida real, uma vez que uma associação sugere a possibilidade de uma relação causal.
Em outras palavras, algumas associações acabam se mostrando convincentemente causais. Na verdade, algumas das descobertas mais importantes do século passado na saúde pública, como as ligações entre tabagismo e câncer de pulmão ou o papilomavírus humano (HPV) e câncer cervical, começaram como descobertas de associações muito fortes.
Portanto, quando se trata da questão do uso pré-natal de acetaminofeno e desenvolvimento do autismo, é importante considerar a força da associação encontrada, bem como até que ponto essa correlação pode ser considerada causal.
Estabelecendo uma associação causal
Então, como os cientistas determinam se uma associação observada é de fato causal?
O padrão ouro para isso é a realização dos chamados experimentos randomizados e controlados. Nesses estudos, os participantes são designados aleatoriamente para receber ou não um tratamento, e o ambiente em que são observados é controlado de modo que o único elemento externo que difere entre os participantes é o fato de terem recebido ou não a intervenção.
Ao fazer isso, os pesquisadores garantem, de forma razoável, que qualquer diferença nos resultados dos participantes possa ser diretamente atribuída como causada pelo fato de eles terem recebido ou não a intervenção. Ou seja, qualquer associação entre tratamento e desfecho pode ser considerada causal.
Mas muitas vezes a realização de um experimento desse tipo é impossível, antiética ou ambos. Por exemplo, seria muito difícil reunir um grupo de mulheres grávidas para um experimento, e extremamente antiético designar aleatoriamente metade delas para tomar acetaminofeno ou qualquer outro medicamento sem motivo específico, e a outra metade para não tomar.
Portanto, quando os experimentos são simplesmente inviáveis, uma alternativa é fazer algumas suposições razoáveis sobre como os dados observacionais se comportariam se a associação fosse causal e, em seguida, verificar se estes dados se alinham com essas suposições causais. Isso pode ser chamado de forma muito ampla de inferência causal observacional.
Analisando o que os estudos significam
Então, como isso se aplica à atual controvérsia sobre a possibilidade de o uso de acetaminofeno durante a gravidez afetar o feto de uma forma que poderia resultar em uma condição como o autismo?
Os pesquisadores que tentam entender as funções causais e as ligações entre uma variável e os possíveis resultados de saúde o fazem considerando: 1) o tamanho e a consistência da associação em várias tentativas de estimá-la; e 2) a extensão em que essa associação foi estabelecida sob estruturas de inferência causal observacional.
Desde 1987, pesquisadores têm trabalhado para medir possíveis associações entre o uso de acetaminofeno durante a gravidez e o autismo. Vários desses estudos, incluindo várias revisões sistemáticas de grande porte, encontraram evidências de tais associações.
Por exemplo, uma revisão de 2025 de 46 estudos que examinaram a associação entre o uso de acetaminofeno e uma série de distúrbios de neurodesenvolvimento, incluindo o autismo, identificou artigos com cinco associações positivas entre acetaminofeno e autismo.
Em um desses estudos, que examinou 73.881 nascimentos, os pesquisadores descobriram que as crianças que foram expostas ao acetaminofeno no período pré-natal tinham 20% mais probabilidade de desenvolver condições limítrofes ou clínicas do espectro autista. Outro examinou 2,48 milhões de nascimentos e relatou uma associação estimada de apenas 5%.
Ambas as associações são fracas. Para contextualizar, as estimativas do aumento do risco de câncer de pulmão decorrente do tabagismo na década de 1950 estavam entre 900% e 1.900%. Ou seja, um fumante tem de 10 a 20 vezes mais probabilidade de desenvolver câncer de pulmão do que um não fumante. Comparativamente, nos dois estudos sobre autismo acima, uma mulher grávida que toma acetaminofeno tem de 1,05 a 1,20 vez mais probabilidade de ter um filho que será posteriormente diagnosticado com autismo do que uma mulher que não toma o medicamento.
Também é importante ter em mente que muitos fatores podem afetar a capacidade de um estudo de estimar uma associação. Em geral, amostras maiores proporcionam maior poder de detecção de uma associação, caso ela exista, bem como maior precisão na estimativa do valor da associação. Isso não significa que estudos com amostras menores não sejam válidos, apenas que, do ponto de vista estatístico, pesquisadores como eu depositam maior confiança em uma associação extraída de uma amostra maior.
Depois que uma correlação, mesmo que pequena, é estabelecida, os pesquisadores devem considerar até que ponto a causalidade pode ser reivindicada. Uma maneira de fazer isso é por meio do que chamamos de dose-resposta. Isso significa verificar se a associação é maior entre as mulheres que tomaram doses mais altas de acetaminofeno durante a gravidez.
O estudo mencionado acima que analisou 2,48 milhões de nascimentos mostra um exemplo de dose-resposta. Ele constatou que as mulheres grávidas que relataram ter tomado doses mais altas têm maior risco de ver os filhos desenvolverem autismo.
Outra maneira de examinar a possível causalidade nesse contexto é analisar os resultados entre irmãos, o que foi feito nesse mesmo estudo. Os pesquisadores verificaram se as associações entre acetaminofeno e autismo persistiam em famílias com mais de um filho.
Por exemplo, em uma família com dois filhos, se a mãe usou acetaminofeno durante uma gravidez e essa criança foi posteriormente diagnosticada com autismo, mas ela não o usou durante a outra gravidez e essa criança não foi diagnosticada, isso fortalece a alegação causal. Por outro lado, se o acetaminofeno foi usado durante a gravidez da criança que não foi diagnosticada com autismo e não foi usado durante a gravidez da criança que foi diagnosticada, isso enfraquece a alegação causal. Quando isso foi incluído na análise, a dose-resposta desapareceu e, de fato, o aumento geral de 5% no risco mencionado anteriormente também desapareceu. Isso enfraquece a alegação de uma relação causal.
Consulte seu médico
No momento, claramente não há evidências suficientes para estabelecer uma associação causal entre o uso pré-natal de acetaminofeno e o autismo.
No entanto, como um pai que se pergunta se minha filha conseguirá escrever seu nome, ter um emprego ou criar seus próprios filhos, entendo que essas explicações podem não apaziguar os medos ou as preocupações de uma mãe que está grávida e sofre com febre.
Naturalmente, todos nós queremos ter certeza absoluta.
Mas isso não é possível quando se trata do uso do acetaminofeno, pelo menos não neste momento.
Seu médico poderá lhe dar orientações muito mais sólidas do que qualquer estudo existente sobre esse assunto. É muito provável que seus ginecologistas e obstetras estejam cientes desses estudos e tenham um discernimento muito melhor sobre como esses resultados devem ser considerados no contexto de seu histórico médico e de suas necessidades pessoais.
Enquanto isso, pesquisadores continuarão a se aprofundar na ciência dessa questão extremamente importante e, com sorte, proporcionarão maior clareza nos próximos anos.