Em 2026, os olhos inevitavelmente estarão voltados para a eleição presidencial. Entretanto, há outro campo de disputa cujo resultado também pode ser decisivo para o futuro do país: o Senado Federal.
Tradicionalmente visto como a segunda casa do Poder Legislativo, o Senado costuma receber menos atenção do que a Câmara dos Deputados, e sua atuação é com frequência tida como a de mero carimbador das decisões já tomadas na outra Casa. Entretanto, as aspirações de alguns atores políticos para a Câmara Alta têm chamado a atenção para a relevância da renovação de 54 das 81 cadeiras nas próximas eleições, de modo que é imprescindível entender porque o pleito de 2026 pode alterar significativamente a dinâmica política do país.
De modo geral, até pouco tempo atrás, o conhecimento sobre o Senado se agrupava sob duas perspectivas principais: a primeira delas via a Câmara como principal organizadora do processo legislativo no Brasil, diminuindo o papel do Senado ou apresentando-o apenas casa revisora dos projetos iniciados pela Câmara Baixa. A segunda considerava o Poder Legislativo como ator único, possuidor das mesmas lógicas e prerrogativas de funcionamento, e, portanto, o que se sabia sobre a Câmara seria automaticamente aplicável ao Senado.
Observações mais profundas sobre o funcionamento do Congresso mostram que há muitas diferenças entre as duas casas. O funcionamento das comissões, a disciplina partidária, o número de partidos, o perfil profissional dos titulares eleitos e dos suplentes, o papel nas coalizões bicamerais, a atuação nos Conselhos Nacionais de Justiça e o diálogo com o Ministério Público são exemplos que ajudam a compreender o Senado como instituição autônoma. E apontam para a necessidade cada vez mais latente de olharmos para essa casa de maneira mais detida.
A importância das prerrogativas exclusivas
Outro motivo pelo qual devemos observar o Senado – e esta é a razão que conecta a Casa ao pleito do ano que vem – são as prerrogativas exclusivas que este possui. Como o nome anuncia, são decisões sobre as quais apenas os senadores podem ter a palavra final, e são elas: a suspensão da execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal; a aprovação de autoridades indicadas pelo governo federal, como ministros do Supremo Tribunal Federal, diplomatas, Advogado Geral da União, etc; e, por fim, a abertura de processos de cassação contra ministros do Supremo.
Quanto a este último poder, é legítimo, pela lei, que qualquer pessoa possa oferecer uma denúncia contra um magistrado. Nos anos mais recentes, entretanto, foi possível observar uma mudança nas características dessas denúncias: a partir de 2015 o número de processos iniciados aumentou, e em 2019, pela primeira vez, senadores assinaram um pedido de impeachment para um ministro do STF.
Para explicar como isso se relaciona com as eleições de 2026, precisamos voltar às eleições de 2018 e 2022, já que seus resultados moldaram a atual correlação de forças no Congresso Nacional.
Em 2018, a renovação política foi expressiva, com a entrada de parlamentares alinhados a uma agenda mais crítica ao Supremo Tribunal Federal e ao próprio sistema político tradicional.
Já em 2022, a disputa refletiu a polarização nacional, reforçando as bancadas de partidos mais alinhados à direitae ampliando a presença de grupos com disposição para tensionar a relação entre os Poderes. Caso a composição da Casa caminhe para um perfil ainda mais alinhado a pautas de confronto institucional, a tendência é que aumentem os embates em torno da abertura de processos contra ministros do Supremo.
Perfil da renovação decidirá futuro do país
No próximo pleito, estarão em disputa 54 vagas no Senado Federal, o equivalente a dois terços da Casa. Esse cenário poderá definir se a trajetória recente será reforçada ou suavizada, abrindo a possibilidade de que tanto partidos de direita quanto de esquerda ampliem sua representação na Câmara Alta.
Nas eleições de 2022, partidos alinhados à direita levaram quatorze das vinte e sete vagas em disputa. Portanto, para chegar à maioria almejada pelo grupo, eles precisam vencer, no próximo ano, pelo menos 27 das 54 vagas. Entretanto, como onze senadores já vão disputar a reeleição, o cálculo está sendo feito para que possam eleger ao menos 16 novos senadores.
