
Imagem criada pela Global Voices no Canva. Uso justo.
Por Sahasranshu Dash e Ana Tereza Duarte Lima de Barros
Em 30 de julho de 2025, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a taxação de 50% sobre as exportações brasileiras. Ele justificou essa medida não por manipulação de moeda ou práticas comerciais desleais, mas em resposta ao que descreveu como uma perseguição politicamente motivada contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Trump citou especificamente supostos abusos aos direitos humanos e a imposição de censura às plataformas tecnológicas americanas, ações que atribuiu diretamente às decisões do juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Alexandre de Moraes.
Para muitos defensores dos direitos digitais no Brasil, a tarifa não é apenas um golpe econômico. Ela marca uma escalada de pressão de um dos países mais poderosos do mundo contra uma democracia emergente do Sul Global, que ousou traçar seu próprio caminho na governança digital. O esforço do Brasil para regulamentar as grandes empresas de tecnologia —resistência que persiste há muito tempo no Vale do Silício e entre atores populistas — finalmente está atraindo a atenção global. E a resistência.
Uma visão democrática da esfera digital
Embora o modelo brasileiro possa não ser perfeito, é um dos mais ousados do Sul Global. O Marco Civil da Internet, a “carta de direitos da internet” brasileira, assinada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2014, estabeleceu um marco legal para a neutralidade da rede, os direitos dos usuários e a transparência na moderação de conteúdos. Quatro anos depois, com base nisso, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais estabeleceu um regime sólido de proteção de dados pessoais, em parte inspirado no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia.
No entanto, o que distingue o Brasil não é apenas a sua legislação, mas a forma como os tribunais e os reguladores têm intervindo para aplicá-la em cenários do mundo real. Em março de 2022, por ordem de Moraes, o Supremo Tribunal Federal bloqueou temporariamente o Telegram em todo o país depois que a empresa desobedeceu repetidamente às ordens judiciais destinadas a conter a desinformação relacionada ao extremismo e à violência política. Em agosto de 2024, Moraes ordenou a suspensão do X (antigo Twitter) por se recusar a remover conteúdo prejudicial, especialmente publicações dirigidas a funcionários eleitorais e a ativistas LGBTQ+, reforçando, assim, o compromisso do tribunal de proteger as instituições democráticas e as comunidades vulneráveis.
Entretanto, a Agência Nacional de Proteção de Dados do Brasil surgiu como um ator regulador-chave na governança digital. Em julho de 2024, a agência suspendeu a política de privacidade da Meta para sistemas de IA elaborados com dados pessoais dos usuários, alegando violações de direitos constitucionais. De maneira crucial, a decisão da Agência Nacional de Proteção de Dados exigiu maior transparência das empresas que desenvolvem IA e enfatizou a necessidade de divulgar, de forma pública e clara, o uso de dados, as bases legais e os mecanismos de exclusão aos interessados. Posteriormente, a Meta cumpriu esses requisitos, implementou um plano que introduziu avisos de privacidade mais claros, facilitou as opções de exclusão e restringiu o uso de dados de menores, o que levou a Agência Nacional a suspender sua medida preventiva.
Por meio dessas ações judiciais e regulatórias combinadas, o Brasil afirmou um modelo de soberania digital baseado na responsabilidade constitucional que se aplica aos direitos.
Essas medidas não são apenas movimentos administrativos ou burocráticos; elas representam um esforço mais amplo para reivindicar a internet como espaço para o discurso democrático e para a proteção do usuário, que enfrenta a desinformação e o abuso online. Como afirma a Repórteres Sem Fronteiras em suas recomendações para o futuro digital do Brasil:
Platforms must highlight reliable news sources so people can access quality information. Platforms should be transparent about how their algorithms work, how they moderate content, and how they deal with government requests.
As plataformas devem destacar fontes de notícias confiáveis para que as pessoas possam acessar informações de qualidade. As plataformas devem ser transparentes sobre como seus algoritmos funcionam, como moderam o conteúdo e como lidam com solicitações do governo.
A sociedade civil por trás do impulso
Esse impulso regulatório não surgiu apenas do governo. Organizações da sociedade civil brasileira, jornalistas e instituições acadêmicas têm sido fundamentais para moldar o rumo digital do país. Grupos como InternetLab, Intervozes e Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) têm promovido leis que protegem usuários vulneráveis, aumentam a transparência das plataformas e resistem à vigilância.
O projeto de lei das fake news, apresentado formalmente em maio de 2020 e aprovado pelo Senado, permanece em negociação e revisão na Câmara dos Deputados no Congresso Nacional. Ele propõe uma estrutura para que as plataformas assumam responsabilidades e exijam a identificação de comportamentos não autênticos, a detecção de manipulações coordenadas e o aumento da visibilidade de informações verificadas, concebida especificamente para evitar a censura preventiva.
Embora imperfeito, o projeto de lei — redigido em meados de 2020 e ainda em processo — demonstra uma intenção séria de salvaguardar o espaço cívico e exigir que as empresas tecnológicas dominantes que moldam o discurso público assumam suas responsabilidades.
