Ad image

O que pensam jovens indígenas brasileiros sobre mudanças climáticas

9 Leitura mínima
O que pensam jovens indígenas brasileiros sobre mudanças climáticas

Este artigo, escrito por Guilherme Cavalcanti e editado por Thiago Domenici, foi originalmente publicado no site da Agência Pública em 10 de abril de 2025. Ele foi editado aqui por questões de espaço e contexto, seguindo acordo de parceria com o Global Voices.

Os efeitos da crise climática estão presentes nas rotinas de pesca, na agricultura de subsistência e no próprio corpo, alterando hábitos e modos de vida em diversas regiões do Brasil. Essa é a percepção de jovens indígenas de diferentes etnias ouvidos pela Agência Pública, durante a maior mobilização indígena do país, o Acampamento Terra Livre (ATL), que acontece sempre em abril.

“A gente já não pesca como a gente pescava, oito, seis anos atrás. Na Ilha do Bananal (a maior ilha fluvial do mundo), teve muita queimada ano passado. É um acúmulo de várias coisas que vai influenciando. No caso do meu povo Karajá, nunca se pensava ‘Ah, vai faltar peixe. A gente tem que ir a um lago específico agora para pescar’, sabe?”, conta Maluá Silva Kuady Karajá, de 25 anos.

Ela destaca que o avanço do aquecimento global não se expressa apenas em dados científicos. “Vai mudando o cotidiano completamente. Mudou o bioma, a fauna, as nossas vivências, a nossa vida. E trazendo outras dificuldades que transpassam a questão climática”, afirma a jovem indígena.

A edição de 2025 do movimento tem como um dos focos principais a articulação para garantir o protagonismo indígena na COP30, conferência climática da ONU (Organização das Nações Unidas) que acontecerá em Belém, no estado do Pará, região norte do país, em novembro. A campanha “A Resposta Somos Nós”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), propõe que a demarcação de terras indígenas seja incluída como estratégia nas metas ambientais dos países amazônicos.

“Discutir meio ambiente sem que o indígena seja parte do protagonismo, já começa a ser problemático, no mínimo, principalmente aqui no nosso país, onde as principais reservas [de recursos naturais] estão dentro dos nossos territórios”, explica Maluá. Ela ressalta a luta por terras não é pela exploração para um fim econômico, mas para discutir a questão do meio ambiente. “[Essa discussão] perpassa muitas coisas que estão na essência da nossa vivência”.

De acordo com o MapBiomas, plataforma que ajuda a mapear o desmatamento e uso de terras no Brasil, as terras indígenas no Brasil representam 13% do território nacional, mas respondem por apenas 1% da perda de vegetação nativa entre 1985 e 2023.

‘Não podemos plantar’

Jovens indígenas no ATL carregam faixa: ”Juventude indígena – Plantando o futuro com a força da ancestralidade”. Foto: Guilherme Cavalcanti/Agência Pública

Yan Mongoyó, 21 anos, vive em um território de transição entre os biomas da Mata Atlântica e da Caatinga, no sudeste da Bahia, região nordeste do país, e explica que a seca prolongada têm impedido de diferentes maneiras a agricultura familiar. “Está muito seco, não conseguimos plantar. Deu uma chuvinha e a gente plantou, mas não sobreviveu. Então, a gente está muito preocupado porque a nossa comunidade não é abastecida por água encanada, é abastecida por carro-pipa, um carro-pipa para três famílias. Então não tem como fazer plantação”, relata. “O pessoal que está lá na base é o que mais sofre, principalmente os produtores que estão na agricultura familiar”.

Yan também critica o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas, especialmente nas regiões historicamente esquecidas pela mídia e pelo poder público.

“Não importa qual região é, [os ruralistas] estão invadindo, destruindo o que podem destruir, e a gente está sofrendo. É uma pauta que abarca todos os povos”, diz. “Eu estive analisando alguns jornais, e acho que, primeiro, eles estereotipam a gente demaisNormalmente, eles falam muito da Amazônia e tudo, e esquecem dos outros biomas que também são muito importantes. A Caatinga e o Cerrado estão sofrendo bastante com essas questões climáticas, questão agrária”, afirma Yan.

A ausência de debate sobre o Cerrado é uma das questões que Letícia Awju Torino Krikati, 20 anos, tenta mudar na sua região. Única indígena no legislativo no estado do Maranhão, a vereadora de Montes Altos deseja mostrar a importância do bioma para o país “pois é onde há as nascentes de alguns dos maiores rios, sendo uma base hidrográfica extremamente importante para nós”.

Letícia conta que enfrenta dificuldades para levar a pauta ambiental para dentro da política municipal, já que em Montes Altos ainda não há uma secretaria de Meio Ambiente. “Isso afeta nas discussões também das mudanças climáticas dentro dos territórios indígenas. A gente tem a Secretaria de Assuntos Indígenas, mas ela também tem que trabalhar em parceria com outras secretarias”, afirma a vereadora.

Ela lembra que os territórios Krikati, do povo de sua etnia, ainda aguarda a decisão da Justiça para que sejam, de fato, entregues aos indígenas Mais de 250 processos de demarcação de terras indígenas seguem sem conclusão no Brasil, segundo o Isa (Instituto Socioambiental). A tese do marco temporal, que defende que povos indígenas só teriam direitos a terras que ocupavam até a Constituição de 1988, apesar de ter sido considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), virou lei pelo Congresso Nacional.

Garimpo e alimentação

“Hoje os não-indígenas usam o termo de agroecologia, mas a gente sabe que agroecologia é uma apropriação dos saberes indígenas, dos saberes tradicionais”, diz Evelin Cristina Araújo Tupinambá, 27 anos, professora de geografia em Goiânia. Em sala de aula, ela conecta ciência e ancestralidade para explicar aos alunos as mudanças climáticas e a relação entre territórios indígenas e preservação.

Evelin destaca ainda que as pautas indígenas variam conforme o território e a vivência de cada povo. No seu caso, vivendo há anos na capital do estado de Goiás, na região Centro-oeste, uma de suas principais lutas está relacionada à preservação do Cerrado. Ela compara essa realidade com a de seu povo, que vive na Amazônia, onde os desafios são outros — como a presença de madeireiras, a extração ilegal e a poluição dos rios.

“São contextos diferentes, mas que se agregam, sabe? Acho que por isso as lutas não se desassociam, por mais que a gente esteja falando de territórios e biomas diferentes, mas a nossa luta é a mesma”, explica Evelin. “Aqui é uma oportunidade de oficializar as denúncias É uma porta de entrada para ir diretamente para o plenário, para a Câmara [dos Deputados]. Diretamente com os agentes que, institucionalmente falando, fazem acontecer”.

Maria Lilane, 24 anos, do povo Baniwa, de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, região norte do Brasil, vê o meio ambiente como uma “segunda casa” e diz que destruí-lo é destruir a própria vida. Ela critica a desigualdade alimentar no Brasil, que, mesmo sendo um dos maiores produtores do mundo, não assegura comida saudável para todos.

“[O alimento] chega com o preço exorbitante e agrotóxico também. Por mais que eles tentam fazer um alimento saudável, nós sabemos que nos dias de hoje todo alimento industrializado vem com muito agrotóxico. Isso tem um grande impacto não só na vida dos indígenas, como para os brasileiros em geral”.

Compartilhe este artigo
Sair da versão mobile