Diante desse quadro, ambos os campos políticos já começaram a se movimentar. A direita enxerga oportunidades na ampliação de sua presença no Senado, podendo transformar as prerrogativas da Casa em instrumentos efetivos de pressão institucional. A esquerda, por sua vez, busca consolidar candidaturas capazes de conter esse avanço. Vejamos a seguir como cada grupo tem se organizado:
Em junho deste ano, em um ato na Avenida Paulista, Jair Bolsonaro pediu que seus eleitores o ajudassem a eleger 50% da Câmara e do Senado ano que vem, e que ele nem precisaria ser presidente novamente, desde que seus aliados estivessem nesses postos.
Dois dias depois da declaração do ex-presidente, o presidente Lula deu a seguinte resposta: “em 2026 precisamos eleger senadores da República. Porque, se esses caras elegerem a maioria dos senadores, vão fazer uma muvuca neste país. Tem que pensar onde a gente pode eleger e pegar os melhores quadros, senão vão avacalhar a Suprema Corte”.
A estratégia da direita: muito além dos Bolsonaro
Desde o ano passado, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro se articulam para ocupar vagas no Senado, com o lançamento da pré-candidatura de Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Flávio Bolsonaro (PL-RJ), por sua vez, vai buscar a reeleição pelo estado do Rio de Janeiro. Além disso, o nome de Michelle Bolsonaro também é veiculado para uma possível candidatura no Distrito Federal e Carlos Bolsonaro poderia entrar como coringa, se candidatando em Santa Catarina ou São Paulo.
Mas as apostas não se restringem somente aos familiares do ex-presidente, e a ideia é que os partidos consolidem principalmente o favoritismo no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. De todo modo, há ainda a possibilidade de alcançarem cadeiras a mais no Norte e Nordeste, a depender dos candidatos dessas regiões.
Como nem tudo está totalmente acertado, nos estados em que há mais de um candidato querendo a vaga, eles disputam também pelo apoio de Jair Bolsonaro. A meta é ambiciosa, e a oposição quer pelo menos um nome competitivo em cada um dos vinte e sete estados, e, de preferência, que eles tenham o apoio do ex-presidente. Além disso, nos estados em que não for possível uma candidatura do PL, cogita-se alianças com o Republicano, o União Brasil e o PP.
A estratégia da esquerda: a busca por nomes fortes
Os partidos de esquerda, em especial o PT, acompanham a movimentação do PL e da direita como um todo, e também estão discutindo as suas estratégias. Com atenção especial ao Sul e ao Centro-Oeste, a busca atualmente está por nomes fortes que possam bater de frente com possíveis candidatos como Ibaneis Rocha (MDB) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) no Distrito Federal, por exemplo. E, para isso, o PT poderia até abrir mão de parlamentares e de ministros de Estado como Simone Tebet (MDB), que pode concorrer no Mato Grosso do Sul. E assim como seu adversário na disputa, o PT também está ciente da possibilidade de precisar de acordos com outros partidos, até mesmo os de centro-direita.
Falta ainda um ano para as eleições e muitas variáveis permanecem em aberto. Em primeiro lugar, não sabemos quem serão os candidatos à presidência. O atual presidente, Luís Inácio Lula da Silva, já insinuou que pode se candidatar a um quarto mandato, mas ainda não deu a palavra final.
Jair Bolsonaro, por sua vez, está inelegível e, após a condenação pelo STF, resta saber se será preso ou gozará dos benefícios de uma possível anistia. Além disso, permanecendo a sua inelegibilidade, também não sabemos quem seria seu possível sucessor ou sucessora.
Temos que considerar também as disputas para os governos estaduais, e diversos outros fatores conjunturais e institucionais que podem afetar os planos de ambos os lados para o pleito do ano que vem.
De todo modo, a disputa de 2026 traz uma particularidade que não pode ser ignorada: a renovação de dois terços do Senado, instância cujas prerrogativas têm ganhado centralidade no embate entre os Poderes. Nesse contexto, o pleito não será apenas sobre quem governará o país, mas também sobre qual desenho institucional prevalecerá nos próximos anos.