A reação e seus apoiadores estrangeiros
Como era de se esperar, o modelo de governança digital do Brasil, com base constitucional, não só atraiu críticas, mas também provocou represálias diretas. Em julho de 2025, os Estados Unidos impuseram sanções ao juiz Alexandre de Moraes ao sob a lei global Magnitsky – uma lei federal americana que impõe sanções como proibições de entrada nos Estados Unidos e congelamentos de bens de pessoas acusadas de violarem os direitos humanos e corrupção – acusando Moraes de “uma campanha opressiva de censura” e “detenções arbitrárias que violam os direitos humanos”, segundo informou a Reuters.
Essas sanções ocorreram após pressão contínua de uma coalizão transnacional de políticos populistas, influenciadores de extrema direita e meios de comunicação com sede nos Estados Unidos, que atacaram Moraes por seu papel na regulamentação de plataformas digitais, na investigação da suposta tentativa de golpe de Estado de Bolsonaro e no desmantelamento de redes de desinformação. Para os defensores do do marco regulatório brasileiro, a medida não reflete uma defesa da liberdade de expressão, mas sim uma rejeição geopolítica agressiva ao esforço soberano de um país democrático para governar a esfera digital.
Figuras próximas ao vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, e ao multimilionário Peter Thiel amplificaram as acusações de que os tribunais brasileiros são “antidiscurso” ou “autoritários”, muitas vezes por meio de plataformas e influenciadores que seguem a linha de suas redes políticas e financeiras.
Um exemplo notável é a Rumble, plataforma de vídeo com apoio de investidores ligados a ambos os homens, que foi suspensa no Brasil em fevereiro de 2025 após ignorar repetidas ordens de moderação da Suprema Corte.
No entanto, o duplo critério é evidente. Enquanto algumas vozes americanas denunciam a suposta censura no Brasil, as autoridades de imigração americanas negam vistos a cidadãos estrangeiros devido ao conteúdo político de suas publicações nas redes sociais.
Por que o Brasil é importante agora
O Brasil é mais do que uma grande democracia; é um caso de teste para ver como a soberania digital pode ser usada para proteger, e não restringir, os direitos no Sul Global. Com mais de 180 milhões de usuários de internet e uma população cada vez mais conectada, o que acontece lá pode influenciar a política muito além de suas fronteiras.
Países como México, África do Sul, Quênia e Tunísia já estão aprendendo com a experiência do Brasil para regulamentar plataformas, combater o discurso de ódio e proteger os direitos dos usuários. Mesmo em meio a uma crescente oposição, o Brasil está avançando com uma nova legislação para proibir a vigilância biométrica em massa sem supervisão judicial, aumentar as sanções pelo uso indevido de dados e garantir recursos humanos nas decisões automatizadas.
Essas reformas não são apenas tecnocráticas; elas fazem parte de um esforço maior para reconstruir a confiança cívica após anos de governo de extrema direita, erosão institucional e manipulação digital.
Esse esforço parece estar ganhando terreno: os índices de aprovação do presidente Lula superaram agora seus índices de desaprovação pela primeira vez em nove meses, e a Suprema Corte do Brasil — elogiada por democratas e observadores da sociedade civil por seu papel em fazer com que Bolsonaro e as redes extremistas assumam suas responsabilidades — é considerada uma defensora da democracia.
O que está em jogo para os direitos digitais no Sul Global
A luta digital do Brasil não se resume apenas à governança local. Trata-se de saber se os países do Sul Global podem governar seus espaços online em seus próprios termos, ou se serão punidos por divergir de uma internet desregulamentada com os Estados Unidos como eixo. As tarifas são econômicas no papel, mas são políticas em essência. Eles enviam uma mensagem clara: se você regulamentar as plataformas tecnológicas com excesso de ousadia, poderá enfrentar uma reação daqueles que investiram no status quo.
Para os defensores dos direitos digitais, a experiência do Brasil oferece um alerta e um roteiro a seguir. Isso mostra o quão difícil, complicado e politizado esse trabalho pode ser, mas também o quão crucial ele é. O desafio agora é garantir que o espaço para a ação cívica, o pluralismo e a governança baseada em direitos não sejam reduzidos sob pressão.
Porque se o Brasil tiver sucesso, estará defendendo sua democracia. E, além disso, abrirá espaço para que outros façam o mesmo.
Sahasranshu Dash é pesquisador associado do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Sul da Ásia, em Katmandu, Nepal. Seu trabalho aborda tecnologia, poder estatal e subjetividade política no Sul Global.
Ana Tereza Duarte Lima de Barros é cientista política e doutoranda em Ciências Políticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, Brasil). Sua pesquisa se concentra na capacidade estatal, nas instituições políticas e nas respostas do governo à pandemia da COVID-19. É membro da Rede de Políticas e foi pesquisadora visitante de doutorado no Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (GIGA).
