Nesse dramático momento por que passam as instituições estadunidenses na área da educação superior, com ataques à Ciência e à Saúde, com a retirada do financiamento das sólidas Universidades de Harvard, Columbia, Princeton, e o desmonte do National Institute of Health (NIH) e dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC), levando a uma inédita e preocupante diáspora das instituições americanas, é importante fazermos profundas reflexões sobre o sistema de formação de recursos humanos, para o futuro do nosso país.
Tive o privilégio de vivenciar o início da pós-graduação no Brasil, em 1971, quando entrei na primeira turma do Doutorado do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), coordenado pelo professor Maurício Rocha e Silva. Desde então, o país testemunhou um salto extraordinário na formação de mestres e doutores.
Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) revelam que, entre 1996 e 2021, os cursos de pós-graduação stricto sensu (PG) brasileiros titularam um milhão de mestres e 319 mil doutores. Atualmente, formamos cerca de 22 mil doutores por ano. De acordo com um relatório da Clarivate, o Brasil se mantém na 13ª posição mundial em publicações científicas indexadas, superando países como Rússia, Holanda, Bélgica, Polônia e Suíça.
Não há a menor dúvida de que essa conquista notável é um reflexo direto da excelência dos orientadores e da dedicação e do talento dos nossos estudantes de pós-graduação.
O Brasil conta com um formidável complexo de programas de pós-graduação, distribuídos em universidades federais (como UFRJ, UNIFESP, UFMG, UnB, UFF, UFRGS, UFPR, UFBA, UFABC, UFG, UFC, UFPE, UFAM, UFSC, UFPA, UFPB, UFAL, UFRN, UFSCar, UFV, UFRRJ, UFPel, entre outras), estaduais (USP, Unicamp, Unesp, UERJ, UENF), e particulares (PUC-RJ, PUC-SP, PUC-RS). Além disso, também temos programas avançados de PG em institutos de pesquisa de excelência como a Fiocruz, Embrapa, os institutos ligados ao MCTI (CBPF, LNCC, INPA, INPE, IMPA, IBICT, Museu Goeldi, IDSM-Mamirauá, etc.), o CNPEM/Sirius (e o futuro Orion), e o Instituto Butantan. Essa capilaridade de instituições é a base para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Elevar o percentual não reembolsável do FNDCT
Para consolidar e expandir esse potencial, é imperativo que o governo aumente significativamente o investimento em Ciência e Tecnologia. Isso deve começar pelo fortalecimento dos recursos do CNPq e da Capes, além de elevar o percentual não reembolsável do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FNDCT, pontos frequentemente defendidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Fortalecer a infraestrutura de universidades e institutos de pesquisa é fundamental para fomentar a cooperação internacional e estreitar os laços com o nosso complexo industrial.
Não podemos perder, repetidamente, “os bondes da história”. A indústria brasileira, por sua vez, deve despertar de sua “apatia habitual” e de seu apetite exclusivo pelo lucro, reconhecendo a importância vital da Ciência e Tecnologia para o futuro do país, e, assim, aumentar seus próprios investimentos e parcerias com o setor acadêmico.
A formação de doutores é mais do que uma questão acadêmica; é uma questão estratégica para o desenvolvimento e a inovação em diversas frentes. Eles são fundamentais para resolver os graves problemas sociais no Brasil, com soluções inovadoras para desafios como a desigualdade, saneamento básico e acesso à educação de qualidade; para fortalecer a saúde pública e o Sistema Único de Saúde (SUS), contribuindo para o avanço da medicina, o desenvolvimento de novas terapias e vacinas (RNA) e a melhoria da gestão hospitalar; para proteger o meio ambiente e preservar nossos biomas, pois os jovens doutore(a)s serão cada vez mais essenciais para estudos sobre conservação, uso sustentável dos recursos naturais e combate às mudanças climáticas.
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Apesar do reconhecimento de sua inegável importância para o sistema de ciência, tecnologia e inovação, os pós-graduandos se encontram descontentes e desmotivados. O baixo valor das bolsas de estudo, embora reajustadas recentemente, é incapaz de acompanhar a inflação, o que torna a subsistência extremamente difícil. Muitos são forçados a buscar outras fontes de renda, comprometendo a qualidade e o tempo dedicado às suas pesquisas.
A última greve nacional dos pós-graduandos, realizada no dia 12 de agosto, é um movimento legítimo e de extrema importância para a defesa da ciência e da educação no Brasil. Além do reajuste das bolsas, uma reivindicação crucial é a garantia de direitos previdenciários. A ausência de contribuição previdenciária durante a pós-graduação cria um hiato na vida contributiva desses profissionais, deixando-os desprotegidos e prejudicando o cálculo de sua aposentadoria futura – um contraste notável com a situação de outras categorias, como os militares, que já contam seu tempo de serviço desde o início.
A ciência brasileira é construída sobre o trabalho árduo, a dedicação e o talento desses estudantes. Negar-lhes condições mínimas para desenvolverem suas pesquisas é um retrocesso que ameaça o futuro da nossa produção científica e tecnológica. O movimento de greve não é um ato de paralisação, mas sim um grito por reconhecimento e valorização. É um pedido urgente para que o governo e a sociedade olhem para a ciência como um investimento essencial, e não como um gasto.
A defesa dos pós-graduandos é, em essência, a defesa da ciência brasileira. É a defesa do futuro do nosso país. Ao investirmos adequadamente em nossos pesquisadores, garantimos que o Brasil continue a prosperar em conhecimento, inovação e desenvolvimento social.