Durante séculos, a história do “ouro líquido” teve um protagonista: o azeite de oliva, um venerável ancião do Mediterrâneo cuja lenda remonta à antiguidade clássica. Toda epopeia precisa de novas aventuras; um território inexplorado que prometa riquezas por decifrar.
Esta é a crônica de uma busca moderna que troca as selvas pelas montanhas. A conquista do novo “El Dorado”, que não brilha em pepitas, mas flui das sementes de quinoa e do tremoço andino. Mas isto não é uma lenda; esta travessia começa nos planaltos sul-americanos, onde o ar é rarefeito e as sementes guardam um segredo milenar.
O objetivo não é uma cidade perdida, mas uma garrafa que preserve a essência destas culturas resilientes. O que encontramos ao prensar estas sementes? Um tesouro lipídico com potencial para reescrever o mapa dos óleos contemporâneos.
Mapeando o território dos ácidos graxos
A primeira pista do tesouro está na sua composição química. O óleo de quinoa revela-se como uma veia generosa de ácidos graxos insaturados, que representam cerca de 82–85 % do seu perfil lipídico. Essa riqueza em insaturados, especialmente em ácido linoleico (ômega-6) e oleico (ômega-9), confere-lhe um valor nutricional relevante. A joia da coroa é a presença de ácido α-linolênico (ômega-3), que se destaca em relação a muitos óleos vegetais convencionais, embora não atinja os níveis excepcionais de óleos como o de linhaça ou chia. Ainda assim, sua contribuição de ômega-3 o torna um protagonista relevante no mapa nutricional lipídico.
Esse nutriente transforma esse óleo em algo mais do que um simples condimento. Ele vem escoltado por uma verdadeira guarda pretoriana de compostos bioativos, entre os quais se destacam os tocoferóis, as diferentes formas da vitamina E. Além disso, estudos identificaram a presença significativa de fitoesteróis, como o β-sitosterol, que reforçam seu perfil funcional. Estes compostos protegem a integridade do óleo contra a oxidação e lhe conferem propriedades saudáveis.
Sua estabilidade térmica é moderada, o que implica que sua aplicação é ideal para temperos em frio e cozimentos suaves, num paralelo com uma joia fina, cujo brilho é melhor apreciado sem ser lançada numa forja.
O perfil do óleo de tremoço compartilha algumas semelhanças com óleos de alto valor nutricional, como o azeite de oliva extra virgem, especialmente por sua riqueza em ácido oleico. Embora apresente uma proporção significativa de ácido linoleico, seu equilíbrio de gorduras insaturadas, juntamente com compostos antioxidantes naturais como o γ-tocoferol, o torna um óleo promissor. Mais do que estabelecer comparações, seu valor está em suas próprias qualidades, que o posicionam como uma alternativa saudável e emergente no universo dos óleos vegetais. Sua estabilidade se traduz num ponto de fumaça elevado ( 206°C), permitindo que ele “navegue sem criar fumaça” durante frituras e refogados em altas temperaturas, onde outros óleos premium falham.
Uma característica notável, do ponto de vista industrial e comercial, seja sua vida útil extensa, de mais de um ano em temperatura ambiente; um tesouro que não oxida, o baú que preserva seu conteúdo intacto graças ao seu conteúdo de compostos antioxidantes. Esta qualidade o torna viável para armazenamento e distribuição.
As virtudes do butim
A riqueza destes óleos transcende os aspectos sensoriais ou técnicos. Seu verdadeiro valor reside no seu poder funcional; o perfil lipídico de ambos é cardioprotetor por excelência. Demonstrou-se que esta combinação de ácidos graxos insaturados contribui eficazmente para aumentar o colesterol HDL (o “bom”), reduzir os níveis de colesterol LDL (o “mau”), prevenindo quadros clínicos (o “feio”).
Os fitoesteróis, presentes em quantidades significativas, atuam como agentes hipocolesterolêmicos, competindo com a absorção de colesterol no intestino. Além disso, seu exército de compostos com ação antioxidante combate ao estresse oxidativo e a inflamação crônica. São, em essência, um butim que fortalece o corpo por dentro.
O tesouro também é ecológico e social. Estas culturas são inerentemente sustentáveis e adaptadas às condições adversas dos Andes, requerendo menos insumos externos como fertilizantes e pesticidas em comparação com outras culturas oleaginosas intensivas. Promovem, portanto, uma agricultura de baixo impacto. Além disso, seu desenvolvimento como produto de alto valor representa uma oportunidade para o desenvolvimento rural.
A viabilidade do tesouro
A comercialização do óleo de quinoa esbarra em uma realidade pragmática: a extração em escala industrial ainda é uma operação em fase piloto. Dados científicos indicam rendimentos baixos, entre 5% e 7,2%, o que desafia sua viabilidade econômica. Atualmente, essa extração ocorre principalmente em laboratórios de pesquisa e plantas piloto, sem uma cadeia de comercialização estabelecida no mercado. É, por enquanto, uma veia estreita e difícil de explorar, que requer otimização de processos. Por exemplo, no Peru, em um trabalho com dez variedades de quinoa cultivadas em na região de Huancavelica, foram determinados os rendimentos e propriedades físico-químicas do óleo extraído em laboratório. No óleo de tremoço, os rendimentos são superiores (14 – 22%).
No Equador, o Instituto Nacional de Investigaciones Agropecuarias (INIAP) conduziu estudos com tremoço, avaliando métodos de extração (prensagem mecânica e solventes) e a qualidade nutricional do óleo produzido. Isto, somado às excelentes qualidades de estabilidade mencionadas, torna-o um candidato apto.
Instituições de pesquisa e desenvolvimento têm sido os pioneiros nesta expedição. Conseguiram desenvolver e refinar processos para obter óleos virgens de tremoço de qualidade, que cumprem os padrões internacionais de acidez, peróxidos e umidade. O tesouro não só existe, como já está sendo “extraído e cunhado” em lotes que demonstram sua viabilidade comercial.
O ouro do século XXI tem sabor andino
Os óleos de quinoa e tremoço andino deixam de ser um mito para se consolidarem como o “El Dorado líquido” do século XXI. Representam uma oportunidade de ouro. Nunca uma expressão foi tão adequada, para transformar cultivos ancestrais em produtos de alto valor comercial, impulsionar um desenvolvimento rural sustentável e oferecer ao mundo uma alternativa genuinamente saudável, sustentável e carregada de uma narrativa poderosa de resiliência e saber ancestral.
Este butim não se acumula em baús, mas se saboreia à mesa. Sua verdadeira riqueza se mede em saúde, sustentabilidade e justiça social. A era da consolidação do tesouro andino está começando, com a promessa de fluir para os mercados mundiais.





